FUTEBOL

Vini Jr trilhou trajetória que fez dele a maior voz antirracista no futebol

Lewis Hamilton e LeBron James estão entre as inspirações do brasileiro

Vini Jr com o troféu do The Best da Fifa - Karim JAAFAR / AFP

"Eu farei 10x se for preciso. Eles não estão preparados". Foi a primeira declaração de Vini Jr após a Bola de Ouro 2024, entregue para Rodri, do Manchester City. Uma frase impactante, que abrange tanto sua postura em campo, com um futebol ofensivo e de personalidade forte; quanto sua luta contra o racismo. E é por isso que sua vitória no prêmio de melhor jogador da temporada 2023/24 no The Best Awards, da Fifa, é tão simbólica.

- O simbolismo está muito mais no fato de a gente ter um grande jogador atuando e dando voz à luta antirracista. O que normalmente vemos são ex-jogadores como expoentes. Já o atleta em atividade fica com medo de represálias. E aí silencia. O Vini acaba virando um grande exemplo para que outros também falem sobre a questão racial. E saúde mental, LGBTfobia... Porque você tem isso em outros esportes. Mas no futebol o Vini é o primeiro em atividade a ter um posicionamento tão firme. Sendo reconhecido e premiado mesmo com este perfil, vai inspirar ainda mais que outros falem. O significado é esse - analisa o diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol Marcelo Carvalho.

 

Esta inspiração a que Carvalho se refere é a mesma pela qual o próprio Vini passou. Afinal, este posicionamento tão firme não veio com ele desde a base do Flamengo. O garoto de São Gonçalo se espelhou nos próprios ídolos antes de virar uma das maiores vozes antirracistas no futebol.

Vini se deparou com o racismo cedo. Na carreira profissional, o primeiro episódio a ser registrado ocorreu em agosto de 2017, durante um jogo entre Flamengo e Botafogo, no Nilton Santos. Do camarote, os familiares do atacante foram alvos de um torcedor rival.

Três dias depois, Vini marcou dois gols na vitória do Flamengo sobre o Atlético-GO. De forma tímida, ele comentou os ataques:

- No jogo passado teve esse acontecido. É muito triste ainda ter isso no Brasil, mas bola para frente. Tenho que fazer gols.

Até se transferir para o Real Madrid, em meados de 2018, Vini ainda seria vítima de xingamentos e gestos vindos tanto das aquibancadas quanto de redes sociais. Seu primeiro posicionamento de maior visibilidade foi em janeiro de 2018, numa ação junto à Nike, sua patrocinadora, em que posou para uma foto vestindo camisa onde se lia "igualdade".

Ao desembarcar em solo europeu, no entanto, Vini ainda era um jovem de 18 anos rodeado de dúvidas em relação a sua capacidade de corresponder à aposta que o Real Madrid fizera ao contratá-lo. Após um ano no novo clube, em entrevista ao O Globo, evitou se aprofundar ao ser perguntado se já havia sofrido racismo no país.

- Nunca sofri nada - respondeu. - Não sei o que faria, é mais do calor do momento.

A mudança de chave viria um ano depois. Em maio de 2020, em meio à ebulição do movimento "Black lives matter", o engajamento de estrelas do esporte como LeBron James, da NBA; e Lewis Hamilton, da Fórmula 1, mudariam para sempre a forma de Vini Jr olhar para o tema.

"Vidas negras importam", escreveu Vini numa publicação na rede X acompanhada de uma imagem que dividia George Floyd, morto pela polícia nos EUA, e João Pedro, adolescente de 14 anos baleado dentro de casa, no Rio.

Um mês depois, suas atitudes extrapolaram o ambiente das redes sociais e chegaram a um gramado. Ao abrir o placar nos 2 a 0 do Real sobre o Mallorca, Vini fez pela primeira vez num jogo o famoso gesto antirracista de erguer o punho fechado.

A consciência sobre o racismo já existia dentro do brasileiro. Mas, ao ver os ídolos aderindo à luta, o atacante se encontrou. Foi como se um novo Vini tivesse desabrochado ali.

- Tenho um interesse muito grande de apoiar a nossa causa, com importantes pessoas como LeBron James e Lewis Hamilton, meus ídolos, liderando isso. Aquele momento que os jogadores da NBA se recusaram a entrar em quadra foi muito forte. Isso faz as pessoas verem o quanto nós nos importamos - anunciaria o atacante meses depois, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

- Me faz feliz e triste ao mesmo tempo, porque estamos em 2020 e ainda temos que lutar contra o racismo e coisas que dividem a gente.

Uma tatuagem marcou esta mudança. Em janeiro de 2021, ele escreveu na coxa esquerda a mensagem "Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho nos olhos, haverá guerra", acompanhada do punho cerrado erguido para cima.

Vini encarou sua luta de forma nunca vista dentro do futebol. O brasileiro contou com sua equipe de funcionários (que trabalham sua imagem e nos compromissos profissionais) para elaborar a melhor estratégia. Decidiram então, que era preciso apontar o dedo para os criminosos e cobrar as autoridades.

- No meio do futebol as falas são sempre muito parecidas e não saem do mesmo lugar. O Vini representa uma quebra de paradigma - opina Marcelo Carvalho.

É nítido como a mudança de postura de Vini gerou mal estar na Espanha. A partir da temporada 2021/22, os ataques se tornaram mais frequentes. Seja nos gritos de "macaco" nos estádios, nas ofensas nas redes sociais, no boneco negro enforcado na rua, em programas de TV... O brasileiro driblador, que provoca os adversários durante discussões em campo e que aponta para os racistas e cobra medidas viu o ódio contra ele escalar.

Até o fatídico episódio do Estádio de Mestalla, em maio 2023, quando foi chamado de "macaco" em alto som por parte da arquibacada. O jogo entre Real Madrid e Valencia chegou a ser paralisado. Mas nada foi feito no momento contra os torcedores racistas. Abatido emocionalmente, o brasileiro anda se envolveu numa briga e foi expulso, para delírio da torcida da casa.

Vini não se calou. Elevou o tom das cobranças, bateu boca nas redes sociais com Javier tebas, presidente da La Liga, e ganhou apoio por todo mundo. Ganhou tanta força que obrigou a entidade e às autoridades espanholas a se movimentarem. Torcedores foram identificados e condenados, num episódio que se tornou um marco na forma como o país lida com o racismo.

"Não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas. Essa primeira condenação penal da história da Espanha não é por mim. É por todos os pretos. Que os outros racistas tenham medo, vergonha e se escondam nas sombras. Caso contrário, estarei aqui para cobrar", manifestou-se o jogador após o anúncio da punição a três espanhóis que o xingaram no Mestalla.

A luta de Vini vai além da caça aos criminosos. Por meio do instituto que leva seu nome, os professores são capacitados para oferecer aos alunos uma educação que os permita reconhecer e combater comportamentos racistas. Definitvamente, o The Best está em boas mãos.