Economia

Mercosul se reúne com perspectiva de acordo com UE

Com nova dinâmica política, Brasil espera aprovar agenda prioritária e isolar Milei no encontro na semana que vem

Bandeira do Mercosul - Jane de Araújo / Câmara dos Deputados

Os presidentes do Mercosul voltam a se reunir na quinta e na sexta-feira da semana que vem, no Uruguai, em um encontro que será menos morno do que em cúpulas recentes.

A face real da nova diplomacia argentina e o desfecho político das negociações para um acordo de livre comércio com a União Europeia (UE) darão o tom da reunião, que também terá como destaques o interesse do Panamá em entrar como associado ao bloco e a participação de mais um membro, a Bolívia.

Para integrantes da área diplomática do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma esperada aliança do presidente argentino, Javier Milei, com Donald Trump, que assumirá a Presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025, pode ter efeitos negativos para o Mercosul.

Por outro lado, com a recente vitória de Yamandú Orsi, de centro-esquerda, no Uruguai, e os interesses econômicos mútuos entre Brasil e Paraguai, a ideia é isolar Milei no bloco sul-americano a partir do ano que vem.

Cartas na mesa

No caso da Argentina, integrantes do governo brasileiro esperam o esvaziamento da agenda social do bloco.

Milei, quer, por exemplo, reduzir o tamanho e os poderes do Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos (IPPDH), que faz parte do Mercosul.

E já deu sinais de que quer retirar a instituição de Buenos Aires, onde está sua sede.

Desafeto de Lula, Milei colocou as cartas na mesa. No fim de outubro, demitiu a chanceler Diana Mondino, após um voto da diplomacia argentina a favor de Cuba na Organização das Nações Unidas (ONU).

Em meados de novembro, o presidente do país vizinho já havia determinado a retirada da delegação da Argentina da conferência mundial sobre o clima, a COP29, no Azerbaijão.

Milei também deu trabalho para o Brasil nas reuniões que antecederam a cúpula de líderes do G20, no Rio de Janeiro, no fim do mês passado.

A diplomacia argentina impediu o consenso em uma declaração sobre o empoderamento feminino e deixou claro que seu governo tem restrições à taxação dos super-ricos.

No encontro do Rio, por pouco Buenos Aires não aderiu à Aliança Global contra a Fome, principal pauta brasileira na presidência do bloco.

‘Gol de placa’

Já o novo presidente eleito do Uruguai, que se reuniu com Lula na última sexta-feira, será um aliado importante do Brasil neste momento, na percepção do governo.

Após o encontro na semana passada, Orsi disse que ele e Lula estão otimistas quanto à possibilidade de continuar estreitando laços com outras regiões, principalmente com a Europa.

A grande expectativa do governo brasileiro, que seria um “gol de placa” para a diplomacia, gira em torno de um acordo de livre comércio com a UE.

Uma decisão favorável faria com o que o Brasil saísse fortalecido do encontro, com perspectivas de aumento de comércio e investimentos com o bloco europeu.

Há, no entanto, forte resistência dos franceses. Lula já disse que o acordo não depende da França, e conta com o apoio da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, para concluir as negociações ainda em 2024.

A questão, no entanto, é que qualquer acordo assinado pela UE tem de ser aprovado por cada país do bloco, o que dá a Macron a chance de bloquear qualquer entendimento.

Nos últimos dias, várias reuniões técnicas entre representantes do Mercosul e da União Europeia foram realizadas em Brasília.

A informação dos bastidores é que questões ligadas ao meio ambiente apresentadas pelo lado europeu e a compras governamentais — um ponto de preocupação do governo Lula — avançaram.

No segundo caso, ao assumir a Presidência do Brasil, em janeiro de 2023, Lula anunciou que iria reavaliar o ponto que permite isonomia de tratamento a empresas do Mercosul e da UE em licitações públicas.

Para Marianna Albuquerque, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ficará claro, na cúpula de Montevidéu, a nova dinâmica de relacionamento com Milei, que deve dar um foco maior à liberalização comercial.

Ela também observa que, mesmo se não houver acordo com a União Europeia, são esperados avanços.

— Os franceses continuam se opondo, mas o Brasil trabalha com a possibilidade de ao menos anunciar avanços no dia 6 — afirma.

Fernanda Cimini, do núcleo de América do Sul do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também ressalta o otimismo do governo brasileiro com a possibilidade de um acordo com a UE.

No entanto, ela afirma que ainda não é possível prever qual será o resultado das negociações.

— Há grande otimismo por parte dos negociadores, porque o timing é perfeito. Havia questões em aberto que parece que avançaram — afirma.

Cimini salienta que, se não houvesse o adiamento de um ano da nova lei de desmatamento europeia — que proíbe importação de produtos em áreas desmatadas até 2020, e afeta o Brasil — não haveria clima para fechar o acordo entre Mercosul e União Europeia.

— O contexto agora é outro.

Nova configuração

Já a volta da Frente Ampla, de centro-esquerda, ao poder no Uruguai — com a recente eleição de Orsi, afilhado de José “Pepe” Mujica — pode significar um “retorno” do país ao Mercosul, em detrimento da postura que o Uruguai adotou nos últimos anos, com a tentativa de aprovação de acordos bilaterais fora do bloco.

Na gestão do atual presidente, Luis Alberto Lacalle Pou, o Uruguai decidiu negociar um acordo com a China.

Lula se opõe e defende que os sócios do Mercosul devem discutir em conjunto, e não separadamente, especialmente sobre tratados que afetam diretamente as tarifas de importação de países que não fazem parte do bloco.

O Panamá, por sua vez, deve ser o primeiro país que não faz parte da América do Sul a se associar ao Mercosul.

Teria o mesmo status que o Chile, que, ao contrário de Brasil, Uruguai, Paraguai e, agora, a Bolívia, não segue a Tarifa Externa Comum (TEC). O presidente panamenho, José Raúl Mulino, estará em Montevidéu.

Em julho deste ano, Lula e Mulino se reuniram em Assunção, no Paraguai, à margem da cúpula de presidentes do Mercosul. Entre os temas discutidos, um deles foi aumentar o comércio bilateral.