Sertanejos tomam a TV em um Natal de porteira aberta
Da ficção de 'Rensga Hits!' ao bate-papo numa fazenda comandado pelo cantor Daniel, passando pelos números musicais de 'Amigas', o popular gênero agita a programação de fim de ano da Globo
Encabeçado normalmente pelo especial de Natal de Roberto Carlos (que, este ano, vai ao ar no dia 20), o fim de ano da Globo ganhou em 2024 nada menos do que três atrações representativas do universo sertanejo. Desde a terça-feira, a TV exibe a segunda temporada de “ Rensga Hits!”, série original Globoplay, que alterna romance e comédia no ambiente dos cantores e compositores de grandes sucessos do gênero, em Goiânia.
No ar depois de “Mania de você”, de terça a quinta-feira, “Rensga” abre a porteira para duas estreias: a do “Viver sertanejo” apresentado pelo cantor Daniel (este domingo, pela manhã) e a de “Amigas”, especial com as rainhas do feminejo Ana Castela, Lauana Prado, Maiara & Maraisa e Simone Mendes (na noite de terça da próxima semana).
Exibida pela Globoplay desde outubro, “Rensga Hits!” amplia sua audiência na TV aberta com as novas aventuras das cantoras Raíssa ( Alice Wegmann) e Gláucia ( Lorena Comparato), que, depois de descobrirem serem filhas do mesmo pai (o empresário Guarariba, interpretado por Ernani Moraes), se veem obrigadas a cuidar dele após um acidente que provocou uma grave perda de memória. Enquanto isso, as empresárias das duas, Helena ( Fabiana Karla) e Marlene ( Deborah Secco), resolvem que o melhor para a carreira delas é que deixem as rivalidades de lado e formem uma dupla.
— Lembro, na primeira temporada, do primeiro dia em que saí para a rua. Tinha criança de 8 anos cantando “Desatola, bandida” (canção que, na série, fez a fama de Raíssa) e senhora de 86 falando da série. Foi muito fácil para o “Rensga” chegar ao coração das pessoas — festeja Alice Wegmann.
Carioca, Alice acredita haver “um elitismo cultural que impede as pessoas, principalmente as do Rio, de se aproximarem do universo sertanejo”.
— Acho que Marília Mendonça talvez tenha sido uma das primeiras a quebrar um pouco a barreira para essa geração mais nova — diz. — E a gente foi ganhando força com isso. O “Rensga” tem uma história fácil de se identificar. Até quem não gosta de sertanejo gosta da série. E aí a gente quebra mais uma barreira, porque as pessoas começam a olhar mais não só para essas pessoas, mas para essa região do Brasil pouquíssimo representada na TV.
Intérprete de Gláucia, Lorena Comparato observa:
— É um reparo histórico o que o “Rensga” está fazendo, de muitos e muitos anos de novelas e séries com a maioria dos atores sudestinos, sem ter um afeto, um cuidado com os milhares de sotaques e culturas que a gente tem pelo Brasil, com esses estados distintos e muito plurais.
Para a atriz, nascida em Portugal (filha do roteirista Doc Comparato), a tensão entre as irmãs cantoras garante a voltagem da segunda temporada de “Rensga”.
— Raíssa é essa personagem que transborda arte. Já Gláucia sonha com a fama, é muito vaidosa, e aí fica nessa dúvida de que tipo de artista é. Ela é uma personagem carregada. É unha, é cabelo, é maquiagem, é roupa... Mas não importa quanta tinta tiver em cima dela. Se tiver verdade, ela existe — diz. — O que eu mais amava era conversar com alguém da caracterização ou do figurino e eles me dizerem que foram fazer um estudo em Goiânia e lá estava cheio de Gláucias (risos).
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Assim como o sertanejo, que se reinventa o tempo todo — de Zezé Di Camargo & Luciano a Luan Santana — e permanece como o gênero mais ouvido no Brasil, Alice Wegmann acredita que “Renga Hits!” tem capacidade de emplacar pelo menos “umas 20 temporadas”:
— Ali tem espaço para os personagens evoluírem e se transformarem. A gente pega ali um sertanejo que vai um pouco mais para o piseiro ou para o forró, um sertanejo que vai um pouco mais para o funk... Tudo é possível nesse universo. Vai que um dia a gente faz um vídeo com a Anitta, né?
‘O Daniel de verdade’
Um dos maiores astros do sertanejo, Daniel, de 56 anos, chega aos 40 de carreira estreando na Globo como apresentador. Este domingo de manhã, às 9h25, vai ao ar o primeiro episódio de “Viver sertanejo”. O convite da TV veio ao encontro de uma decisão do cantor de passar mais tempo em casa, na sua fazenda em Brotas, no interior de São Paulo (ao lado da família e, em especial, do seu mais novo xodó, a filha Olívia, de 2 anos).
“Viver sertanejo” é, em suas palavras, um programa com “o Daniel de verdade”, recebendo amigos em casa, para bater papo e falar da história de cada um, da “história da música sertaneja em geral”, e coroando tudo isso com música, “batendo uma viola e cantando uma moda”.
— Era um convite para fazer aquilo a que estava acostumado. Passar um cafezinho, preparar uma comidinha, dar uma pescadinha, andar a cavalo... enfim, aquilo que vivo no meu dia a dia — conta Daniel. — Então, pude fazer as duas coisas ao mesmo tempo, que é estar perto da família e, entre aspas, trabalhar. Porque, para mim, aquilo não é um trabalho, é mais uma satisfação e um orgulho, o de ver a música sertaneja chegar onde chegou e se dar conta, de repente, de que a gente é um grãozinho nessa história.
A alegria de “ver o mais jovem que admira o mais velho” move parte do programa de Daniel, em encontros como os das Marcianas com Lauana Prado, de Lourenço e Lourival com César Menotti & Fabiano, de Gian & Giovani com Edson & Hudson, do Trio Parada Dura com Rick & Renner, de Paula Fernandes com Ana Castela...
Para Daniel, num Brasil que se urbaniza a passos largos, é preciso “mostrar quais são as nossas origens, as nossas raízes”, principalmente para aquelas pessoas que não têm acesso ao campo. É a razão do “Viver sertanejo”.
— Tem criança que vem visitar a gente e que nunca chegou perto de uma galinha, nunca colheu um ovo na hora, nunca tirou um leite... a gente quer que as pessoas se sintam incluídas na nossa conversa — argumenta ele, orgulhoso de ser um continuador de programas de TV como o “Som Brasil” com Rolando Boldrin e o “Viola, minha viola” com Inezita Barroso. — Não tem como não me remeter a eles, é a mesma essência.
Elas têm poder
Já terça-feira à noite é a vez de “Amigas”, especial gravado no fim do mês passado, no Rio, com um dream team do feminejo: Ana Castela, Lauana Prado, Maiara & Maraisa e Simone Mendes. A referência mais do que óbvia é “Amigos”, série de especiais musicais da Globo com as duplas sertanejas Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano e Leandro & Leonardo, produzidos com muito sucesso entre 1995 e 1998 (ano da morte de Leandro) e depois em 2019 e 2023. Diretor geral de “Amigas”, Celso Bernini trata de explicar o paralelo entre esses dois programas feitos com quase 30 anos de distância.
— São épocas diferentes. No “Amigos”, a população ainda estava carente de um encontro daqueles, aqui a gente vem para carimbar o sertanejo como o gênero mais ouvido do Brasil — diz. — Essas cantoras são amigas genuínas, mostramos que elas se curtem pra caramba. E aproveitamos para falar dessas mulheres poderosas que fazem crescer o sertanejo e a música brasileira, num tempo em que a música sertaneja não é mais simplesmente do campo.
Em resposta conjunta, por e-mail, Maiara & Maraisa contam que, antes mesmo da amizade entre as cantoras, “nasceu o respeito pela luta de cada uma”.
— Escolhemos um gênero musical comandado por homens e furamos juntas uma bolha. Juntas, validamos e consolidamos um caminho que foi desbravado por outras grandes mulheres — contam elas, para quem nos dias atuais, mesmo depois de tanta batalha, a coisa não tem sido mais fácil. — No entanto, vemos que (a forte presença das mulheres no sertanejo) é um caminho sem volta. Hoje, elas têm, sim, o seu espaço e, além disso, vemos surgir cada dia mais mulheres talentosas neste cenário, o que nos faz ter a certeza de que agora é para valer.
Com apresentação de Rafa Kalimann, “Amigas” se concentra nos grandes sucessos das estrelas que escancararam as portas do sertanejo para as mulheres, lá se vai uma década — casos de Maiara & Maraisa e de Simone & Simaria, de onde veio Simone Mendes, cantora de “Erro gostoso”, uma das músicas mais ouvidas no Brasil em 2023. Elas são a geração inicial que frutificou e se diversificou com Lauana Prado, e que chegou aos dias de hoje, dançante e romântica, com a novidade de Ana Castela.
Mas “Amigas” não esquece dos velhos “Amigos” (Simone e Ana cantam, por exemplo, “É o amor”, de Zezé di Camargo & Luciano), ou das mulheres que abriram caminho para elas (Roberta Miranda, As Galvão, Paula Fernandes, homenageadas em canções). E, é claro, está lá também Marília Mendonça, o maior nome da onda do feminejo surgida há uma década (e até hoje, uma das vozes mais ouvidas no Brasil), de quem elas interpretam “Supera”, num dos momentos mais emocionantes do especial.
— Energeticamente, Marília estava presente no “Amigas” — garante Celso Bernini, destacando que um dos pontos fortes do programa está em seu palco, em 360 graus, em formato de lua. — Será uma noite iluminada.