literatura

Álvaro Filho lança seu novo livro, "O mau selvagem", no Recife, nesta terça (17); confira entrevista

Tendo como inspiração os romances policiais, o autor traz à baila, nas entrelinhas da obra, a relação de imigrantes brasileiros em terras lusitanas, em grande parte dos casos, mediada pela xenofobia e racismo

Álvaro Filho - Rita Ansone/Divulgação

O escritor e jornalista pernambucano Álvaro Filho, morador de Lisboa (Portugal), está na terra natal para lançar seu mais recente livro, “O Mau Selvagem”, sétimo romance de sua carreira literária. 

O lançamento será nesta terça (17), às 18h, na Livraria do Jardim, no bairro da Boa Vista, região central do Recife.

“O Mau Selvagem” foi publicado simultaneamente no Brasil e em Portugal, pela editora Urutau. O lançamento português foi em outubro, no Festival Literário de Óbidos.

O livro
Nessa nova obra, Álvaro lança mão da ficção para abordar, em suas entrelinhas, a relação entre imigrantes brasileiros e, como ele mesmo diz, “(certos) portugueses”, especialmente com a recente guinada à direita empreendida pelo país lusitano, o que acabou por potencializar aspectos nada auspiciosos, como a xenofobia, racismo, entre outros.

O título entrega que há uma “releitura antagônica” da teoria de Jean Jacques Rosseau, sobre o mito do bom selvagem.

O livro conta a história de um brasileiro que passa a trabalhar em uma livraria em Lisboa e começa a ouvir, dos outros funcionários, relatos sobre o antigo livreiro – que é chamado por todos de “Mau Selvagem” –, uma figura enigmática, cujo paradeiro é desconhecido.

O jovem brasileiro, então, passa a investigar pistas sobre o antigo livreiro, que ele considera o personagem ideal para o livro que pretende escrever. Inspirado nos romances policiais, o brasileiro começa uma verdadeira caçada para encontrar o personagem.

É nessa saga, em busca do “mau selvagem”, que se revelam, no enredo, as problemáticas e tensões vividas por imigrantes na sua relação com o país lusitano, seja na questão da adaptação à terra estrangeira como com os próprios anfitriões, que nem sempre se revelam tão cordatos assim com quem vem de fora.

"O Mau Selvagem", de Álvaro Filho | Foto: Divulgação

Em entrevista à Folha de Pernambuco, Álvaro – que mora em Portugal desde 2016 – comenta sobre o processo de feitura de “O Mau Selvagem” e as questões que envolvem a relação dos imigrantes no e com o  país europeu

Confira, abaixo:

Em que medida, o quanto da tua vivência como um brasileiro em terras lusitanas serviu de matéria-prima para o que você traz no livro?

R - “O Mau Selvagem” é fruto de uma observação deste tempo que vivo como um estrangeiro, como o "outro" de alguém. Não uma observação detalhada, com os olhos de um sociólogo ou antropólogo, mas com o olhar empírico, de quem vive , convive e sente algum dos aspectos dessa relação com os "donos da casa" que são tratados no livro. 

Falo de alguns aspectos, pois o livro não é uma coletânea dos meus perrengues como imigrante, mas uma colcha de retalhos de várias experiências que outros brasileiros sofreram e que eu fui ouvindo, anotando, e acabei por utilizar no livro.. 

Todas as situações que ocorrem no livro, com exceção de apenas uma delas, que faz do livro um romance policial, são verídicas e foram vivenciadas por um brasileiro em Lisboa. 

Felizmente, sou um imigrante privilegiado. Consegui me integrar, tenho amigos e amigas portuguesas, mas sou solidário a quem teve mais dificuldade, e o livro funciona como uma espécie de ‘se-ligue’ para os brasileiros que pensam em viver em Portugal e para os próprios portugueses tomarem uma tenência sobre a relação com os brasileiros.

Nos últimos anos, a xenofobia e as tensões na relação entre brasileiros imigrantes e portugueses se intensificaram. A que você atribui esse cenário?

R - A tensão subiu um bocado de tom nos últimos anos por alguns conjuntos de fatores. O primeiro deles, é que a presença brasileira também aumentou. Já era grande, mas agora é impressionantemente significativa. 

Uma presença que mudou de perfil, menos de operários e mais de profissionais liberais e artistas. Pessoas que sabem se posicionar, são articuladas, conhecedoras dos seus direitos e com uma boa rede de contatos. 

Brasileiros que disputam com os portugueses um lugar na universidade, no consultório, nas redações de jornais, na gestão de pequenos e médios negócios. O CEO da Coca Cola em Portugal é brasileiro, daí se tira. 

Claro que essa presença e essa força maiores gera um desconforto e isso se traduz num certo atrito. Some-se a isso a tardia entrada em Portugal no grupo dos países europeus que resolveram escolher o imigrante como bode expiatório dos seus problemas. 

Um discurso que sempre pautou a extrema-direita, mas que agora tem ecos nas direitas chamadas democráticas, numa tentativa desesperada de não perder eleitores para a ultradireita. 

É uma tempestade perfeita, portanto, que ressoa mais alto, pois os brasileiros são capazes de responder com os meios que têm, entre eles, as redes sociais e os jornais, etc, e esse desconforto ressoa no Brasil, onde todos começam a perceber que o tal ‘eldorado português’ brilha menos do que o prometido.

Sob a perspectiva de Jean-Jacques Rousseau, quem seria esse “mau selvagem”? E, na prática, no contexto em que se encontra o personagem misterioso (ou melhor: sob a enviesada perspectiva do eterno colonizador português), quem é esse “mau selvagem”? O que, na sua relação com a sociedade, o torna um mau selvagem?

R - Acho que o Rousseau não estava preparado para “O Mau Selvagem”. Na perspectiva de os nativos do Novo Mundo serem bons selvagens, o mau selvagem é justamente esse neo-nativo, que fez o caminho inverso, do Novo Mundo para o Velho Mundo, mas que não se rende à catequização desse novo jesuíta, sempre disposto  a vender o seu estilo de vida como sendo a verdade. 

Dentre os brasileiros, o mau selvagem é o imigrante que luta pelos seus direitos e não se cala diante de uma injustiça e, muito menos, diante de uma manifestação de racismo e xenofobia. 

Cada um é um mau selvagem ao seu jeito, com suas armas, e a minha forma de ser um mau selvagem foi a de escrever um livro.

Como tem sido a recepção do livro em Portugal, levando em consideração que você traz à baila, no enredo, assunto que não é muito lisonjeiro para eles?
 
R - O livro teve boas críticas nas mídias e tem recebido elogios dos muito brasileiros que leram e dos poucos portugueses que leram. 

Passou ao largo das grandes editoras portuguesas, pois é incomum um autor brasileiro que em vez de falar das mazelas do Brasil, da violência urbana, da pobreza nas favelas, da crueldade do mundo rural - que são temas importantes - prefere falar da realidade portuguesa. 

Para as editoras, e consequentemente para os leitores portugueses, o escritor brasileiro não deveria meter a colher na realidade portuguesa, mesmo esse autor sendo residente, eleitor e contribuinte em Portugal. 

Acho que “O Mau Selvagem” tem essa luta, de abrir esse caminho para que centenas de outros autores brasileiros em Portugal possam falar dessa experiência de imigração, e foi por isso que decidi colocar como cenário uma livraria, para marcar essa trincheira.

SERVIÇO
Lançamento do livro "O Mau Selvagem", de Álvaro Filho

Quando: Terça (17), às 18h
Onde: Livraria do Jardim - Av. Manoel Borba, 292, Boa Vista, Recife - PE
Entrada franca
Instagram: @seualvaro