Trama golpista: em análise na Turma de Moraes, aliados de Bolsonaro defendem ida de caso ao STF
Juristas avaliam que a permanência no colegiado menor, composto por cinco ministros, atende às regras definidas pela Corte para o tratamento de ações penais
Enquanto ministros atuais e aposentados do Supremo Tribunal Federal (STF) entendem que o julgamento da eventual denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro pela trama golpista é atribuição da Primeira Turma, aliados do ex-presidente avaliam que a análise do caso deveria ser feita pelo plenário da Corte.
Na avaliação de juristas, a permanência na Primeira Turma atende às regras definidas pela Corte para o tratamento de ações penais. Em dezembro de 2023, o tribunal alterou o regimento interno e permitiu que as ações penais e denúncias passassem a ser julgadas pelos colegiados menores, compostos por cinco ministros, e não mais pelo plenário, como ocorria desde 2021.
O ministro aposentado do STF Celso de Mello explica que o plenário do Supremo tem competência penal somente para processar e julgar, nos crimes comuns, o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, os ministros da Corte e o procurador-geral da República.
— Nas demais hipóteses de crimes comuns, a competência penal originária foi recentemente devolvida às Turmas do STF, o que representou, sem dúvida alguma, por razões de celeridade e funcionalidade, medida adequada e racional — aponta o ex-presidente da Corte.
“Instância revisora”
Nos bastidores do STF, o entendimento é que a análise do caso de Bolsonaro na Primeira Turma está consolidada. A mudança realizada em 2023 foi referendada por todos os ministros no plenário virtual.
De acordo com o regimento do STF, as ações penais ficam a cargo da turma integrada pelo relator — Alexandre de Moraes, no inquérito da tentativa de golpe. Também compõem esse grupo os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux, que já demonstraram alinhamento a Moraes em outros julgamentos. Nesse cenário, os ministros indicados ao STF por Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, ficam fora da análise do caso, já que são da Segunda Turma.
O advogado criminalista Fernando Hideo Lacerda, professor da Escola Paulista de Direito, ressalta que a redação do regimento interno do Supremo é clara sobre a quem compete julgar as ações penais e dá ao plenário a característica de instância recursal.
— Ao atribuir às Turmas essa competência, o STF não apenas otimiza seus trabalhos, mas também garante que o plenário permaneça como instância revisora em situações específicas — afirma.
O julgamento das ações penais já mudou de atribuição mais de uma vez. A primeira alteração ocorreu em 2014, após o caso do mensalão. O processo, que envolveu 38 réus e 24 condenados, foi analisado pelo plenário do Supremo em 53 sessões ao longo de 138 dias.
Com a pauta travada, a Corte alterou o regimento interno e transferiu o julgamento de ações penais e inquéritos envolvendo agentes públicos com prerrogativa de foro para as duas Turmas. A intenção era desafogar a pauta do plenário e dar mais agilidade aos processos. A atribuição foi modificada novamente em 2020, por iniciativa do ministro Luiz Fux, que à época presidia o STF.
Em 2023, uma nova mudança votada pelos ministros devolveu a atribuição para as duas Turmas. Um dos argumentos para a alteração regimental foi a avaliação interna de que a análise das ações penais pelo colegiado maior tomava muito tempo da Corte. Um dos exemplos citados foi o julgamento da ação penal que levou à condenação do ex-presidente Fernando Collor, realizado ao longo de sete sessões.
Apesar das regras da Corte, aliados de Bolsonaro vêm defendendo que o julgamento seria uma situação excepcional e, diante da grande repercussão do caso, deveria ser feito pela composição completa do Supremo. A argumentação também passa por críticas à condução do processo por Moraes. Na segunda-feira, a defesa do ex-presidente apresentou um novo pedido de impedimento do ministro na investigação que apura a tentativa de golpe de Estado e um plano para matar autoridades. Procurada, a defesa do ex-presidente não se manifestou.
Cortes internacionais
Em entrevista na segunda-feira, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que o pai pode recorrer a Cortes internacionais, como o Tribunal de Direitos Humanos da ONU, caso seja denunciado por tentativa de golpe.
— Existem diversos precedentes de pessoas que até revertem sua situação jurídica no país quando se constata a ilegalidade. Quando a perseguição vem de uma pessoa que já está na instância máxima do Judiciário, não resta alternativa — opinou o senador.