opinião

O consumidor, a "black friday" e outros desenganos

Como, na prática, a corda só arrebenta do lado do mais fraco, nas relações de consumo, o lado mais vulnerável acaba sendo mesmo o já tão penalizado consumidor, dada a sua condição de hipossuficiente, economicamente se falando.

Quando se trata de época em que se anunciam as promoções, como a atualmente tão propalada e já manjada “Black friday”, alguns alertas precisam ser reiterados, para que o consumidor não seja alvo de mais e mais abusos.

Em relação à publicidade, é preciso que se fique atento aos mínimos detalhes, tanto aos que concernem à correta descrição do produto, como preço e condições de adquirição. 
Em geral, prevalecendo-se da onda que se apodera do consumidor, para adquirir o seu “sonho de consumo”, as ofertas de produtos e de serviços escondem essas especificações, que no pós-venda costumam trazer muita dor de cabeça, seja para devolução do valor pago; seja para uma simples troca.

Quando a compra é realizada à distância (via internet ou por telefone, como previsto no Código de defesa do consumidor), há uma certa facilitação para se desfazer a transação, devido ao prazo de 07 (sete) dias (contados do recebimento do produto), que se tem como período de “arrependimento”. 

Nesse caso, nem é preciso motivar o pedido de devolução do produto, pois se leva em consideração o não contato físico anterior, em que seria possível se testarem os caracteres e funcionamento.

Em geral, esse desfazimento do negócio requer uma “contraprestaçãozinha”, por parte do consumidor, no sentido de que encaminhe de volta o produto não mais “querido”, com a postagem a ser paga, entretanto, pelo vendedor destinatário.

Entretanto, as dores de cabeça mais comuns são mesmo as relacionadas aos vícios e aos defeitos do produto, pois é onde a via-crúcis para o devido reparo, troca ou restituição costuma ser mais íngreme e demorada.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em vigor (e a todo vapor), há 34 anos, tem sido um aliado essencial nas relações ditas “consumeristas”, considerando o suporte legal que fornece para a garantia dos direitos que são atropelados, cotidianamente. 

O Artigo 18 do referido “microssistema” legislativo (como assim é considerado o CDC, por exemplo, elenca 3 possibilidades de solução, quando um produto apresentar vício, as quais podem ser escolhidas pelo consumidor, de forma alternativa. São elas: A substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; o abatimento proporcional do preço.

Um detalhe imprescindível, mas que não é devidamente observado pelo consumidor, é que antes de se ajuizar uma demanda judicial, para se exigir uma das alternativas acima, deve-se oportunizar o reparo do produto, junto à assistência, pois somente após essa oportunidade dada, e não sendo solucionado o problema no prazo de 30 dias, é que se poderá buscar reparo judicial.

Esse percurso prévio, em busca de solução extrajudicial, é uma das exceções previstas na própria legislação, todavia não constitui um impeditivo para a propositura de ação judicial, mas um requisito para tal.

Recentemente, entretanto, alguns juízes e tribunais, andaram exigindo que nas relações de consumo em geral, houvesse a tentativa se solução extrajudicial, por diferentes canais, sob pena de a ação judicial vir a ser extinta. 

Isso, sim, seria afastar o acesso ao Judiciário, constitucionalmente assegurado.

Como diz um jurista bem d’acolá: “oremos”.
 

* Defensor público do estado de Pernambuco e professor.
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