Violência após eleição presidencial deixa mais de 20 mortos em Moçambique
Escritores Mia Couto e José Eduardo Agualusa são residentes em Moçambique, mas já conseguiram deixar o país
Ao menos 21 pessoas morreram, entre elas dois policiais, em distúrbios que começaram nesta segunda-feira (23) em Moçambique, após a confirmação da vitória do candidato governista nas contestadas eleições presidenciais de outubro, informou o governo nesta terça.
Na segunda, o Conselho Constitucional de Moçambique ratificou a vitória do candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Daniel Chapo, nas eleições de 9 de outubro, com 65% dos votos.
O Conselho atribuiu 24% dos votos para seu principal adversário, Venâncio Mondlane, que denuncia fraudes.
A Frelimo está no poder desde 1975, na independência da ex-colônia portuguesa na África. O ministro do Interior, Pascoal Ronda, afirmou, nesta terça, que nas últimas 24 horas foram registrados 236 "atos de violência grave", que deixaram, além dos mortos, 25 feridos, 13 deles policiais.
Após uma noite marcada por atos de violência e depois de mais de dois meses de manifestações que se seguiram às eleições, a capital, Maputo, vivia um clima de medo na véspera do Natal.
Os escritores Mia Couto e José Eduardo Agualusa são residentes em Moçambique. Segundo o colunista Ancelmo Gois, em mensagem no WhatsApp para uma comunidade de escritores brasileiros, Mia Couto, depois de agradecer o cuidado e solidariedade, avisa: "Não estamos nem eu nem o Agualusa em perigo".
Segundo Mia Couto, junto com quase toda a família, ele conseguiu "abrigo na África do Sul". Já Agualusa, a companheira e a filha estão também fora de Moçambique.
As principais estradas que levam à capital foram bloqueadas na terça-feira por barricadas e as vias que levam ao aeroporto ficaram intransitáveis em boa parte do dia, constatou a AFP.
Dezenas de manifestantes se concentraram na entrada principal do aeroporto internacional e atearam fogo a contêineres próximos. Apesar disso, não houve cancelamentos de voos.
A polícia patrulhava com veículos blindados o centro da cidade, onde centenas de manifestantes em grupos pequenos e dispersos montaram barricadas nas principais rodovias, improvisadas com troncos de árvores e blocos de pedra.
Na véspera, vários estabelecimentos comerciais — lojas, bancos, supermercados, postos de gasolina — e prédios públicos foram saqueados, tiveram suas vitrines quebradas e seu conteúdo pilhado ou incendiado.
"O hospital central de Maputo funciona em condições críticas, mais de 200 funcionários não conseguiram chegar" ao trabalho, disse à AFP Mouzinho Saide, diretor do centro de saúde, para onde foram levados mais de 90 feridos, "sendo 40 por arma de fogo e quatro por arma branca".
A maioria dos habitantes permanece trancada em casa, e os transportes públicos estão paralisados. Apenas veículos fúnebres e ambulâncias estão circulando. Nesta terça, a União Europeia expressou "extrema inquietação" com a violência em Moçambique, e pediu "moderação a todas as partes".
"Humilhação do povo"
Segundo a imprensa local, veículos, delegacias de polícia e postos de pedágios também foram alvo de atos de vandalismo no norte do país, onde a oposição é forte.
"Grupos de indivíduos com armas brancas e armas de fogo atacaram delegacias, centros de detenção e outras infraestruturas", reportou Ronda.
Mais de 70 pessoas foram detidas, acrescentou. Nestes incidentes foram incendiados 25 veículos, dois deles viaturas policiais, além de 11 delegacias e uma prisão, da qual fugiram 86 detentos, acrescentou, em declarações à imprensa.
Os protestos pós-eleitorais já deixaram mais de uma centena de mortos, e Mondlane, o principal opositor, que reivindica a vitória, pediu a intensificação do movimento.
Os moçambicanos exigem "a verdade eleitoral", afirmou. "Devemos continuar a luta!". Apesar das irregularidades assinaladas por vários observadores durante as eleições presidenciais, o Conselho Constitucional confirmou a vitória da Frelimo, que tem ampla maioria dos assentos da Assembleia Nacional (171 de 250).
Mondlane acusou na terça o Conselho Eleitoral de "legalizar a fraude" e permitir a "humilhação do povo".
O partido opositor Podemos, com o qual Mondlane se alinhou nas presidenciais, denunciou à imprensa a "falta de transparência, integridade e profissionalismo" da máxima corte do país.
Muitos habitantes de Moçambique, um dos países mais desiguais do mundo, confiavam que estas eleições deixariam para trás a Frelimo, formação de inspiração marxista na época da guerra da independência e depois na guerra civil, que terminou em 1990.