FRANÇA

Ex-marido que dopou e recrutou estranhos para estuprar mulher pede que família aceite suas desculpas

Em última manifestação antes da sentença, principal acusado elogiou a 'coragem' da ex-companheira durante julgamento na França

Gisèle Pelicot saindo do tribunal em Avignon, França, na quarta-feira. Seu marido é acusado de drogá-la por anos e convidar estranhos para sua casa para estuprá-la - Miguel Medina/Agence France-Presse

Dominique Pelicot, o principal acusado de um mega julgamento por estupro na França, pediu à família que aceite suas "desculpas" e elogiou a "coragem" da ex-mulher, Gisèle, a quem drogou por uma década para que dezenas de estranhos recrutados online pudessem estuprá-la.

— Gostaria de começar por saudar a coragem da minha ex-mulher — declarou o réu no tribunal de Avignon, sul da França. — Lamento o que fiz, fazer sofrer (minha família) por quatro anos (quando os crimes foram revelados), peço perdão — disse ele, no último dia de suas declarações antes do veredicto, previsto para quinta-feira.

O Ministério Público da França pediu na segunda-feira (25) a pena máxima, 20 anos de prisão, para Dominique Pelicot por drogar, durante uma década, sua agora ex-mulher Gisèle.

 

— Vinte anos (...) é muito e muito pouco. Muito pouco levando em consideração a gravidade dos atos cometidos e repetidos — afirmou a promotora Laure Chabaud durante o julgamento em Avignon, sul da França.

O que está em jogo "não é uma condenação ou uma absolvição, mas uma mudança fundamental nas relações entre homens e mulheres", afirmou o promotor Jean-François Mayet no Palácio de Justiça de Avignon, no sul da França.

— Este julgamento está abalando nossa sociedade no que diz respeito às nossas relações com os outros e às relações mais íntimas entre os seres humanos — acrescentou o representante do Ministério Público ao iniciar suas alegações finais.

Após 11 semanas de julgamento, o pedido de penas coincidiu com o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.

"É mais um símbolo", afirmou Antoine Camus, um dos advogados da principal vítima, que desde o início do julgamento rejeitou que ele fosse realizado a portas fechadas "para que a vergonha mude de lado".

"A senhora estava certa. As últimas semanas demonstraram a importância dessas exibições [das imagens das violações diante do público e da imprensa presentes] para que a vergonha mude de lado", destacou o promotor.

Aos 71 anos, Gisèle se tornou um símbolo feminista. "Estou muito emocionada", disse nesta segunda-feira a mulher ao chegar ao julgamento, para o qual foram credenciados 138 veículos de imprensa, sendo 57 internacionais.

'Uma lição para o mundo'
O principal acusado é quem foi seu parceiro durante quase meio século e pai de seus três filhos. Este homem de 71 anos é acusado de drogá-la às escondidas, administrando medicamentos para fazê-la dormir, e violá-la junto com dezenas de desconhecidos entre 2011 e 2020.

Dominique Pelicot, que reconhece os fatos e se esforçou durante o julgamento para desmantelar as defesas dos outros acusados, enfrenta uma pena máxima de 20 anos de prisão. A promotoria iniciou suas alegações finais com o caso dele.

A maioria dos outros acusados, com idades entre 26 e 74 anos, também enfrenta penas de até 20 anos de prisão por estupro agravado, embora muitos tenham argumentado que pensavam estar participando de um jogo sexual de um casal "libertino".

Este julgamento de grande repercussão esteve muito presente nas manifestações realizadas no último fim de semana na França, onde milhares de pessoas denunciaram a violência contra as mulheres e exigiram o fortalecimento das leis para preveni-la.

"Infelizmente, muitos homens veem isso como um simples caso sórdido, mas nada além disso", lamentou Bernadette Teyssonnière, de 69 anos, que chegou cedo na manhã de segunda-feira ao Palácio de Justiça de Avignon para assistir ao julgamento.

Sua repercussão também é mundial. Diante do presidente francês Emmanuel Macron, a presidente da Câmara dos Deputados, Karol Cariola, elogiou na quinta-feira a "coragem e dignidade" de Gisèle, uma "cidadã comum" que deu "uma lição para o mundo".