ORIENTE MÉDIO

Governo provisório da Síria promete 'garantir' liberdade religiosa e defende a paz

Novo primeiro-ministro, que comandará a transição até 1º de março

Mohammad al-Bashir - Stringer/Sana/AFP

O novo primeiro-ministro transitório da Síria prometeu nesta quarta-feira que a coalizão liderada pelos rebeldes que depôs o presidente Bashar al-Assad “garantiria” os direitos de todos os grupos religiosos que habitam o país e apelou para que a população volte para casa, afirmando que um dos seus primeiros objetivos como chefe do governo provisório é “recuperar os milhões de refugiados sírios que estão no exterior”.

Em uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, publicada nesta quarta-feira, Mohammad al-Bashir admitiu “o comportamento errado de alguns grupos islâmicos” que levou “o significado do Islã [...] a ser distorcido”, mas disse que fará diferente:

“Justamente por sermos islâmicos, garantiremos os direitos de toda a população e de todas as religiões na Síria”, afirmou al-Bashir, que lidera um governo de transição até 1º de março.

A aliança rebelde que pôs fim ao meio século de poder do clã al-Assad na Síria no domingo é liderada pelo grupo islâmico radical Hayat Tahrir al Sham (HTS), um antigo ramo sírio da al-Qaeda. O movimento afirma ter rompido com o jihadismo, mas permanece na lista de “terroristas” de vários países ocidentais, incluindo os Estados Unidos.

Na entrevista, Bashir conclamou os sírios no exterior — cerca de seis milhões, ou um quarto da população, que fugiram desde 2011 — a retornarem para “reconstruir” e “florescer” o país, onde sunitas, alauítas, cristãos e curdos coabitam de forma desconfortável.

"Seu capital humano e sua experiência permitirão ao país florescer", afirmou. “Meu chamado é para todos os sírios no exterior.”

A Síria, devastada por 13 anos de guerra civil que ceifou mais de meio milhão de vidas, “é agora um país livre que conquistou seu orgulho e dignidade”, acrescentou.

“Voltem”, insistiu ele, depois que vários países, como Alemanha, Áustria ou Reino Unido, decidiram suspender os processos de solicitação de asilo para cidadãos sírios.

O país “não vai acabar em outra” guerra, afirmou no dia anterior Abu Mohammed al-Jawlani, chefe do HTS, que liderou a ofensiva rebelde lançada em 27 de novembro.

“Os governos estrangeiros não devem se preocupar com a situação na Síria”, afirmou al-Jawlani. “As pessoas estão exaustas da guerra e, portanto, o país não está preparado para entrar em outra guerra. O medo era do regime de al-Assad, que agora caiu. O país está caminhando para o desenvolvimento, a reconstrução e a estabilidade. Nossos temores se originaram das milícias iranianas, do Hezbollah e do regime que cometeu os massacres que vemos hoje.”

Novo normal
Na capital, Damasco, onde tremula a bandeira da revolução verde, branca e preta, a vida cotidiana está tomando forma. Rania Diab, uma médica de 64 anos, diz que espera que “possamos viver normalmente em nosso país, que nossas liberdades sejam preservadas”. Mas para muitos sírios, a prioridade agora é procurar amigos e familiares que desapareceram durante décadas de atroz repressão governamental.

Nabil Hariri, natural de Daraa, no sul do país, observa imagens de cadáveres no necrotério de um hospital na capital. Ele está procurando por seu irmão, preso em 2014 quando tinha apenas 13 anos de idade.

— Quando você está no fundo do poço, você se agarra a qualquer coisa — diz o homem de 39 anos. — Você procura em qualquer lugar, você pergunta.

Desde 2011, mais de 100 mil pessoas morreram nas prisões sírias, estimou o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) em 2022.

Vários países e a ONU disseram que reconheciam as mensagens enviadas pelo novo governo, mas alertaram que esperam que elas sejam traduzidas em ações. Já os EUA disseram que “reconhecerão e apoiarão totalmente um futuro governo sírio que surja de um processo [político] inclusivo”. A UE reconheceu os “enormes desafios” do país e disse que esperava que a Síria não repetisse o que aconteceu no Iraque, na Líbia ou no Afeganistão.

A Rússia, até agora aliada do poder derrubado, quer ver a situação na Síria estabilizada “o mais rápido possível” e disse que está “em contato” com as novas autoridades, especialmente em relação às bases militares russas no país.

Mausoléu incendiado
O túmulo de Hafez al-Assad, pai de Bashar al-Assad, foi incendiado em sua cidade natal, Qardaha, no coração da comunidade alauíta do clã, em Latakia, no noroeste do país, de acordo com imagens de vídeo obtidas nesta quarta-feira pela AFP, mostrando combatentes rebeldes e jovens assistindo ao incêndio.

O OSDH disse que os rebeldes incendiaram o mausoléu e as imagens mostram partes do monumento em chamas. No local, os especialistas alertam sobre as rivalidades e o conflito aberto entre as diferentes facções.

No nordeste da Síria, onde os combates entre as forças pró-curdas e pró-turcas causaram mais de 200 mortes em três dias, de acordo com o OSDH, o chefe das tropas curdas anunciou uma trégua em Manbij, “com a mediação dos EUA”.

— Nosso objetivo é alcançar um cessar-fogo em toda a Síria para iniciar um processo político para o futuro do país — afirmou Mazlum Abdi, comandante das Forças Democráticas Sírias (SDF), dominadas pelos curdos e apoiadas por Washington.

Por sua vez, Israel está determinado a não permitir que “nenhuma força hostil se estabeleça em sua fronteira” com a Síria, de acordo com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Nas últimas 48 horas, o exército israelense realizou centenas de bombardeios contra posições militares no país vizinho e enviou tropas para perto da zona desmilitarizada na borda das Colinas de Golã sírias ocupadas por Israel.