Entrevista

Céu fala sobre "Novela", seu álbum analógico, e define carreira: "sou uma operária da música"

Cantora paulista volta a se apresentar no Recife, neste sábado (7), na programação do No Ar Coquetel Molotov, no Campus da UFPE, às 18h20

Cantora Céu - Divulgação

A paulista Maria do Céu Whitaker Poças - ou apenas Céu, com escolheu ser chamada artisticamente - começou a trilhar sua carreira na música em 2002, evitando atalhos e não se curvando a pressões estéticas ou mercadológicas. Álbum após álbum, ao longo de mais de duas décadas, segue circulando nos palcos e festivais do Brasil e do mundo. 

Com uma carreira nacional e internacional consolidada, a artista volta a se apresentar no Recife, neste sábado (7), novamente aparecendo na programação do No Ar Coquetel Molotov, em uma edição com protagonismo feminino absoluto traduzido em 70% das atrações mulheres no palco.

Em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco, Céu falou sobre sua trajetória na música ao longo dos anos, a circulação do seu mais recente álbum “Novela”, gravado  nos estúdios Linear Labs, em Los Angeles, Estados Unidos, utilizando métodos analógicos e banda ao vivo, recentemente lançado em vinil pela Noize Records. 

Além da agenda de shows, Céu também tem participado de outros projetos, a exemplo da participação da faixa “O Samba e Você”, do primeiro álbum de Giovani Cidreira, “Carnaval eu chego lá”, com versões do sambista baiano Ederaldo Gentil.

Sobre o novo álbum
“Novela” tem coprodução da própria Céu com Pupillo (ex-Nação Zumbi) e Adrian Younge (integrante do Jazz is Dead), os dois acompanhados por Lucas Martins. Com sonoridade orgânica, o álbum ainda tem participações de anaiis, LadyBug Mecca e Loren Oden.

O repertório passeia pelas intersecções da música brasileira com o soul, o rock e o reggae, com instrumentação de bases de guitarras, órgãos, baixo e bateria e arranjos de cordas e sopros pensados por Younge especialmente para a Linear Labs Orchestra. O disco traz, entre as canções, uma parceria de Céu com Marcos Valle e outra de Nando Reis com Kleber Lucas.

Repertório e parcerias
“Sou uma pessoa que vou escrevendo e criando o lugar que quero chegar, através da minha escrita,da minha poesia, da minha musicalidade e de ter me aberto para parcerias, ao invés de pegar mais músicas de outras pessoas. Mas não deixei de incluir essa canção dele com com Kleber Lucas, já meio que no final da história, mas não tive como negar a música. O Nando é um poeta muito direto ao coração que tem uma coisa popular e sofisticada ao mesmo tempo…”, descreveu Céu.

“E Marcos Valle, foi um luxo para mim fazer uma busca do disco com ele. E aí a gente teve essa troca de parceria e tem várias outras pessoas, a ladybug que é uma das rappers que mais me emocionam desde menina… (...), o Loren Oden, um grande cantor norte americano, não muito conhecido aqui no Brasil”.

“Foi um processo diferente de todos os outros tantos, porque foi a primeira vez que eu trabalho com o Adrian, que é esse produto problemático americano de quem eu sou fã. E tive também a produção do Pupillo, que dispensa apresentações, mas que tem essa familiar tranquilidade nessa parceria com eles”, contou a artista.

“Essa gravação lá fora foi um processo de renovação, de ampliação e de gratidão também, porque aconteceu muita coisa comigo nos Estados Unidos e quando lancei o meu primeiro disco na Europa, especialmente na França. Aconteceu muita coisa. Então, é se abrir, mas também manter aqui a minha raiz é o que faço com a minha música”



Ao vivo e analógico
A ideia da produção musical de Adrian Younge foi gravar um disco de forma totalmente analógica, a exemplo das gravações de Bob Marley & The Wailers, na jamaica dos anos de 1970 e 1980: tudo em rolos de fita, utilizando um tipo de captação em que é possível registrar de forma fiel o que foi tocado.

Foi um desafio para a artista performar sem nenhum processamento digital e com execução da banda ao vivo. “Uma coisa muito nova pra gente entrar em um trabalho com uma política de ser tudo sem computador, sem nenhum computador. Então,, pra gente foi novo. É fácil você imaginar ‘ah, vou gravar tudo no peito e massa’. Mas é uma coisa que é para poucos porque aqui no Brasil é super caro”, relata Céu. 

“Mas se ele tá dizendo, vamos tentar, vamos se jogar, pensamos. Mas uma coisa é você imaginar e outra coisa é fazer. A experiência de fazer uma coisa hoje, em 2024, sem computador eu não sei nem explicar”, relatou. “Sou uma artista que peguei um momento analógico também, mas hoje é uma coisa quase que ‘De Volta Para o Futuro’, mas futuro afinal é uma experiência tão, mas tão longe da nossa realidade hoje que está cheia de conforto de filtro de corpo”, reflete.

O resultado da empreitada é um disco com sonoridade orgânica, grooves bem balançados e graves pronunciados como devem soar um LP na agulha de um bom toca discos. 

Céu escolheu o nome “novela” para levar a cultura brasileira em suas andanças pelo mundo. “Queria que esse disco trouxesse essa identidade latino-americana, porque acho que a novela é um ícone daqui, apesar de não ser daqui e significa bastante e é até um fator amoroso, de aglomerar para se falar de algo. Eu acho que é uma maneira de olhar para nossa cultura, que acho bonita. E acho que todo mundo tem a sua própria novela, né? Cada um tem a sua e a minha pode também fazer parte da sua, sabe? Acho que essa foi a brincadeira bacana”, explica.

Relação com Pernambuco
Além do fato de ser casada com Pupillo, um músico pernambucano, a artista fala sobre sua relação com Pernambuco e o sentimento de voltar a tocar por essas bandas, mais uma vez na programação do No Ar Coquetel Molotov, festival qual já é praticamente residente e decana.

“É uma batalha vencida. Mais um ano lindo e fico muito feliz de poder participar. Para mim é sempre uma alegria estar em Pernambuco, estar em Recife. Estou querendo chegar a tanto tempo mas não tem sido muito fácil o cenário para a música independente no Brasil. Só tenho a agradecer ao Coquetel e agradecer também a Recife”, disse.

“Eu me sinto é praticamente em minha casa pois já tenho meu território aqui em São Paulo muito pernambucano em casa. E eu sou apaixonada pela cultura, pela música, pela gente, por tudo. 

Caminho da música sem atalhos
“Tenho muito orgulho dos meus discos. Eu olho para trás e entendo muito bem a pessoa toda, sabe? Acho que tem uma linha muito bem trilhada, no sentido de que consigo entender o que estava pensando para chegar naquele lugar. Significa que talvez eu sempre estive de acordo com algo muito honesto, não é que dei um salto para um canto e tentei alguma coisa. Eu estava realmente sentindo e acho que o meu lugar na música sempre foi muito ligado a essa auto-honestidade”, aponta a cantora.

“Acima de qualquer coisa, não vou fazer o que não faz sentido para mim. Independente de mercado, de não sei o quê. Em vários momentos me senti pressionada e várias vezes eu sofri e paguei o preço. Muitas vezes me colocam apenas como a ‘cantora que deu certo’. Mas eu luto pra caramba, sou uma operária da música e é uma batalha, um trabalho de formiguinha”.

"Sim, sou de São Paulo, onde tudo acontece muito mais fácil do que no Nordeste e do que no Norte, mas é uma reafirmação diária. Saber dizer quem eu sou, as coisas que acredito nessa vida, como mulher, como mãe. E também fazendo outras coisas, me dividir pra conseguir viajar e estar em terra fazendo as coisas... é uma caminhada que vejo hoje com muito entusiasmo, com alegria, com gratidão e sempre observando que posso melhorar, que estou aprendendo", conclui.