INTERCORRÊNCIA

Concerto é cancelado após companhia aérea recusar violoncelo de R$ 18 milhões em voo

Episódio ressoou entre violoncelistas ao redor do mundo; Air Canada disse 'lamentar' que os músicos não tenham conseguido viajar como esperado

violoncelo em apresentação - Pierre Verdy / AFP

O músico Sheku Kanneh-Mason — estrela em ascensão da música clássica que tocou no casamento do príncipe Harry e Meghan Markle em 2018 e, desde então, se apresenta regularmente nos palcos mais prestigiados do mundo — foi obrigado a cancelar um concerto em Toronto na semana passada porque a Air Canada se recusou a permitir que ele embarcasse com seu violoncelo, mesmo tendo adquirido um bilhete separado para o instrumento, avaliado em cerca de 3 milhões de euros — R$ 18 milhões.

As dificuldades de voar a trabalho são amplamente conhecidas: atrasos, cancelamentos e a eterna dúvida entre despachar ou não bagagens, arriscando danos ou extravios. Para violoncelistas profissionais, cujas ferramentas de trabalho são instrumentos extremamente delicados que podem valer milhares, se não milhões de dólares, e que certamente não cabem nos compartimentos superiores, voar pode ser exponencialmente pior.

“Essa é uma ocorrência frequente para violoncelistas e outros músicos que viajam com instrumentos que precisam ir na cabine”, disse Kanneh-Mason em um comunicado na terça-feira.

O episódio, que ressoou entre violoncelistas ao redor do mundo, ocorreu na semana passada, quando Kanneh-Mason e sua irmã, Isata, uma pianista, estavam em turnê e tentavam voar de Cincinnati para Toronto, com conexão em Washington. O voo original, da American Airlines, foi atrasado e, depois, cancelado, segundo um porta-voz. Então, eles compraram bilhetes para um novo voo para Toronto pela Air Canada — incluindo um para o violoncelo.

Kanneh-Mason afirmou que “recebemos informações contraditórias da Air Canada durante todo o longo processo, culminando com a equipe negando nosso embarque com o violoncelo no portão”.

Nesta segunda-feira, a Air Canada disse lamentar que os músicos não tenham conseguido viajar como esperado e que entraria em contato com eles.

“A Air Canada possui uma política abrangente de aceitar violoncelos na cabine quando um assento separado é reservado para eles”, afirmou em comunicado. “Neste caso, os clientes fizeram uma reserva de última hora devido ao cancelamento de seu voo original por outra companhia aérea.”

A política da companhia para instrumentos de mão, detalhada em seu site, especifica que os viajantes devem comprar um assento para seus instrumentos pelo menos 48 horas antes da partida.

Os irmãos Kanneh-Mason escreveram sobre suas dificuldades na semana passada nas redes sociais. “Só podemos sonhar com um momento em que todas as companhias aéreas tenham uma abordagem padronizada, global e cuidadosamente considerada para o transporte de instrumentos preciosos que são reservados para viajar na cabine”, escreveram.

O concerto na Koerner Hall, em Toronto, foi cancelado, para desgosto de fãs e portadores de ingressos, e reagendado para junho.

O violoncelo de Kanneh-Mason vale cerca de 3 milhões de euros, ou aproximadamente 3,1 milhões de dólares, de acordo com um vídeo curto da Deutsche Welle, a emissora pública alemã. Ele foi feito por Matteo Goffriller há mais de 300 anos e foi concedido a Kanneh-Mason em 2021 como um empréstimo vitalício após ser comprado por seis patrocinadores.

Kanneh-Mason enfrentou um problema semelhante no ano passado, quando foi impedido inesperadamente de embarcar em um voo da British Airways, o que o levou a desabafar nas redes sociais.

Problemas de viagem entre músicos que transportam instrumentos grandes e caros não são incomuns. Lynn Harrell, o aclamado violoncelista que faleceu em 2020, reclamou em 2012 de uma disputa que teve com a Delta Air Lines ao tentar acumular milhas para os assentos que comprava para seu violoncelo.

“É um risco ocupacional”, disse Eliot Bailen, violoncelista profissional e associado no departamento de música da Universidade Columbia.

“Muitos violoncelistas andam por aí com seus violoncelos, você sabe, em aviões”, disse Bailen em uma entrevista na segunda-feira. “Não deveria ser tão difícil.”

Bailen contou que uma vez teve problemas no início dos anos 2000, quando reservou um assento para seu violoncelo, mas não conseguiu apresentar um passaporte para ele. “Fui espirituoso e o chamei de Sr. Cello”, disse ele, o nome com o qual havia reservado o bilhete do instrumento. “Achei engraçado, até que simplesmente me recusaram o embarque no voo.”

Quando Amit Peled, solista de violoncelo e professor de cordas no Instituto Peabody da Universidade Johns Hopkins, foi questionado sobre o problema de Kanneh-Mason com a Air Canada, ele simplesmente respondeu: “Bem-vindo ao clube.”

“Todo violoncelista pode escrever um romance sobre o que acontece com eles no aeroporto”, disse Peled em entrevista. Ele conhece bem a situação enfrentada por Kanneh-Mason e relembrou um incidente em que sua própria caixa de violoncelo foi quebrada por trabalhadores da companhia aérea que tentavam amarrá-la ao assento.

Peled disse que viaja com seu violoncelo, avaliado em mais de 1 milhão de dólares, três vezes por mês. “Cuidamos dele como se fosse um dos nossos filhos”, disse ele. “E passamos mais tempo com o violoncelo do que com nossas esposas e filhos.”

Ele acrescentou: “Para um violoncelista, acho que é muito comum só se sentir relaxado quando o avião está realmente no ar”.