memória

Ao perder a visão, Antonio Augusto Fontes lembra imagens do Rio a Chico Buarque

Mostra na Galeria da Gávea resgata obra de fotógrafo, fundamental e ainda não tão reconhecido: "Nome com importância maior do que a História lhe atribuiu", diz curador

'Cowboy na China', de Antonio Augusto Fontes - Divulgação

Entre as muitas situações humanas, o contato visual parece ser uma das mais valorizadas na fotografia de Antonio Augusto Fontes.

Na mostra “Assim é se lhe parece”, que reúne 60 de suas obras mais emblemáticas na Galeria da Gávea, Zona Sul do Rio, um casal deitado no gramado se olha antes do que parece ser um beijo; um cowboy encara a câmera enquanto caminha por uma rua chinesa, assim como faz o compositor Chico Buarque — ainda que timidamente.

Esses “olhos nos olhos” têm sido impedidos pela temporária perda de visão que acometeu Antonio, causada por glaucoma e problemas na retina.

"O que vivo agora é o pesadelo de um fotógrafo" conta ele.

"Algo como o pior sonho de um músico, que é perder a audição. Sempre tive essa preocupação de enxergar as coisas claramente, nunca gostei de imagens turvas, mas do que é nítido. Torço muito para que minha visão volte logo"

Esposa do fotógrafo, Bazinha, enquanto olha as obras da exposição em plano geral, lembra a relação do marido com o trabalho.

"A conexão do Antonio com a foto é algo visceral, tudo vem de dentro dele mesmo. Temos tido tempos difíceis, mas vai passar logo" torce a mulher.

Orgulho analógico
Entre as fotografias expostas na galeria, destacam-se retratos de personalidades da cultura brasileira: a escritora Nélida Piñon nos observa atentamente na sala de sua casa; o cineasta Glauber Rocha caminha com um olhar quase perdido por sua casa; o poeta Ferreira Gullar aparece diante de sua máquina de escrever.

Há também imagens feitas no Brasil — desde cartões-postais do Rio ao sertão baiano — e em outros países, como China, França e Estados Unidos.

Produzidas a partir da década de 1980, todas as obras foram captadas com câmeras analógicas. O destaque é válido porque, mesmo com a chegada das ferramentas digitais, ele nunca abandonou o filme nem a revelação em prata.

"Me angustia um pouco esse uso excessivo da fotografia digital. Nada contra, não sou um tecnofóbico, até porque estudei engenharia mecânica. É uma tecnologia complementar, inclusive. Mas a analógica tem uma coisa meio mágica, é como um fetiche meu. O meu fascínio é pelo processo, que não é só fotografar, mas ir ao laboratório para que a foto possa surgir".

Curador da mostra na Galeria da Gávea, João Farkas afirma que, desse modo, Antonio busca a “essência de como a foto nasceu”:

"Hoje, com a manipulação digital é possível fazer diversas transformações. Nós nem conseguimos mais acreditar nas imagens como um registro do real" reflete Farkas.

"Antonio é um fotógrafo com importância maior do que a História lhe atribuiu, com um pensamento da visualidade para outras gerações"

Ponte entre gerações
Esse encontro com outras gerações realmente acontecia, por exemplo, quando Antonio assumia o posto de professor de fotografia.

Ana Stewart, dirigente da Galeria da Gávea, estava em muitas dessas “aulas”, termo que Antonio rejeita.

"Íamos para a casa do Antonio e conversávamos sobre os conceitos, linguagem fotográfica, os grandes mestres. Depois tinha aula brava de laboratório, que era um baita de um laboratório" enfatiza ela.

"Ele não era um professor rigoroso"