PRESIDENTE INTERNADO

Trepanação: técnica usada em Lula é a cirurgia cerebral mais antiga; veja a história do procedimento

No decorrer dos séculos, perfuração do crânio foi relatada com finalidades que vão desde tratamentos até razões místicas e espirituais

Lula assiste a lançamento de programa para a indústria no Palácio do Planalto - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na madrugada dessa terça-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi submetido a uma cirurgia no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, devido a uma hemorragia (sangramento) intracraniana decorrente da queda que sofreu em outubro.

De acordo com os médicos, ele está bem e deve permanecer mais dois dias na UTI e cerca de uma semana internado.

A técnica utilizada pelos médicos para drenar o sangramento de Lula foi a trepanação.

— É uma perfuração no crânio realizada para que neurocirurgiões possam tratar patologias intracranianas específicas, como sangramentos já em fase liquefeita e várias outras condições. Alguns casos podem ser tratados apenas através desse orifício, enquanto outros exigem aberturas maiores do crânio, as chamadas craniotomias — explica o neurocirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein, André Gentil.

Hoje, para realizar a perfuração, Gentil explica que são utilizados instrumentos como brocas de alta rotação projetados especificamente para esta finalidade, com mecanismos de segurança como parada automática. No entanto, a trepanação tem um histórico antigo que envolvia métodos rústicos e finalidades que iam desde tratamentos até razões místicas.

Na realidade, a trepanação, que vem do do grego trupanon, que significa "broca", é a intervenção cirúrgica cerebral mais antiga de que se tem registro. Os primeiros relatos são do período neolítico, uma fase da pré-História que durou entre 7.000 a.C. e 2.000 a.C.. Há casos da prática por diversas culturas antigas, incluindo egípcios, chineses, indianos, romanos, gregos e civilizações mesoamericanas primitivas.

Mas por que tantas culturas em diferentes épocas faziam perfurações no crânio sem o conhecimento da medicina que existe hoje? Segundo um artigo publicado no MIT Press Reader, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é difícil reconstruir as motivações exatas, mas há pistas que ajudam a entender a História e as razões em cada lugar.

O texto diz que do Renascimento até o início do século XIX, a trepanação era utilizada de forma ampla para tratar ferimentos na cabeça, mas também para outras condições, como epilepsia e doenças mentais. Em relação à epilepsia, textos do século XVIII recomendavam abrir os crânios para que “os humores e o ar pudessem sair e evaporar”, diz o artigo.

Já sobre doenças mentais, a obra “Practica Chirurgiae”, datada de 1170, também abordava um ar místico ao dizer que “para mania ou melancolia, uma incisão em forma de cruz é feita no topo da cabeça e o crânio é penetrado, para permitir que o material nocivo exale para o exterior”.

Em um artigo publicado no site The Conversation, Adam Taylor, diretor do Centro de Aprendizagem de Anatomia Clínica da Universidade de Lancaster, na Inglaterra, conta ainda que acreditava-se nos tempos antigos que o procedimento “poderia liberar demônios do crânio”.

Um estudo, publicado no International Journal of Osteoarchaeology, analisou a prática em populações húngaras que realizavam a trepanação com um aspecto ritualístico entre os séculos IX a XI d.C. e identificou que a motivação naquela sociedade podia ser atribuída a diferentes objetivos como:

“Razões mágicas/religiosas, como libertar as pessoas de demônios que poderiam estar torturando-as”;

“Iniciações como uma forma de dar o direito de passagem para a vida adulta ou para transformar alguém em um guerreiro”;

“Razões terapêuticas para tratar tumores, convulsões, epilepsia, enxaqueca, perda de consciência e mudanças de comportamento” e

“Tratamento de traumatismos como fraturas de crânio”.

Porém, na Grécia Antiga, durante a época de Hipócrates, que é considerado o "Pai da Medicina" e viveu entre aproximadamente 460 a.C. e 370 a.C., trepanação já era usada para algo mais semelhante às finalidades de tratamento de hoje.

Segundo o artigo do MIT, a perfuração tinha como objetivo permitir que o sangue estagnado fluísse para fora do cérebro. Ainda não havia o entendimento de hoje sobre como esse sangramento causa a pressão intracraniana, que é danosa para o órgão, porém acreditava-se que ele poderia formar pus dentro do cérebro.

Um pouco mais tarde, no período de Cláudio Galeno, médico e filósofo romano que viveu entre aproximadamente 129 a.C. e 199 a.C., a trepanação já era amplamente utilizada no tratamento de fraturas no crânio, tanto para aliviar a pressão quanto para remover fragmentos ósseos que ameaçassem a meninge dura-máter, conta o artigo do MIT.