Venezuela divulga imagens de principal presa política do país horas antes de libertar manifestantes
Renomada acadêmica e defensora dos direitos humanos, Rocío San Miguel permanece detida sob acusações vagas de espionagem, conspiração e traição
Pela primeira vez desde sua prisão, em fevereiro, as autoridades da Venezuela divulgaram na terça-feira fotografias da ativista e defensora dos direitos humanos Rocío San Miguel, diretora da ONG Control Ciudadano. A renomada acadêmica permanece detida sob acusações vagas de espionagem, conspiração e traição.
A divulgação foi feita enquanto pelo menos 18 pessoas presas durante a crise pós-eleitoral no país foram soltas — e horas antes de outro membro da oposição ser preso.
Em um dos registros, ela aparece visivelmente abatida, segurando um papel com a data e a hora da foto. Presa na penitenciária de El Helicoide, San Miguel, de ascendência espanhola, foi submetida a uma tomografia computadorizada antes de passar por uma cirurgia para tratar uma fratura no ombro direito.
Juan González, advogado de defesa, informou que a lesão no ombro dela ocorreu há cerca de quatro meses, após uma queda causada por uma “labirintite que não foi tratada adequadamente”.
— Se a fratura foi diagnosticada quatro meses depois do ocorrido, que garantias nós temos de que ela receberá um atendimento médico de qualidade, incluindo tratamentos pós-operatórios e reabilitação? — questionou o advogado de San Miguel.
Até então, havia total desconhecimento sobre as condições de detenção e o estado físico da acadêmica. Autoridades e organizações de direitos humanos pediram sua libertação, alegando a inocência da ativista. A embaixada da Espanha e o ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero (2004-2011) também tentaram intermediar sua libertação ou, pelo menos, garantir que ela tivesse condições dignas na prisão.
Nos últimos anos, Rocío San Miguel tornou-se uma analista respeitada, especializada em segurança e defesa nacional, com amplo conhecimento sobre a realidade militar do país. A opinião da especialista era frequentemente solicitada para avaliar a situação institucional e a evolução do pensamento militar na Venezuela durante os governos de Hugo Chávez (1999-2013) e de seu sucessor, Nicolás Maduro.
Detenções arbitrárias
San Miguel foi presa em 9 de fevereiro no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, quando se preparava para embarcar em um voo para Miami, acompanhada de sua filha. Dois dias depois, o procurador-geral Tarek William Saab a acusou de envolvimento na operação Brazalete Blanco, um suposto plano conspiratório denunciado pela alta cúpula chavista no início deste ano, cujos detalhes nunca foram totalmente esclarecidos.
A detenção de San Miguel causou grande choque na sociedade venezuelana e marcou o endurecimento de um processo repressivo que regulou o desenvolvimento da campanha eleitoral para as eleições de 27 de julho, tornando-se uma situação crônica desde então. Após sua prisão, as medidas judiciais e punitivas contra dezenas de ativistas civis e opositores políticos se intensificaram, atingindo especialmente pessoas próximas à líder opositora María Corina Machado, acusadas de participação em uma conspiração para derrubar Maduro.
Dirigente opositor
Na noite de terça-feira, Jesús Armas, que integrou a equipe de campanha da oposição nas eleições presidenciais de julho, foi abordado por homens encapuzados quando estava num restaurante na região de Las Mercedes, em Caracas, e forçado a entrar em um veículo sem placa.
Na manhã seguinte, seus parentes denunciaram à Promotoria o desaparecimento forçado do opositor, prática usada há anos pelos serviços de Inteligência chavistas para deter dissidentes. Nem o procurador-geral nem outras autoridades se pronunciaram sobre o caso até o momento.
— Não sabemos absolutamente nada sobre o paradeiro de Jesús, e por isso denunciamos que estamos diante de mais um desaparecimento forçado. Fazemos um apelo pela sua liberdade plena e imediata — disse Sairam Rivas, companheira do opositor e ativista de direitos humanos.
A prisão de Armas coincidiu com a libertação de 12 adolescentes e seis adultos detidos nas manifestações que eclodiram após a proclamação de Maduro para um terceiro mandato de seis anos, segundo a ONG Foro Penal, que defende os chamados “presos políticos”. Os protestos resultaram em 28 mortos, quase 200 feridos e mais de 2,4 mil detidos, incluindo adolescentes, acusados de “terrorismo” e levados para prisões de segurança máxima. As libertações fazem parte de um processo de revisão de casos iniciado em novembro por Saab.
O Foro Penal registrou, no início de dezembro, 1.905 presos políticos na Venezuela, a maioria detida após o pleito. Desses, pelo menos 23 estão desaparecidos. Segundo o último relatório da organização, esse é o maior número registrado durante o governo chavista, superando até mesmo regimes autoritários da região, como os de Cuba e Nicarágua. Além dos presos, outras 9 mil pessoas estão sujeitas a medidas de liberdade condicionada de forma arbitrária na Venezuela.
Padrão de repressão
A detenção de Armas gerou condenações internacionais. O Painel de Especialistas em Crimes contra a Humanidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciou o desaparecimento do opositor ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, que mantém uma investigação aberta contra a Venezuela por supostos crimes contra a Humanidade.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, também condenou a prisão e responsabilizou o governo de Maduro por sua vida.
Defensores dos direitos humanos denunciam há anos a existência de um padrão de repressão conhecido como “porta giratória”, que afirma que os presos políticos na Venezuela são usados pelo chavismo como uma moeda de troca em tempos de crise. Embora libertações em massa ocorram ocasionalmente no país, a perseguição e as detenções continuam. Alguns saem da prisão, enquanto outros entram.
Jesús Armas foi fundamental na campanha da oposição, nas quais María Corina Machado organizou uma rede cidadã para a defesa dos votos de Edmundo González Urrutia e, principalmente, dos registros de votação, que foram usados para denunciar o que classificam como fraude eleitoral. Nos últimos meses, Armas apoiou de perto e organizou protestos de mães de presos para exigir suas libertações antes do Natal.
Por anos, ele liderou o Monitor Ciudad, uma plataforma que avaliava o estado dos serviços públicos na capital, um ativismo que ele desenvolveu após atuar como vereador em Caracas. Atualmente, Armas era diretor da ONG Ciudadanía Sin Límites e lecionava na Escola de Estudos Políticos e Administrativos da Universidade Central da Venezuela. Seus alunos, que o aguardavam nas salas de aula na quarta-feira, colocaram um cartaz no quadro para protestar contra sua detenção.