Saúde

Por que vacinas infantis não 'sobrecarregam' o sistema imunológico, como diz Trump

Segundo eles, os imunizantes em excesso podem levar bebês a ter condições como autismo

Segundo especialistas, a ideia de que as vacinas de hoje estão sobrecarregando o sistema imunológico das crianças é fundamentalmente falha - Marcelo Camargo/Agência Brasil

É uma ideia tão popular quanto incorreta: os bebês americanos recebem muitas vacinas, o que sobrecarrega seus sistemas imunológicos e leva a condições como o autismo.

Essa teoria foi repetida com tanta frequência que se tornou popular, ecoada pelo presidente eleito Donald J. Trump e sua escolha para ser a principal autoridade de saúde do país, Robert F. Kennedy Jr.

“Quando você dá uma vacina que é, tipo, 38 vacinas diferentes e parece que foi para um cavalo e não para um bebê de 4,5 quilos”, disse Trump a Kennedy em uma ligação em julho. “E então você vê o bebê de repente começando a mudar radicalmente — eu já vi isso muitas vezes”.

No domingo, Trump voltou ao tema, dizendo que Kennedy investigaria se as vacinas infantis causam autismo, embora dezenas de estudos rigorosos já tenham explorado e rejeitado essa teoria.

“Acho que alguém tem que descobrir”, disse Trump no programa “Meet the Press” da NBC.

Segundo especialistas, a ideia de que as vacinas de hoje estão sobrecarregando o sistema imunológico das crianças é fundamentalmente falha. As vacinas de hoje são mais limpas e eficientes, e contêm muito menos estimulantes para o sistema imunológico — em ordens de magnitude — do que décadas atrás.

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“Além disso, as reações imunológicas produzidas pelas vacinas são "minúsculas" em comparação com aquelas que as crianças vivenciam diariamente”, afirmou Yvonne Maldonado, pediatra da Universidade de Stanford que aconselha os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) sobre vacinas.

As crianças abrigam trilhões de bactérias, mais do que o número de suas próprias células, e encontram patógenos em todos os lugares — de cuidadores e colegas de brincadeira; em cozinhas, banheiros e playgrounds; em brinquedos, toalhas e esponjas.

“É apenas o curso normal do crescimento, ter febres e desenvolver imunidade a todos os organismos que estão no ambiente ao seu redor. Somos feitos para suportar isso”, disse Maldonado.

O poder de uma vacina vem dos chamados antígenos que ela contém — pedaços de um patógeno, geralmente proteínas, que provocam uma reação imunológica no corpo.

Ao aprender a reconhecer antígenos de um patógeno perigoso, como sarampo ou poliomielite, o sistema imunológico fica preparado para combatê-lo caso seja exposto.

“Como o sistema imunológico dos bebês é mais “ingênuo” do que o de crianças mais velhas e adultos, seus corpos estão aprendendo todos os dias como se proteger contra ameaças externas”, disse uma porta-voz do CDC em uma declaração por e-mail.

“As vacinas ajudam a protegê-los antes que sejam expostos a uma ameaça de doença infecciosa, então, quando essa bactéria ou vírus aparece, a resposta imunológica da criança está preparada e pode responder de forma mais rápida e robusta”, disse o comunicado.

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Na maioria dos estados americanos, as crianças devem ser vacinadas contra cerca de uma dúzia de doenças, um cronograma que normalmente soma cerca de 17 doses, administradas antes de começarem o jardim de infância — algumas vacinas adicionais, incluindo para vírus sincicial respiratório, gripe e Covid, são recomendadas, mas não obrigatórias.

Cada uma das injeções contém cerca de 10 antígenos. As vacinas mais antigas tinham um impacto muito maior, com até 300 vezes mais.

Mais de um século atrás, as crianças eram vacinadas apenas contra a varíola, que antes matava cerca de uma em cada três pessoas infectadas. A varíola está entre os maiores vírus conhecidos por infectar pessoas, e a dose da vacina continha até 200 proteínas que poderiam fazer o corpo reagir.

Na década de 1940, uma vacina para coqueluche, ou tosse convulsiva, estava em amplo uso. A coqueluche é causada por bactérias — que são aproximadamente 10 vezes maiores que um vírus médio — e aquela vacina continha pelo menos 2.000 proteínas.

Na década de 1990, a varíola foi erradicada, e a bagunçada vacina contra coqueluche foi substituída por uma versão mais elegante contendo de duas a cinco proteínas por dose, dependendo da formulação. Muitas outras vacinas, incluindo a contra o sarampo, dependem de apenas um ou dois antígenos por dose.

Kennedy e outros alegaram que o timerosal, um conservante à base de mercúrio em algumas vacinas infantis, causa autismo. Eles apontaram em particular para a vacina combinada contra caxumba, sarampo e rubéola.

Mas essa vacina nunca continha timerosal. Mesmo quando o conservante apareceu em outras vacinas, quantidades vestigiais estavam presentes em níveis próximos aos encontrados em uma lata de atum.

Além disso, a forma de mercúrio no timerosal não é tóxica para pessoas em pequenas doses. Em todo caso, ele não é um ingrediente na maioria das vacinas infantis desde 2001.

“Uma pequena proporção de vacinas contra a gripe está em formulações multidoses que contêm timerosal, mas opções sem timerosal estão disponíveis”, disse a porta-voz do CDC.

As vacinas são exaustivamente testadas quanto à segurança e eficácia em animais e, então, em estudos progressivamente maiores com pessoas, às vezes ao longo de décadas — as vacinas da Covid foram uma exceção notável.

Kennedy e outros acusaram autoridades federais de saúde de parcialidade a favor das vacinas. Mas são dois painéis independentes de especialistas do FDA e do CDC que têm a tarefa de avaliar os dados e, então, recomendar se uma vacina deve ser aprovada — e, se sim, quem deve recebê-la e quando.

Quase todos os conselheiros do CDC são médicos em instituições líderes que oferecem voluntariamente seu tempo e conhecimento em pediatria, doenças infecciosas, imunologia e outras especialidades médicas. Um membro do painel fornece a perspectiva do consumidor sobre imunização.

Nas raras ocasiões em que os membros têm um conflito de interesses com o produto em análise, eles se recusam a participar das discussões.

O CDC quase sempre adota as recomendações do painel literalmente. Mas então os governos estaduais, não o CDC, definem os requisitos de vacinação para os residentes.

Algumas das vacinas já estão em uso há décadas, e as agências federais têm vários mecanismos para continuar monitorando a segurança. “Não vimos nenhum sinal de que nenhuma dessas vacinas seja perigosa para crianças, seja a curto ou longo prazo”, disse Maldonado.