Por que Israel e Hezbollah continuam a se atacar mesmo com cessar-fogo no Líbano?
Especialistas apontam que violações e descumprimentos eram esperados, mas que hostilidades em um momento inicial não significam que trégua não possa se prolongar
Desde que o acordo de cessar-fogo entre Israel e Hezbollah entrou em vigor no Líbano na última quarta-feira, uma série de alegações sobre violações dos termos estabelecidos foi feita pelos dois lados envolvidos no conflito. A continuidade das hostilidades, embora em um ritmo muito menor do que antes, levantou questões sobre o quanto a trégua irá durar na prática. Entenda os principais pontos sobre o acordo, as violações e o futuro da região.
O que realmente diz o acordo de cessar-fogo?
Sob os termos do acordo, que foi intermediado por Estados Unidos e França, Israel tem 60 dias para retirar seus militares do Líbano, enquanto o Hezbollah deve recuar para o norte do Rio Litani, criando uma zona-tampão entre o grupo e a fronteira norte de Israel. O Exército libanês, que não é parte do conflito, deve supervisionar e reforçar a segurança no sul do país.
A retirada israelense deve acontecer em fases, mas os detalhes ainda não foram especificados. Especula-se que a saída dos soldados deve ser negociada com o Exército libanês e supervisionada por um comitê internacional presidido pelos EUA. Autoridades israelenses disseram repetidamente que responderão a qualquer provocação durante esse período, alertando civis a não retornarem imediatamente a suas casas no sul do Líbano.
Ninguém está dizendo que o acordo entrou em colapso
O período de implementação foi colocado no acordo por um motivo, disse Aaron David Miller, membro sênior do Carnegie Endowment, ex-analista e negociador do Departamento de Estado dos EUA para o Oriente Médio. Segundo ele, falhas e descumprimentos são esperados nos dias iniciais, não implicando em risco imediato para a viabilidade final do acordo.
— Se você conseguir passar 60 dias sem um colapso do acordo, então você terá uma pausa estratégica — disse ele, que também mencionou que nos acordos de cessar-fogo em que esteve envolvido ao longo de décadas no Líbano, não houve nenhum que não tenha sido quebrado inicialmente.
A verdadeira questão, segundo Miller, é se as partes têm interesse de absorver as violações e demonstrar contenção enquanto passam pela fase inicial de 60 dias.
Ambos os lados estão fazendo alegações de violações
Em declarações no fim de semana, o Exército israelense disse que realizou ataques no Líbano para responder a violações do cessar-fogo, incluindo com a morte de homens do Hezbollah e bombardeio de instalações do grupo.
Na segunda-feira, o Hezbollah disse — e Israel confirmou — que havia disparado em resposta a uma série de violações israelenses ao cessar-fogo, incluindo ataques aéreos e disparos a partir do solo, nos dias anteriores. Foi a primeira vez desde o cessar-fogo que o movimento libanês disparou em terras controladas por Israel, numa ação que classificou como "aviso".
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, chamou o ataque do Hezbollah de "uma violação grave do cessar-fogo" e prometeu que Israel "responderá com força" em uma declaração na segunda-feira.
Após o ataque, o Exército israelense disse que bombardeou alvos no Líbano. Os ataques israelenses na segunda-feira, incluindo aqueles em resposta às ações do Hezbollah, mataram pelo menos 11 pessoas, disse o Ministério da Saúde do Líbano, que não faz distinção entre civis e combatentes.
O acordo pode se manter mesmo com violações?
As alegações iniciais sobre descumprimentos mostram a fragilidade do acordo e a dificuldade de fazer cumprir acordos sob o direito internacional de forma mais ampla, analisou Jennifer Kavanagh, diretora de análise militar e pesquisadora sênior da Defense Priorities, um instituto de política externa em Washington.
De acordo com os termos negociados, tanto Israel quanto o Líbano podem exercer direito à autodefesa, desde que seja consistente com o direito internacional. Os detalhes e mecanismos de execução permanecem nebulosos — EUA e França, juntamente com a ONU, devem desempenhar um papel na avaliação de violações. Não está claro se algum mecanismo está totalmente em vigor neste momento ou como eles devem funcionar.
Os líderes de Israel disseram que "aplicarão" o acordo militarmente, argumentando que mesmo pequenas violações podem encorajar o grupo armado libanês.
Apesar das incertezas, o fato de Israel e Líbano terem chegado a um acordo, e que o Hezbollah, que é apoiado pelo Irã, disse que cumpriria os termos, mostra que — por enquanto — todos os envolvidos veem benefícios em uma pausa, disseram especialistas.
Jennifer disse que esperava violações e fracassos, mas não estava totalmente pessimista, porque todos os lados "têm incentivos para fazer o acordo funcionar".
O conflito pode não ser resolvido a longo prazo, disse Miller, mas ele aconselhou a não se deixar levar excessivamente pelas manchetes diárias sobre violações.
— [Por enquanto] os compromissos serão avaliados em um período de dois meses — afirmou.