Fernanda Montenegro celebra sucesso de ''Ainda Estou Aqui'': ''O filme atravessou nossa fronteira''
Em primeira entrevista sobre o drama, atriz fala sobre reencontro com Walter Salles e dividir personagem com a filha, Fernanda Torres
Pouco antes de "É preciso dar um jeito, meu amigo", na voz de Erasmo Carlos, embalar os créditos finais de ''Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, uma breve, silenciosa e impactante presença de Fernanda Montenegro fecha a trama de Eunice Paiva (personagem que divide com a filha, Fernanda Torres) com chave de ouro.
Em sua primeira entrevista sobre o filme que marca o reencontro com Walter Salles após o trabalho em "Central do Brasil", Fernanda, aos 95 anos, fala sobre a nova parceria, sobre o sucesso do longa nos cinemas brasileiro, onde já foi visto por 2,7 milhões de espectadores, sobre o trabalho da filha e sobre os próximos projetos.
Indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro de melhor atriz, em 1999, Fernanda comemorou, nos últimos dias, a indicação da filha ao Globo de Ouro. "Nanda, você tem um trabalho extraordinário, tem que ser reconhecido! Fico muito comovida pela sua indicação, minha filha", comentou a mãe em post no Instagram.
Em pouco tempo em tela, a senhora consegue retratar o vazio no rosto causado pelo Alzheimer e o preenchimento da memória. Pode falar um pouco sobre o trabalho em "Ainda Estou Aqui"?
Walter pontuou o filme com o rosto da Eunice já sublimado. Esse rosto já tendo cumprido a sua luta. O seu heroísmo. O vazio pode ser um descanso.
26 anos após “Central do Brasil”, como foi reencontrar Walter em um set de filmagens? E dessa vez dividindo uma personagem com sua filha?
É o “Eterno Retorno”. É renascer. Já aconteceram muitos encontros entre Nanda e eu. Encontros cênicos, cinematográficos e televisivos. É também um renascer voltar a trabalhar com Walter.
Por que é importante resgatar a história da família Paiva nos dias de hoje?
Acho que, na concepção do Walter, “Ainda Estou Aqui” é um filme existencial — na plenitude do existencial. No momento atual, com a inquietação assustadora de uma política de direita tão violentamente radicalizada em nosso País, o filme se tornou politicamente, gloriosamente, um grito de alerta. As plateias entendem esse contexto trágico do filme. As plateias de “Ainda Estou Aqui” estão lotadas.
Hoje, Fernanda vive um momento parecido com o que a senhora viveu após o lançamento de “Central do Brasil”, participando de uma grande campanha nessa temporada de premiações. O que a senhora lembra desse período e como tem visto sua filha passar pelo mesmo? E como vê a expectativa dos brasileiros para indicações para o filme?
Há 25 anos, no que concerne ao sistema amplo da indústria do cinema americano, tudo era muito mais poderoso, glorioso e asfixiante. Hoje, lá, tudo está um pouco mais aberto. A Nanda oferece uma atuação extraordinária. Com ou sem Oscar, o filme já atravessou nossa fronteira. O filme acontece no Mundo.
Recentemente, a senhora filmou com seu filho (o diretor Cláudio Torres) a comédia “Velhos bandidos”. Como é para senhora trabalhar em família?
Para nós é muito natural trabalhar em família. “Velhos Bandidos”, direção do Claudio, é uma comédia deliciosa. Comédia. Juntos, no elenco, temos Ary Fontoura, Vladimir Brichta, Bruna Marquezine, Lázaro Ramos e eu. Gloriosamente, em ação no filme, ainda temos Vera Fischer, Teca Pereira, Tony Tornado, Reginaldo Faria e Hamilton Vaz Pereira. Em março, também estreia o filme “Vitória”, direção de Andrucha Waddington, meu genro. Com Andrucha, na direção, já fiz três filmes. Destaco a alegria de ter protagonizado com a Nanda, o extraordinário “Casa de areia”, consagrado internacionalmente.
Após a pandemia, os teatros recuperaram seu público, como seu monólogo de Simone de Beauvoir provou. O cinema demorou um pouco mais, mas agora parece estar reencontrando os espectadores. “Ainda estou aqui” já vendeu mais de 2 milhões de ingressos. Como tem vê este momento?
Estamos dentro da era eletrônica, o botão está praticamente resolvendo tudo. Mas o ser humano precisa do ser humano. E é por isso que as plateias do Brasil estão lotadas. A comunhão humana é fundamental. O outro, em carne viva, é fundamental.
Aos 95 anos, a senhora tem um filme em cartaz e dois para estrear (“Vitória” e “Velhos bandidos”). Além do trabalho no teatro. Tem previsão de retornar aos palcos? Como é se manter tão ativa?
Sigo lendo, pelo Brasil, textos referenciais de Nelson Rodrigues e Simone de Beauvoir. E, graças a Deus e aos Deuses, para plateias sempre lotadas. Tanto Nelson Rodrigues como Simone de Beauvoir. Lembro as 15 mil pessoas no Ibirapuera ouvindo Simone (apresentação em 19 de agosto deste ano).
Esse meu ofício só existe com a presença do outro ser humano. E esse ser humano também necessita da minha presença. Esse jogo cênico, o teatro, existe desde quando o homem se levantou das quatro patas. Nada mais representativo do ser humano do que o Teatro.