Venezuela liberta mais de 500 pessoas detidas em protestos no país após contestada vitória de Maduro
ONG Foro Penal afirmou que, até o momento, só conseguiu confirmar a libertação de 328 detidos; mais de 100 adolescentes estavam entre os presos acusados de terrorismo
Autoridades venezuelanas anunciaram nesta segunda-feira que mais de 500 pessoas, das mais de 2,4 mil presas durante os protestos pós-eleitorais no país em julho, foram soltas. As manifestações começaram após o presidente Nicolás Maduro ser proclamado vencedor do pleito — apesar dos resultados divulgados pela oposição indicarem que o candidato opositor, o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, teria vencido por ampla margem. Pelo menos 28 pessoas morreram e quase 200 ficaram feridas nos confrontos à época.
Segundo a Procuradoria-Geral da Venezuela, 179 prisioneiros foram soltos entre 10 e 14 de dezembro, elevando o total de libertados para 533. A ONG de direitos humanos Foro Penal, no entanto, afirmou que estava verificando as informações e que, até o momento, só conseguiu confirmar a libertação de 328 detidos. Mais de 100 adolescentes estavam entre os presos acusados de terrorismo e foram levados para prisões de segurança máxima como parte de uma repressão que pôs fim aos protestos.
Familiares de alguns dos detidos afirmam que eles foram torturados enquanto estavam sob custódia. Em outubro, algumas mães tiveram contato com os menores pela primeira vez desde que eles foram detidos. Segundo denúncias, alguns foram encontrados espancados e magros, e outros tinham mamilos queimados e dentes faltando. Sete adolescentes, com idades entre 14 e 17 anos, foram acusados em audiências sem acesso à defesa particular. O governo os rotulou como terroristas e disse que eles foram contratados pela oposição.
Maduro ordenou a reforma de duas prisões no centro do país para encarcerar os jovens junto dos mais de 1,7 mil detentos mantidos desde as eleições de 28 de julho. As mães dos menores denunciaram um padrão repetido em diferentes lugares. Segundo elas, as autoridades coagiram os adolescentes a gravar vídeos com a versão do governo sobre a suposta conspiração — na prática, produzindo provas contra eles mesmos. Os parentes dizem que seus filhos foram forçados a dizer que receberam US$ 30 (R$ 163) por saírem para protestar nas ruas.
O Foro Penal registrou, no início de dezembro, 1.905 presos políticos na Venezuela, a maioria detida após o pleito. Desses, pelo menos 23 estão desaparecidos. Segundo o último relatório da ONG, esse é o maior número registrado durante o governo chavista, superando até mesmo regimes autoritários da região, como os de Cuba e Nicarágua. Além dos presos, outras 9 mil pessoas estão sujeitas a medidas de liberdade condicionada de forma arbitrária na Venezuela.
Defensores dos direitos humanos denunciam há anos a existência de um padrão de repressão conhecido como “porta giratória”, que afirma que os presos políticos na Venezuela são usados pelo chavismo como uma moeda de troca em tempos de crise. Embora libertações em massa ocorram ocasionalmente no país, a perseguição e as detenções continuam. Alguns saem da prisão, enquanto outros entram.
É o caso de Jesús Armas, que integrou a equipe de campanha da oposição nas eleições presidenciais de julho e foi detido após ser abordado por homens encapuzados quando estava num restaurante na capital, Caracas, na última terça-feira. Ele foi forçado a entrar em um veículo sem placa — e, na manhã seguinte, seus parentes denunciaram à Promotoria o desaparecimento do opositor, prática usada há anos pelos serviços de Inteligência chavistas para deter dissidentes. Nem o procurador-geral nem outras autoridades se pronunciaram.
A detenção de Armas gerou condenações internacionais. O Painel de Especialistas em Crimes contra a Humanidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciou o desaparecimento do opositor ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, que mantém uma investigação aberta contra a Venezuela por supostos crimes contra a Humanidade. O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, também condenou a prisão e responsabilizou o governo de Maduro por sua vida.
Armas foi fundamental na campanha da oposição, nas quais a líder opositora, María Corina Machado, organizou uma rede cidadã para a defesa dos votos de González Urrutia e, principalmente, dos registros de votação, que foram usados para denunciar o que classificam como fraude eleitoral. Nos últimos meses, Armas apoiou de perto e organizou protestos de mães de presos para exigir sua libertação antes do Natal.
Apenas alguns poucos países, incluindo a Rússia, principal aliada da Venezuela, reconheceram a reeleição de Maduro. Os Estados Unidos e o Parlamento Europeu reconheceram o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, como “presidente eleito”. O bloco do G7, que inclui Estados Unidos, Canadá, Itália, Alemanha, Reino Unido, Japão e França, declarou que considera González Urrutia o vencedor das eleições, mas não o reconhece como presidente eleito. (Com AFP e El País)