OPINIÃO

Pancetti: O mar quando quebra na praia...

Em 1941 José Pancetti recebeu o cobiçado Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.  Foi o reconhecimento da comunidade artística nacional da obra de um artista pobre e imigrante, acontecendo no ano no qual ocorria pela primeira vez a chamada Divisão Moderna do Salão, um marco na expansão do modernismo no Brasil.

Pancetti foi um pintor original, cujo temperamento solitário e formação quase autodidata favoreceram o nascimento de uma obra singular, repleta de lirismo, melancolia e poesia - uma obra que emociona. Emoção que poderá ser sentida pela primeira vez pelo público pernambucano na exposição Pancetti – o mar quando quebra na praia, já ocupando o Instituto Ricardo Brennand e que ali fica até 16 de março.

Embora tenha realizado importantes exposições individuais no Brasil e no exterior, Pancetti nunca apresentou uma mostra individual no Recife.

Giuseppe Gianinni Pancetti nasceu em Campinas em 1902. Enviado para a Itália em 1913, entrou para a Marinha Mercante Italiana aos 16 anos. Voltou para o Brasil, em 1921, e, no ano seguinte, foi admitido como grumete da Marinha Brasileira. Ficou na ativa até 1946 e, alcançou, já reformado, o posto de 1º Tenente. Seu talento logo foi descoberto e, em 1929, como “moço das tintas” fez um curso especializado.

Em 1933 foi enviado para o Quartel do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro,  o que lhe deu a oportunidade de estudar no Núcleo Bernardelli. Lá conheceu o polonês Lechowski, absorvendo dele a organização geométrica, a sutileza do traço e a austeridade da cor. Passou então a participar, com regularidade, do Salão Nacional de Belas Artes, integrando-se assim ao restrito circuito artístico da época.

A exposição Pancetti – o mar quando quebra na praia revela a poesia e a delicada sobriedade do artista. Sem se estruturar em períodos cronológicos, reitera as questões subjacentes à sua obra: o ritmo do silêncio, o encanto do cotidiano, a emoção da cor e um lirismo agudo – quase dolorido. Elas permeiam toda a sua produção, realizada nos formatos clássicos: paisagem, retrato e natureza-morta, mas que se revestem de acentos particulares e inesperados.

Nos autorretratos, Pancetti investe-se de distintas personalidades, enquanto que os retratos são românticos, emocionais e líricos, especialmente quando pinta crianças ou sua família. 

As paisagens evidenciam o quanto ele captava as sutilezas de luz de cada local e as particularidades das cenas urbanas. Suas naturezas-mortas integram frutas, objetos e flores, em cortes quase fotográficos, revelando ângulos surpreendentes de elementos banais do cotidiano.

As marinhas são a faceta mais conhecida do artista, e na exposição, estão presentes exemplos de seus primeiros trabalhos, o intenso cromatismo do período baiano e obras nas quais a composição beira o abstrato.

O beijo entre o mar e a areia é o tema recorrente na obra de Pancetti, um encontro que também encantava seu amigo Dorival Caymmi, que cantava com sua voz profunda: o mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito...


* Curadora da exposição “Pancetti: O mar quando quebra na praia…”, que ocupa o InstitutoIRB. Ex-diretora dos museus da Casa Brasileira (Petrópolis), de Arte Moderna de São Paulo e de Arte do Rio de Janeiro.


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