"Jogo político": Pacote fiscal reconcilia Haddad com PT, e partido promete fim do fogo amigo
Newsletter semanal do jornalista Thiago Prado conversa com Lindbergh Farias, que muda o tom de críticas ao ministro da Fazenda.
Bom dia, boa tarde, boa noite, a depender da hora em que você abriu esse e-mail. Sou o editor de Política e Brasil do GLOBO e nessa newsletter você encontra análises, bastidores e conteúdos relevants do noticiário político.
Sabe aquele PT que passou os dois primeiros anos do governo Lula bombardeando com críticas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad? Pois ele está de despedida para o biênio final do terceiro mandato do petista depois do pacote fiscal apresentado na semana passada.
Enquanto o mercado e os analistas econômicos criticaram as medidas que fizeram o dólar disparar, está em curso a reconciliação de Haddad com os integrantes do partido ácidos com a política econômica.
Procurei o líder do PT na Câmara no ano que vem, o deputado Lindbergh Farias, que chegou a chamar de "burrice" a meta de déficit zero proposta por Haddad no passado. Ele garante que as críticas ao ministro cessarão, movimento que já pode ser percebido pelas falas dos últimos dias da presidente do PT, Gleisi Hoffman, crítica constante do Ministério da Fazenda desde 2023 e agora defensora do pacote.
"O ministro apresentou uma proposta que converge com as ideias defendidas historicamente pelo PT que apontam para a justiça tributária. Essa é uma preocupação genuína dele. A bancada do PT apoia Haddad e estará na linha de frente da defesa das medidas anunciadas no Congresso", diz Lindbergh.
Na contramão do PT, os principais colunistas de economia do país viram problemas nas medidas.
"É incerteza econômica, pois não se sabe se o governo vai conseguir criar o imposto extra sobre ricos que pagam escandalosamente pouco", escreveu Vinicius Torres Freire, na Folha. "Não foram critérios técnicos que serviram de inspiração para o presidente Lula definir o pacote fiscal (...). Foram critérios preponderantemente eleitorais", afirmou Celso Ming, no Estado de S. Paulo.
"Misturar as duas coisas só deu confusão: a ideia era mostrar que o governo estava tomando medidas amargas, só que tinha na mesa também propostas para aumentar a justiça tributária (...). Por mais que isso seja explicado em cada entrevista, não faz sentido em melhorar o clima no mercado financeiro", publicou Miriam Leitão, no GLOBO.
Além de Lindbergh, procurei também quem conhece bastante a esquerda por dentro para analisar as medidas. O cientista político Alberto Carlos Almeida vai contra a corrente e elogia a estratégia de misturar o enxugamento de gastos com a isenção do IR. "Quando o Lula fez isso, ele tirou o foco do corte. A fala do Haddad só trazia boas notícias. Ele pautou a mídia no curto prazo e não deixou para os adversários o argumento da maldade com os pobres. Acho que o Lula foi muito esperto. 'Quem corta dos pobres é a direita, eu não faço isso não', foi a mensagem que ele passou. O Lula sabia que teria o ônus do dólar onde está e dos juros. Tem muita água para rolar e ele decidiu comprar o ônus do curto prazo. Lula só não podia deixar carimbarem nele a pecha de não lutar pelos pobres."
O jornalista Thomas Traumman, autor de "O pior emprego do mundo", sobre a trajetória de 14 ministros da Fazenda desde a ditadura, pensa de outra forma: "Durante quatro semanas, o governo criou a expectativa de que estava propondo um ajuste. Na verdade, criou um risco real de gerar um rombo de bilhões em 2026 se não aprovarem a outra parte. Não é só a Faria Lima, os gringos também olham e não querem investir aqui com essas mensagens diferentes", afirma Thomas, que diz o que poderia ter sido feito de uma maneira muito simples para que a divulgação do pacote não tivesse tanto ruído. "Bastava ter feito o anúncio do ajuste agora e o do IR no Natal. Era o típico anúncio de fim de ano, isso é o básico de qualquer manual de comunicação."
Uma entrevista na Globonews na última sexta-feira mostrou que o ex-presidente Jair Bolsonaro pode se defender muito melhor das acusações de envolvimento na tentativa de golpe quando delega a função ao seu advogado Paulo Cunha Bueno do que quando o seu pelotão jurídico na TV é composto de figuras como Valdemar Costa Neto e Flávio Bolsonaro. Vale lembrar que, durante o governo, o porta-voz jurídico do ex-presidente era o trapalhão Frederick Wassef, que mais aparecia por notícias como esconder Fabrício Queiroz em sua casa em Atibaia ou pela acusação de racismo na Pizza Hut.
Bueno é advogado de Bolsonaro desde o caso das joias, já apareceu em outros momentos em defesa do ex-presidente, mas sua performance ao vivo fora da curva no "Estúdio i", da jornalista Andréia Sadi, chamou a atenção pela primeira vez.
Além de ter gerado a nova versão da defesa de que Bolsonaro seria "traído" por uma junta militar e não participaria dela, Bueno tinha respostas serenas e elaboradas para todos os temas, ainda que muitas tenham contradições, como elencou reportagem do GLOBO de sábado.
Sobre o tema golpe, o texto de Fernando Abrucio publicado no Valor de sexta-feira promove a discussão mais importante para o Brasil pós-revelações da Polícia Federal.
"Ficamos por um fio de um novo autoritarismo porque a democracia ainda é fraca ou, contrariamente, o golpismo foi evitado porque o atual regime democrático é forte?" . O cientista político desenvolve as duas linhas de raciocínio, embora admita que "há um aparente paradoxo, pois parecem ser inconciliáveis os dois argumentos".
Uma coisa é a maioria do Alto Comando não ter aderido ao golpe. Outra, questiona Abrucio, é se Freire Gomes, comandante do Exército, e Baptista Junior, da Aeronáutica, tivessem aceitado o plano, "qual seria a intensidade da reação ao golpe e por quanto tempo duraria essa situação antidemocrática"?. Não-adesão ao golpe é diferente de reagir ao golpe depois de consolidado.
Mas o cientista político reconhece: "É inegável que 2022 tinha elementos bem diferentes de 1964. As instituições políticas atuais são mais vinculadas à democracia, do mesmo modo que há setores sociais e apoios internacionais que dificultaram o golpismo bolsonarista".
'A arte de amar', de Christian Dunker
O novo livro do psicanalista faz refletir sobre a escuta e a sensibilidade de prestar atenção no outro como atos de amor. Dunker transformou em obra de 216 páginas um curso que ministrou na Casa do Saber, em 2019. Não se intimide com as citações a Jacques Lacan, Aristóteles e Bell Hooks, é literatura bastante acessível. Abaixo três trechos do livro ricos de significado:
"O amor é uma experiência no tempo (...). O momento agora se caracteriza justamente por um impulso de afastamento ou de separação do outro, como se tivéssemos que nos afastar da cena para poder entendê-la melhor, rearticulando assim o passado ao presente.(...). Muitas vezes quando conhecemos alguém por quem podemos potencialmente nos apaixonar, ou nos encontramos seduzidos, precisamos ir para casa, contar o que aconteceu para alguém, nos escutarmos falando, para que a experiência, ela própria, ganhe realidade e assuma a proporção própria e devida".
"A anatomia do afeto, da emoção e do sentimento a que chamamos de paixão está cheia de corpos de delito. Sua necropsia é bem mais simples do que seu manejo em tempo e vida real. Por isso que, ao se quebrar, o amor adquire um inusitado acréscimo de ágio no seu valor, simplesmente porque é com a perda, ausência ou distância dele que somos capazes de compreendê-lo".
"Se você quer que alguém deixe de te amar, comece a pedir amor. Comece a exigir ser amado. Tenha certeza que você está deflacionando o amor (...). Há outro modo muito importante de amar, ou seja, amar na ausência, seja ela no devaneio do reencontro, na saudade, na falta que promove o valor do amor à potência de restauração".
'Paixão simples', de Annie Ernaux
A resenha aqui é mais curta, do tamanho do livro fácil, fácil de ler em um único dia (são apenas 61 páginas). Nobel de Literatura, Ernaux conta a história de uma mulher divorciada, mãe de dois filhos, que vive uma paixão avassaladora com um homem casado.
A obra foca nas sensações de prazer e saudades da personagem principal, que não consegue abandonar a situação e ignora os dilemas morais do seu próprio enredo:
"O tempo todo me assaltava o desejo de terminar, para não ter mais que ficar à mercê de uma chamada, para não sofrer mais, e logo imaginava o que viria com o término: uma sequência de dias sem nada para esperar. Então preferia continuar, ainda que a um custo alto — que ele tivesse outra mulher ou várias (isto é, um sofrimento ainda maior que aquele que me levava a querer deixá-lo)."