Guerra

Governo de Israel aumenta restrições à imprensa durante guerra em Gaza e no Líbano

Medidas aprovadas pelo Parlamento e conselho de ministros dão mais poder ao Executivo em relação ao funcionamento das empresas de comunicação e criam fator de intimidação, segundo organizações

Líbano após ataque de Israel - MAHMOUD ZAYYAT / AFP

À medida que as Forças Armadas de Israel realizavam suas operações em Gaza, Cisjordânia e Líbano ao longo do último ano, um cerco desarmado se apertava dentro dos limites do Estado judeu.

Enquanto as atenções estavam voltadas para os acontecimentos no campo de batalha, o governo de Benjamin Netanyahu avançou com uma série de medidas que interferem na atuação de veículos de comunicação nacionais e estrangeiros no país — o que organizações denunciam como parte de um plano mais amplo para minar a liberdade de imprensa em solo israelense.

As medidas patrocinadas pelo Gabinete de Netanyahu — principalmente por seu ministro das Comunicações, Shlomo Karhi — deram poder ao Executivo para interferir diretamente no trabalho de jornalistas e fechar organizações de notícias, cortaram verbas de um dos principais veículos críticos ao governo e criaram um cenário de incerteza para aqueles que mantêm posições opostas à agenda oficial.

"Tememos que essas medidas intimidatórias e ameaças de repressão venham a provocar ainda mais autocensura entre jornalistas", afirmou Anne Bocandé, diretora editorial da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em declaração enviada ao GLOBO.

A ação mais recente teve um alvo específico: o jornal Haaretz, o mais antigo de Israel, que mantém uma cobertura crítica às guerras em Gaza e no Líbano e denuncia os assentamentos judaicos em territórios palestinos.

Sob o argumento de que editoriais e textos publicados pelo jornal prejudicam “a legitimidade do Estado de Israel e seu direito à legítima defesa”, os governistas conseguiram a aprovação de uma medida que implica no corte da publicidade institucional, no cancelamento de assinaturas oficiais e no boicote de autoridades a profissionais que trabalham para a publicação.

"Cortar o dinheiro do Estado para o Haaretz não deve incluir os contratos de publicidade vigentes. Embora isso não coloque o orçamento geral da publicação em risco, a mensagem do governo israelense é clara: nenhum meio de comunicação deve questionar o governo nem sua guerra em Gaza e no Líbano", acrescentou Bocandé.

Embora o estopim apontado para a aprovação tenha sido um discurso de Amos Schocken, publisher do jornal — em que defendeu sanções contra Israel e seus líderes pela oposição à criação de um Estado palestino, afirmou que o atual governo mantém um “apartheid” e utilizou a expressão “combatentes da liberdade palestinos a quem Israel chama terroristas” —, observadores da política e do ambiente de mídia israelense afirmam que o pronunciamento foi apenas um pretexto para avançar com uma medida já previamente buscada.

Em novembro do ano passado, Karhi propôs uma medida similar, que foi bloqueada pelo Ministério da Justiça por questionamentos sobre sua legalidade.

Fechamento e confisco

A hostilidade do movimento político liderado por Netanyahu a setores da mídia israelense não é nova.

Em mandatos anteriores, o premier chegou a afirmar, segundo um editor do Jerusalém Post após uma reunião privada em 2012, que o próprio Haaretz seria um dos maiores inimigos de Israel— o que foi negado pelo político.

O conflito que se espalhou de Gaza pela região parece ter pavimentado o caminho para ampliar iniciativas para reduzir o dissenso.

O caso de silenciamento mais evidente até o momento é o da legislação que ficou conhecida como “Lei Al-Jazeera", aprovada pela Knesset em abril.

O texto, utilizado como base legal pelo governo para fechar a rede catari no país e na Cisjordânia ocupada — onde militares invadiram a sede local da TV e impuseram o fechamento —, deu poderes ao premier e ao ministro das Comunicações para determinar o fim das operações de veículos estrangeiros e o confisco de equipamentos de jornalistas por decreto.

Neste caso, a justificativa apresentada pelo governo para obter aprovação também incluiu motivos de segurança — após uma ampla campanha das autoridades sobre a suposta colaboração de jornalistas ligados à empresa com o grupo terrorista Hamas.

As denúncias foram apontadas por organizações como a RSF e o Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ), com sede em Nova York, como insuficientes para comprovar qualquer vinculação e criticaram a exposição, afirmando que sujeita os profissionais a riscos reais nas zonas de guerra.

Embora a legislação tenha ficado conhecida pelo nome da emissora, ela não foi a única a sofrer com o poder concedido ao Executivo.

Profissionais da agência de notícias americana Associated Press tiveram equipamentos confiscados e a transmissão ao vivo cortada por militares israelenses sob ordem do ministro das Comunicações — que voltou atrás após uma intervenção direta da Casa Branca junto ao governo israelense.

Vitimados e novas ameaças

O cenário de guerra criou uma série de dificuldades e riscos para os jornalistas de toda região. Contudo, os números mostram que o cenário mais preocupante ainda é nos territórios palestinos, onde os profissionais de imprensa estão sujeitos aos desdobramentos mais graves da guerra.

Dados atualizados pelo CPJ indicam que dos 137 jornalistas mortos durante o conflito, 129 estavam em Gaza ou na Cisjordânia.

Outros seis estavam no Líbano, onde recentemente a ONG Human Rights Watch disse ver indícios do cometimento de “crime de guerra” em um bombardeio israelense que matou três jornalistas em Hasbaya, no sul do país.

— Desde que a guerra em Gaza começou, jornalistas têm pago o preço mais alto, suas vidas, por suas reportagens — disse Carlos Martinez de la Serna, diretor de programas do CPJ. — Toda vez que um jornalista é morto, ferido, preso ou forçado a ir para o exílio, perdemos fragmentos da verdade. Os responsáveis por essas baixas enfrentam um julgamento duplo: sob o direito internacional e diante do olhar implacável da história.

Enquanto uma série de outras situações, incluindo ameaças, prisões e deslocamentos forçados dificultam a cobertura nas zonas de guerra palestinas, novos avanços legislativos ameaçam restringir ainda mais o discurso jornalístico em Israel.

Um projeto para privatizar a TV pública Khan foi aprovado em uma votação preliminar.

Karhi afirma que a medida defende o livre mercado e alivia o orçamento público — embora o modelo israelense preveja diferentes formas de financiamento para esse sistema.

Opositores e organizações internacionais afirmam que a privatização acabaria com uma voz independente das empresas privadas de mídia.