Bélgica é condenada pela primeira vez por sequestros de crianças durante a era colonial
Em 2019, país reconheceu ter levado a força 20 mil menores mestiços para orfanatos administrados pela Igreja Católica; tribunal classificou prática como crime contra Humanidade.
Um tribunal da Bélgica determinou nesta segunda-feira que o governo indenize cinco mulheres congolesas, filhas de mãe negra e pai branco, que foram sequestradas quando crianças como parte de uma política de Estado segregacionista adotada durante o período em que o país colonizou o República Democrática do Congo, entre 1908 a 1960.
Esta é a primeira condenação do tipo no país, que em 2019 fez um pedido formal de desculpas reconhecendo as cerca de 20 mil vítimas de separação forçada, numa prática que se entendeu também às colônias belgas em Burundi e Ruanda.
A Justiça considerou que o governo da época tinha um "plano para procurar e sequestrar sistematicamente crianças nascidas de uma mãe negra e um pai branco". O ato foi classificado como crime contra a Humanidade pela corte, o que eliminou os prazos de prescrição e anulou uma decisão anterior, que concluiu que já se havia passado muito tempo para as vítimas pedirem reparação.
Monique Bitu Bingi, Léa Tavares Mujinga, Noëlle Verbeken, Simone Ngalula e Marie-José Loshi, hoje com cerca de 70 anos, foram tiradas de suas mães à força pelo Estado entre as décadas de 1940 e 1950, quando tinham dois, três e quatro anos de idade.
Filhas de colonos brancos com mulheres negras locais, elas — assim como a maioria das crianças na mesma situação — não tiveram a nacionalidade belga reconhecida, já que os pais costumavam recusar a paternidade. Como parte da política de sequestro em vigor na época, elas foram levadas por autoridades para orfanatos administrados pela Igreja Católica, onde alegam ter sido vítimas de abusos.
A decisão desta segunda-feira, do Tribunal de Apelações de Bruxelas, põe fim a uma saga legal que teve início em 2021, quando seus advogados pediram uma indenização de 50 mil euros para cada.
A defesa das cinco mulheres alegou que a prática fazia parte da “política de segregação racial e sequestro estabelecida pelo Estado colonial” na Bélgica.
"Pessoas de etnia mista foram excluídas porque colocavam em risco a colônia (...) Sua busca por identidade ainda é impedida até hoje ", disse a advogada de defesa Michèle Hirsch na audiência.
"O tribunal ordena que o Estado belga indenize as recorrentes pelos danos morais resultantes da perda do vínculo com a mãe e dos danos à sua identidade e ao seu vínculo com o ambiente original"', disseram os juízes nesta segunda.
Em 2017, a Igreja Católica pediu desculpas às vítimas por sua participação no escândalo. O reconhecimento por parte da Bélgica só veio dois anos depois, quando o governo afirmou que admitir o que aconteceu fazia parte de "um passo em direção à conscientização e ao reconhecimento dessa parte de nossa história nacional".
Antes da decisão, Bitu Bingi minimizou o pedido de desculpas do Estado:
Nós fomos destruídos. Pedir desculpas é fácil, mas quando você faz algo, precisa assumir a responsabilidade por isso.