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Responsabilização da redes: Barroso abre divergência em julgamento

Presidente da Corte pediu vista antecipada e 'pulou fila' para apresentar posicionamento em análise que pode derrubar o artigo 19 do Marco Civil

Ministro do STF, Luís Roberto Barroso
Ministro do STF, Luís Roberto Barroso - Valter Campanato/Agência Brasil

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, abriu divergência no julgamento que discute a responsabilidade das plataformas por conteúdos publicados e propôs o dever de cuidado às empresas e a manutenção da necessidade de ordem judicial para a retirada de conteúdos considerados ofensivos à honra para a preservação da liberdade de expressão.

O que está em discussão no julgamento do STF é o modelo de responsabilização das plataformas pelo conteúdo de terceiros — se e em quais circunstâncias as empresas podem sofrer sanções por conteúdos ilegais postados por seus usuários.

Ao iniciar seu voto, Barroso enumerou cinco pontos de divergência em relação à corrente anterior – que declarava o artigo 19 do Marco Civil inconstitucional.

A primeira delas, segundo o ministro, é o entendimento de que o artigo 19 é "apenas parcialmente inconstitucional" por considerar "legitimo que a remoção de conteúdos somente deva se dar após ordem judicial".

Barroso abriu divergência da corrente estabelecida no julgamento até agora com os votos dos dois relatores, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux – que declaram a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil e determinam a remoção de conteúdos considerados ilícitos mesmo sem decisão judicial.

Segundo esse dispositivo da lei, as plataformas só podem ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, mantiverem o conteúdo.

O segundo ponto de divergência aberto por Barroso está nos casos de remoção de conteúdos em casos de crimes contra a honra. Para o presidente do STF, é preciso que haja ordem judicial para que esse tipo de publicação seja retirado, sob pena de prejuízo à liberdade de expressão.

– A remoção em casos de crimes contra a honra não pode prescindir de ordem judicial. Ainda que se aleguem crimes de injúria, esses conteúdos devem permanecer sob o regime do artigo 19, sob pena de violação à liberdade de expressão. Se prevalecer esse entendimento [ de remoção sem ordem judicial], se alguém disser que um determinado governador é burro, ele pode pedir a imediata remoção do conteúdo.

Em seu voto, Barroso chamou a atenção para a importância de que haja a regulação das plataformas, tanto do ponto de vista econômico, da privacidade e dos conteúdos. Segundo o ministro, esse é um problema que está sendo enfrentado por todo o mundo, que discute como proteger a liberdade de expressão sem que "o mundo desabe num abismo de incivilidade e destruição dos direitos fundamentais e das democracias".

– É preciso regular as plataformas. Regular do ponto de vista econômico, impedir a dominação de mercado, empresas poderosas demais, para a proteção dos direitos autorais. Regular do ponto de vista da privacidade, pois um dos principais focos de lucro dessas empresas vem da coleta de dados, é preciso uma disciplina da utilização desses dados. E chegamos ao ponto mais delicado, que é a regulação de conteúdos e dos comportamentos inautênticos coordenados.

Ministro Luiz Fux - Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Completou o presidente do STF:

– E chegamos ao ponto mais delicado, que é a regulação de conteúdos e dos comportamentos inautênticos coordenados, que é o uso de bots e robôs para amplificar muitas vezes a mentira Eles têm uma dimensão antidemocrática perigosíssima e de saúde pública perigosíssima. A amplificação maliciosa, maldosa. É preciso ter algum controle e as plataformas podem monitorar isso. Antes de regular conteúdo é preciso regular os comportamentos inautênticos.

Dois votos para derrubar o artigo 19
Com os posicionamentos de Fux e Toffoli, manifestados ao longo das últimas sessões do julgamento, o Supremo tem dois votos para obrigar as plataformas a retirar imediatamente conteúdos ilegais e derrubar o artigo 19 do Marco Civil.

No início de seu voto, Fux fez referência a uma necessidade de responsabilização das plataformas diante de conteúdos publicados em seus meios – e apontou para uma incompatibilidade da ausência de responsabilidade e direitos fundamentais.

–Não é possível um regime de responsabilidade civil que exonere amplamente as empresas de atuarem no limite de suas possibilidades para a preservação de direitos fundamentais lesados em razão de conteúdos publicados em suas plataformas – disse.

Durante seu voto, Fux afirmou que existe um "déficit de proteção" dos direitos no ambiente digital e disse que hoje as plataformas não têm "estímulo" para remover conteúdos ilícitos e criminosos, observando que se cria uma "terra sem lei".

– Olha que zona de conforto, a plataforma chega e diz eu não tenho condições, não tem como tirar, isso é para garantir a liberdade dos negócios. E como garante a liberdade dos negócios? Degrada a liberdade das pessoas – observou Fux.

O caso relatado por Fux chegou ao Supremo em 2017, depois que o antigo Orkut negou remover uma comunidade criada com o nome de uma professora de Belo Horizonte. Em 2010, ela acionou a Justiça para pedir a exclusão da comunidade e com pedido indenizatório, e ganhou em primeira e segunda instância, mas a big tech recorreu das decisões.