OPINIÃO

Lindouro, Renzo e o Redentor 

Lindouro Modesto Gomes (PT) e Renzo Vasconcelos (PSD) têm muito em comum, embora vivam a 350 km de distância um do outro. O petista Lindouro foi eleito prefeito de Alvinópolis (MG) e Renzo ganhou a eleição em Colatina (ES). 

Ambos vão receber de herança dos seus antecessores contratos com o escritório de advocacia britânico Pogust Goodhead que, pelo entendimento do ministro Flávio Dino do STF, não poderiam ter sido assinados sem licitação. 

Alvinópolis, fundada em 1891, fica a 162 km de Belo Horizonte. Ali, vivem 15.000 almas, e a cidade tem uma receita bruta de R$ 69,5 milhões, de acordo com o IBGE. Mas as despesas de R$ 71,5 milhões superam a receita e criam um deficit de R$ 3 milhões. Ou seja: Lindouro assumirá uma cidade que gasta mais do que arrecada. 

Colatina, fundada em 1921, tem uma população de 120 mil habitantes e uma arrecadação de R$ 775,1 milhões e despesas de R$ 756,7 milhões. Sobram R$ 18,4 milhões em caixa. Neste aspecto, Renzo teve mais sorte que Lindouro.

Ambas as cidades estão entre os municípios atingidos pelo desastre da barragem de Fundão, em Mariana (MG). No início de novembro, o STF referendou por unanimidade um acordo de indenização que determina o pagamento de R$ 132 bilhões em indenizações.  

Com a decisão do STF, começam a ser divulgados os termos dos contratos assinados por administrações municipais anteriores, como nos casos de Alvinópolis e Colatina, nos quais existem cláusulas obrigando o município contratante a não se comunicar com a empresa BHP em relação a acordo, nem aceitar qualquer proposta de acordo sem o consentimento do do escritório britânico. Os contratos também determinam que se os municípios rescindirem o acordo serão obrigados a pagar pelo menos os honorários advocatícios, fixados em 20% do valor da indenização, e despesas bancadas pelo Pogust Goodhead até aquele momento (cláusulas 6.12 e 9.1 do contrato de Alvinópolis).   

Pelos contratos questionados pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), se os municípios rescindirem com o Pogust Goodhead terão de pagar 20% de honorários. Mas o escritório britânico pode desistir sem qualquer sanção se julgar que os municípios entraram em um acordo com a BHP sem o envolvimento do PG, se os municípios “frustraram” o litígio ou se o litígio se tornou “antieconômico”. 

Colatina e Alvinópolis podem aderir ao acordo referendado pelo Supremo até maio de 2025. Essa será uma decisão dos novos prefeitos, que escolherão entre receber indenizações num prazo menor ou esperar até 2028, prazo estimado para a decisão do tribunal londrino.

Os contratos feitos pelos britânicos são muito bem amarrados, deixando os municípios numa situação difícil, tipo se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Mas, como mostra a assessoria jurídica do Ibram, a saída é a lei.  

Nesta semana, os advogados dos escritórios Warde Advogados e Xavier Gagliardi Inglez Verona Shafer, representantes do Ibram, encaminharam petição ao ministro Flávio Dino informando que o Pogust Goodhead fez adiantamentos aos municípios. O Ibram entende que os adiantamentos provam terem os municípios firmado contratos com cláusula de sucesso, ferindo regras do direito administrativo brasileiro e do TCU (Tribunal de Contas da União). O Pogust alega não ter feito nada errado. 

Os britânicos entraram na briga pelas indenizações no caso da barragem de Fundão certos de que venceriam em Londres, muito antes de a Justiça brasileira decidir qualquer coisa. Já tiveram muitas vitórias em outros casos e ainda brigam para condenar a Braskem pelo desastre da mina de sal-gema em Maceió e a brasileira Cutrale, maior produtora de suco de laranja do mundo. Mas a ação do STF e as decisões do ministro Flávio Dino jogaram um véu de incerteza sobre as perspectivas do Pogust Goodhead.  

Tanto que em 28 de novembro o site Businessmayor noticiou a demissão de 150 funcionários do escritório britânico, o qual tem sido financiado pelo fundo abutre Gramercy. As demissões por cortes de gastos atingem tanto funcionários da Inglaterra quanto do Brasil.  

Pagar ou não pagar? Receber ou não receber? Eis a questão. A vida como ela é está num episódio da história de Colatina. Em 1975, a prefeitura encomendou uma estátua do Cristo Redentor com 35 metros de altura, obra do artista capixaba Antônio Francisco Moreira. A estátua foi inaugurada com toda pompa e nada de sair o pagamento do artista. Passados 3 anos, ele ameaçou explodir a estátua se não recebesse. Pressionado, o prefeito Devacir Zachê negociou com a Câmara dos Vereadores e acertaram pagar em 2 parcelas. A 1ª saiu na hora, mas a 2ª demorou 3 anos e acabou sendo paga pelo sucessor de Zachê.

* Jornalista.

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