Naegleria fowleri

'Ameba comedora de cérebros': saiba tudo sobre o parasita, que tem caso investigado no Brasil

Parasita destrói o tecido do órgão e leva vasta maioria dos infectados à morte

Ameba Naegleria fowleri no fluido cerebrospinal de uma pessoa - Divulgação / James Roberts, Children's Healthcare of Atlanta

A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) investiga o que pode ser o primeiro caso do parasita Naegleria fowleri, conhecido como "ameba comedora de cérebro", no Brasil. O microrganismo destrói o tecido do órgão e, em até sete dias do início dos sintomas, leva quase todos os contaminados à morte – como foi com a paciente suspeita no país.

O caso em análise é de uma menina de um ano que morreu em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, em setembro. O secretário executivo de Vigilância em Saúde do Ceará, Antonio Silva Lima Neto, disse à TV Verdes Mares, neste domingo, que a suspeita é que a criança tenha sido infectada durante o banho em casa.

Nos Estados Unidos, de onde é a vasta maioria dos registros de Naegleria fowleri, apenas 4 de 164 infectados entre 1962 e 2023 sobreviveram à ameba – uma letalidade de 97,6%, segundo dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), acima de temidos patógenos, como o ebola.

Oficialmente, não há casos confirmados no Brasil. Porém, devido ao desconhecimento e ao fato de poucos grupos trabalharem com o parasita no país, é possível que indivíduos tenham sido contaminados, mas não diagnosticados.

É o que explicou ao Globo a parasitologista Denise Leal dos Santos, doutora em Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e referência na área.

— Ela causa uma meningite que pode ser confundida com outra bacteriana ou viral, porque os sintomas são parecidos. Então podemos ter casos subdiagnosticados, ou seja, que tenham sido causados pela Naegleria fowleri, mas que não foram identificados. Lá nos Estados Unidos, como é mais comum, se a pessoa teve algum sintoma eles já pesquisam para ver se é a ameba — explicou a pesquisadora, que recebeu um prêmio da Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP) por sua tese sobre a Naegleria fowleri.

Abaixo, saiba tudo sobre a ameba: onde ela pode ser encontrada, os riscos no Brasil, como ocorre a transmissão, maneiras de evitar o contágio e quais os sintomas.

O que é a ameba comedora de cérebros?
A Naegleria fowleri é uma ameba de vida livre, ou seja, está presente no ambiente. No entanto, ela é oportunista e, se tiver contato com humanos ou animais, penetra nas fossas nasais e vai até o cérebro, onde causa um tipo de meningite chamada meningoencefalite amebiana primária (MAP).

— Ela é agressiva por causa da sua velocidade. Ela emite flagelos que facilitam o deslocamento, então ao entrar nas fossas nasais de forma muito rápida ela ultrapassa a barreira hematoencefálica e se instala no cérebro causando a meningite. A pessoa começa a ter sintomas e dentro de sete dias vai a óbito — disse a parasitologista.

Onde existe a ameba comedora de cérebro?
A ameba vive no solo e, principalmente, em água doce de lagos, rios e fontes termais. Há relatos ainda de infecção a partir da torneira, de uso de itens para lavagem das fossas nasais, entre outros semelhantes. Não é encontrada em água salgada.

Denise explica que há relatos por todo o mundo, como no Paquistão, onde em 2012 um surto deixou 10 mortos na cidade de Karachi. Lá, há casos associados ao ritual de ablução, que envolve o uso de água em contato com o rosto.

Porém, os Estados Unidos são o principal país que monitora a doença. Entre 1962 e 2023 foram 164 casos registrados, e 160 óbitos.

Tem ameba comedora de cérebro no Brasil?
Além da possibilidade de já haver casos subnotificados, a parasitologista conta que houve dois casos de Naegleria fowleri diagnosticados em bovinos no Rio Grande do Sul entre 2017 e 2019, o que indica a presença do microrganismo em território brasileiro.

— Poderia ter sido um humano mergulhando, por exemplo, no lago onde esse bovino bebeu água, e ter se contaminado. Provavelmente em breve vamos ver algum caso confirmado no Brasil. Se formos pesquisar, encontramos. Mas não são muitas pessoas que trabalham com esse microrganismo no país — explicou.

Ela acrescentou que chegaram a existir relatos de alguns diagnósticos em humanos no país na década de 70, mas que não foram confirmados por testes moleculares e podem ter sido causados por outras Naeglerias, que são menos letais.

Quais os riscos da ameba?
Os casos da Naegleria fowleri são raros, com pouco menos de uma dezena registrados a cada ano. Logo, para a população geral, não há um risco alto. O perigo está principalmente em mergulhar em lagos e rios de regiões onde se sabe que o microrganismo habita.

No entanto, a parasitologista alertou para o avanço da ameba em meio ao aquecimento do planeta. Um estudo publicado em maio do ano passado na revista científica Ohio Journal of Public Health cita a expansão do parasita em estados do Norte dos EUA, que não costumavam relatar infecções por antes ter temperaturas mais amenas.

— Estamos vendo mais casos a cada ano que passa devido às mudanças climáticas. Porque ela é termotolerante, vive na água com temperaturas de até 45 graus, mas consegue tolerar até 50 graus. E se alimenta principalmente de cianobactérias, que também se proliferam em altas temperaturas. A tendência é a temperatura elevar cada vez mais e consequentemente criar um cenário mais favorável para a dispersão de microrganismos — afirmou a pesquisadora.

Como se contrai a ameba?
A ameba entra no organismo após subir pelo nariz. Ela não é transmitida de pessoa para pessoa, nem pela ingestão da água contaminada.

Quais os sintomas da ameba?
No estágio inicial, os sintomas são fortes dores de cabeça, febre, fotofobia, náuseas e vômitos. Eles progridem para rigidez da nuca, convulsões e podem levar ao coma. As queixas podem começar de 1 a 12 dias da infecção. A doença progride rapidamente e em quase todos os casos causa a morte em até sete dias.

Existe tratamento para a ameba?

Não. Algumas medicações anti parasitárias são utilizadas após o diagnóstico nos EUA, porém elas não são eficazes e quase todos os casos relatados até hoje morreram. Cientistas pelo mundo buscam um tratamento, porém ainda sem sucesso.

Como evitar a ameba comedora de cérebro?

Não existe vacina para prevenir a infecção. Nos EUA, onde são mapeadas as áreas contaminadas, os CDC orientam o cuidado para que a água nessas regiões não entre pelo nariz. Desaconselham também mexer nos sedimentos no fundo de lagos e rios, onde a ameba costuma se depositar.

— Além disso, não mergulhar em rios e lagos no geral seria uma forma de se proteger, mas é algo difícil. Então o que podemos fazer é alertar as pessoas leigas sobre a existência da ameba. E, se é um local onde se sabe que tem o microrganismo, saber que é um perigo fazer uso da água — complementou a parasitologista.