ÁSIA

Oposição da Coreia do Sul acusa partido governista de 'segundo golpe'

Yoon Suk-yeol, sobreviveu ao processo de impeachment aberto pela oposição

Presidente Yoon Suk-yeol - Reprodução/Internet

A oposição da Coreia do Sul acusou na segunda-feira (9) o partido governista de realizar um "segundo golpe" ao se agarrar ao poder e recusar o impeachment do presidente Yoon Suk Yeol por sua declaração de lei marcial.

"Não importa como tentem justificar, a essência permanece inalterada: este é um ato ilegal, inconstitucional, de uma segunda insurreição e de um segundo golpe", afirmou Park Chan-dae, líder parlamentar do Partido Democrático, pedindo ao partido governista que "pare imediatamente".

Neste domingo, menos de uma semana após decretar lei marcial e tentar fechar o Congresso, o presidente Yoon Suk-yeol, sobreviveu ao processo de impeachment aberto pela oposição sob alegação de que o mandatário violou gravemente a Constituição.

A medida foi rejeitada neste sábado após uma manobra do Partido do Poder Popular (PPP), legenda do presidente, que retirou (quase) todos os seus deputados da sessão, sem que registrassem seus votos. A oposição prometeu apresentar uma nova moção para afastamento do presidente antes do fim do ano.

A sobrevivência política de Yoon é o desfecho de uma semana em que o apoio ao presidente teve altos e baixos entre os governistas. Ainda na terça-feira, quando decretou a lei marcial que ficou vigente por apenas algumas horas, o mandatário viu deputados de sua base aliada romperem o cerco das forças de segurança à sede da Assembleia Nacional e votarem pela ilegalidade da medida.

Na sessão deste sábado, porém, foram os mesmos deputados que se negaram a votar no impeachment do presidente.

A manobra tomou forma pouco antes das 17h30 (5h30 em Brasília), quando deputados governistas começaram a se retirar do plenário da Câmara, após participarem de uma votação sobre a nomeação de um promotor especial e a abertura de uma investigação contra a primeira-dama, Kim Keon-hee, por um suposto esquema de manipulação de ações e outra relacionada a questões eleitorais.

Os aliados de Yoon bloquearam a votação envolvendo a primeira-dama e deixaram o plenário, sob o protesto de parlamentares opositores.

Embora tenha maioria no Parlamento, com 192 deputados, a oposição precisava conquistar o apoio de oito deputados governistas para alcançar os 200 votos necessários para o afastamento do presidente (a medida exigia que 2/3 dos parlamentares votassem, para que houvesse a aprovação).

Contudo, dos 108 deputados ligados ao governo, apenas um se recusou a abandonar a sessão e permaneceu no plenário — Ahn Cheol-soo, um veterano que já fez parte do Partido Democrático, principal sigla da oposição, e já tentou alcançar à Presidência.

O boicote dos governistas enfureceu uma multidão de cerca de 150 mil sul-coreanos que se reuniram no entorno da Assembleia Nacional para pedir pelo impeachment de Yoon. Aos gritos de "traidores", os manifestantes tentaram pressionar para que os deputados governistas retornassem para votar. Eles também gritaram palavras de ordem, pedindo a prisão do presidente.

Em meio à pressão, um breve momento de otimismo tirou aplausos e gritos eufóricos da multidão, no momento em que três deputados do PPP voltaram ao plenário. Embora parecesse que o número de votos necessários para o impeachment àquela altura teria baixado para cinco, um dos supostos "desertores", Kim Sang-wook, revelou ter voltado apenas para votar contra o impeachment. Nenhum outro parlamentar cedeu à pressão.

O partido governista se viu diante de uma encruzilhada política desde que Yoon — um líder impopular e pressionado por indícios de escândalos — decidiu decretar lei marcial. A medida, que supostamente visava combater "comunistas pró-Coreia do Norte" e "agentes antiestatais", causou uma instabilidade política que acendeu alertas na geopolítica internacional.

Ao longo dos últimos dias, lideranças e porta-vozes do partido deram sinais trocados sobre como os deputados iriam se comportar perante a moção de impeachment movida pela oposição. Se por um lado havia uma ansiedade do partido de romper com o presidente e se afastar do escândalo político que a lei marcial causou, os estrategistas conservadores ressaltaram a importância de não entregar à oposição um trunfo político que pudesse ser explorado eleitoralmente.

O líder do PPP, Han Dong-hoon, acumulou recuos e contradições ao longo da semana, à medida que o entendimento sobre a deposição do presidente mudava. Na quinta-feira, em uma reunião com aliados, Han defendeu que a posição a ser defendida pelo partido deveria ser de condenar a lei marcial como inconstitucional, mas garantir que o impeachment não fosse aprovado, pensando no eleitorado conservador.

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Em um anúncio público um dia após a reunião, Han voltou atrás e fez uma declaração pública a favor da deposição do presidente, afirmando que o partido havia recebido "evidências confiáveis" de setores de inteligência de que Yoon teria ordenado que o comandante da contra-inteligência do país prendesse políticos importantes. A declaração foi transmitida pela televisão.

Um fator que parece ter contribuído para a tábua de salvação estendida pelo Congresso a Yoon foi o pronunciamento em cadeia nacional feito pelo presidente apenas sete horas antes da votação. Nele, o mandatário pediu desculpas aos coreanos pela "ansiedade" causada pelo decreto de lei marcial, o que disse ter nascido "do desespero do presidente, que é o responsável final pelos assuntos de Estado".

— Não fugiremos da questão da responsabilidade legal e política em relação a esta declaração de lei marcial — disse Yoon. — Deixarei o futuro plano de estabilidade política, incluindo o meu mandato, para o nosso partido. Mais uma vez inclinamos a cabeça em desculpas por causar preocupação aos nossos cidadãos.

Embora a reação inicial do partido tenha sinalizado que era tarde demais para a manutenção do presidente no poder, o discurso parece ter ressoado positivamente entre as fileiras do partido. Em uma entrevista à rede britânica BBC, o parlamentar Cho Kyung-tae, que havia anunciado publicamente que votaria a favor do impeachment, disse que voltou atrás após o pedido de desculpas de Yoon.

Na primeira aparição pública: Yoon Suk-yeol pede desculpas à Coreia do Sul após declarar lei marcial

Mais do que um motivo, as desculpas públicas de Yoon parecem ter sido o pretexto utilizado pelo PPP para assumir o curso político inicialmente traçado pela direção do partido — afastar-se da lei marcial, e evitar a reação colérica do eleitorado conservador.

Em análise publicada após a rejeição do impeachment, o jornal sul-coreano The Korean Times afirmou que o fator decisivo para o boicote governista teria sido o medo de uma repetição da "aniquilação" ocorrida após a deposição da presidente conservadora Park Geun-hye, em 2016, acusada de corrupção.

"Logo após o impeachment de Park em dezembro de 2016, o então governante Partido Saenuri, conservador, perdeu terreno e praticamente entrou em colapso, pois as pessoas perderam toda a confiança nos conservadores", escreveu o jornal, lembrando que o partido rachou em duas siglas, que não conseguiram projeção nas eleições seguintes.

"Tanto o Partido Bareun [da facção que apoiou o impeachment] quanto o Partido da Liberdade da Coreia [remanescente do Saenuri] tiveram índices de aprovação de um dígito na eleição antecipada de maio de 2017, realizada para eleger o sucessor de Park".

Impopular e sob pressão
Caso fosse confirmada a derrota, Yoon Suk-yeol se tornaria o terceiro presidente a sofrer impeachment no século XXI. Segundo uma pesquisa do instituto Realmeter, 73,6% dos sul-coreanos defendem sua saída do cargo.

Eleito com uma vantagem de menos de um ponto percentual em 2022, Yoon Suk-yeol se tornou um dos mais impopulares presidentes da História recente da Coreia do Sul, com índices que raramente superavam os 30%.

Seu governo mesclou atos populistas — como a saída da Casa Azul, a antiga sede da Presidência, sob pretexto de economia de gastos — com uma condução errática de políticas públicas e, especialmente, da economia. Os altos preços dos imóveis, um fator que contribuiu para sua vitória, persistiram, erodindo o apoio em uma parcela dos sul-coreanos que o apoiaram na campanha.

A postura de enfrentamento com a Coreia do Norte, acompanhada por ameaças de conflito militar com um vizinho que tem armas nucleares, não recebeu grande apoio, e os escândalos em série, inclusive envolvendo a primeira-dama, pareciam pavimentar seu mandato para um fim antecipado, ainda mais com um Parlamento de oposição.

Sob pressão, Yoon usou um mecanismo que não era invocado desde a ditadura militar, no final dos anos 1970, a lei marcial, citando uma suposta ameaça norte-coreana mas, na verdade, se referindo às dificuldades enfrentadas para aprovar projetos e manter no cargo seus ministros — em fevereiro, Lee Sang-min, titular da pasta do Interior, sofreu impeachment, mas ficou no governo após uma decisão judicial. A pressão sobre seu Gabinete foi citada no discurso de terça-feira, quando anunciou a lei marcial.

Sob ordens do presidente, tropas cercaram o Parlamento, mas não impediram que 190 deputados, incluindo do partido de Yoon, derrubassem a lei marcial, dando início a uma discussão sobre sua permanência no cargo, cada vez mais ameaçada. Inicialmente, sua sigla, o Partido do Poder Popular, disse que votaria contra o pedido de impeachment apresentado pela oposição, mas nesta sexta-feira as lideranças partidárias mudaram de ideia.

Em entrevista, Han Dong-hoon disse que a decisão se devia a informações de que Yoon ordenou a prisão de políticos durante a lei marcial, inclusive a dele.

— À luz dessas novas revelações, cheguei à conclusão de que é necessário suspender o presidente Yoon de exercer seu mandato para proteger a Coreia do Sul e seu povo — disse Han, afirmando ainda que Yoon “não estava reconhecendo seus erros”. — [Se Yoon continuar no cargo] temo que haverá um grande risco de ações radicais como esse estado de emergência se repetirem, e ele colocará a Coreia do Sul e seu povo em grande perigo.

Lee Jae-myung, derrotado por Yoon em 2022 e que também estava na lista de políticos que deveriam ser presos pelas tropas, afirmou que a democracia na Coreia do Sul está "em seu momento mais crítico", e defende que o presidente seja investigado por seus crimes, inclusive por alta traição, um delito que pode levar à pena de morte (suspensa no país desde 1997).

— A Coreia do Sul está em crise devido ao "conflito interno de Yoon Suk-yeol" — disse Lee nesta sexta-feira a jornalistas. — Yoon é um gênio do crime.