Cinema

"Queer" estreia nesta quinta (12) nos cinemas, explorando um retrato sensível de amor

Estrelado por Daniel Craig, novo filme do diretor italiano Luca Guadagnino explora os tipos de conexão dentro de uma relação

Divulgação

2024 foi um ano e tanto para o italiano Luca Guadagnino. Após o memorável “Rivais”, lançado em abril, o diretor retorna às telas nesta quinta (12) com o longa “Queer”. Sensual, onírico e intimista, o filme vem como prova da versatilidade de Luca dentro de sua cinematografia.

Adaptação de obra homônima, “Queer” não toma o caminho esperado para aqueles que apegaram-se à sua premissa. Entre os trabalhos do diretor, menos se assemelha com o longa de 2017, “Me Chame Pelo Seu Nome”, e se aproxima com mais afinco aos territórios explorados por “Suspiria” (2018) e “Até os Ossos” (2022).

A trama acompanha William Lee, personagem abraçado por Daniel Craig (007: Sem Tempo Para Morrer) numa interpretação que ressoa para fora das telas, um expatriado americano que vive em sintonia boêmia nas ruas de um México pós Segunda Guerra.

Entre bares e festas, William busca por parceiros. Até que conhece Eugene Allerton,vivido por Drew Starkey (Outer Banks), que quase de maneira obsessiva torna-se seu maior interesse.

A partir daí, acompanhamos uma narrativa que retrata a solidão, a busca por conexões, a experiência queer dentro das dinâmicas sociais do período e o amor, neste caso, desconectado, por meio de um lirismo sensível característico do diretor.

Corpo e Alma
Desde o início, com uma ambientação cenográfica que costura os personagens na narrativa, “Queer” abraça sua proposta de explorar o amor dessintonizado. Por um lado, o personagem de Craig anseia por uma solução para sua solidão inerente. Busca pelo íntimo no casual de suas relações com homens mais novos que encontra em bares.

Do outro, Eugene é curioso, novo nesse ambiente de reunião dos homens que compõem o círculo de Lee. Guadagnino delineou bem as diferentes nuances dentro do encontro destes personagens, os diferentes planos de conexão.

O carnal, facilmente atingido e explorado pelos dois; e o desejo pelo íntimo, expressado por Lee desde o primeiro olhar que pousou em Allerton, mas que inicialmente não parece ser do interesse do mais novo. Fora de sintonia, começam a se relacionar numa coreografia descompassada.

O abrir de portas
Após alguns encontros, William e Eugene seguem viagem para o Equador em busca do Ayahuasca, procurada pelos protagonista como uma ponte que o encaminharia para uma conexão mais íntima com seu interesse amoroso.

"Quero me comunicar sem que se diga nenhuma palavra", expressa em meio a um de seus delírios induzidos por substâncias, mas sem que se omita nenhuma verdade. Lee busca por meios de ultrapassar essa barreira externa da indiferença de Allerton, de atingir um nível telepático de proximidade.

Com a brilhante performance de Daniel Craig, que realmente se destaca sem surpresas como a potência do longa, observa-se como quase que uma necessidade essa busca que traçam na América do Sul.

Conhecem então Dr.Cotter, interpretada por Lesley Manville (Sra. Harris Vai a Paris), personagem com um papel de guia para suas experiência ao consumir a infusão de ervas. Além disso, estabelece uma certa tensão para o momento do ritual: o Ayahuasca não é uma resposta para esta conexão que Lee almeja.

Esta infusão abrirá caminhos dentro de cada personagem, quase como um espelho interior. Numa construção de cena crescente, experienciam juntos o ritual de consumo do Yagé, dando resultado a cena mais sensível e interessante de todo o longa.

O onírico é muito presente, a simbologia é importante para Luca na construção do subconsciente do casal. A troca entre Craig e Drew, a vulnerabilidade da coreografia que performaram, explorando os corpos do outro ao mesmo tempo que adentram um processo de entendimento de suas próprias almas, demonstra com vigor a química transbordante de suas atuações.

Parecem estar em sintonia pela primeira vez, cruamente em sintonia.

Com um desfecho que amarra toda a proposta de leitura surrealista que o diretor traçou ao longo do filme, "Queer" também não deixa de delinear o entendimento da sexualidade presente. William Lee é um pseudônimo do escritor William S. Burroughs, abertamente bissexual e incorporado na essência da construção do protagonista.

Na trama, Lee é um homem mais velho que explora sua posição como homem gay dentro daquele contexto histórico Pós-Guerra. Até mesmo o termo "Queer", que surge com um teor perjorativo e acusatório e é apropriado pela comunidade como um termo coletivo, é usado com frequência no roteiro como um elo de identificação.

"Queer" é uma jornada surrealista e ao mesmo tempo íntima, que garante um questionamento constante acerca do descarnamento de nossas emoções. Mais uma vez destaco o alcance da linguagem de Luca, que mesmo ao oferecer obras tão distintas num mesmo ano, mantém sua assinatura clara de sensibilidade.