Lula apostará na integração com a América Latina em 2025
O ano de 2024 foi marcado pelo distanciamento com a ditadura chavista e a ruptura, na prática, com a Nicarágua
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falhou na tentativa de retomar o clima de harmonia entre os vizinhos da América Latina que existia em seus dois primeiros mandatos.
Auxiliares próximos ao petista afirmam que, após enfrentar problemas preocupantes para a diplomacia, em 2025 ele dará prioridade à integração regional e econômica, especialmente com os países da região. Também buscará aliados regionais na defesa da democracia e dos direitos humanos.
A questionada eleição presidencial na Venezuela — cujas atas eleitorais a ditadura chavista nunca apresentou, apesar dos pedidos de Brasil e Colômbia, entre outros —, seguida pelas ofensas do ditador Nicolás Maduro ao presidente brasileiro e seus principais auxiliares, foi marcante para a diplomacia de Lula.
Maduro jamais comprovou que de fato ganhou a disputa com o ex-candidato opositor Edmundo González Urrutia, hoje exilado na Espanha.
A vitória do ultradireitista Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina, em 2023, foi outro golpe. Milei tem posições políticas divergentes das de Lula, já ofendeu o mandatário brasileiro e é fã declarado de Donald Trump, que assumirá a presidência dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 2025.
Na América Central, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, antigo aliado de Lula, expulsou, em agosto deste ano, o embaixador brasileiro em Manágua, Breno Costa. Foi uma retaliação do país à ausência do Brasil nas celebrações, em julho, pelos 45 anos da Revolução Sandinista.
Interlocutores do governo brasileiro definem 2025 como "um ano de consolidação". Lembram que a integração regional está presente na Constituição brasileira e observam que houve avanços em relação à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
De olho na Amazônia
Lula também colocará em primeiro plano as relações com os países amazônicos. O presidente quer que o Brasil, que sediará em Belém (PA) a conferência mundial sobre o clima, a COP30, trabalhe em conjunto com Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela em defesa de mais recursos das nações desenvolvidas para o financiamento de projetos ambientais na Amazônia.
Professora de Relações Internacionais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do programa de pós-graduação em Ciência Política da UniRio, Maria Villarreal ressalta que o Brasil tem como vizinhos diretos 10 dos 12 países da América do Sul e possui a terceira maior fronteira terrestre do mundo, atrás apenas da China e da Rússia.
Cooperar e manter as melhores relações possíveis com as nações sul-americanas é, portanto, uma preocupação para os brasileiros.
— É preciso destacar que não se trata de uma pauta ideológica, e sim pragmática, que diz respeito a questões centrais para os interesses brasileiros como desenvolvimento, comércio, segurança, democracia e paz — afirma.
Segundo Villarreal, a cooperação e o caráter estratégico das relações com os países vizinhos, centrais também para a projeção internacional do Brasil, não significa ignorar problemas e desafios ainda presentes na região: é preciso manter o compromisso com os valores democráticos, o respeito aos direitos humanos e às tradições diplomáticas do país.
"O governo brasileiro congelou as relações com a Nicarágua e tem mantido uma postura crítica com a Venezuela de Nicolás Maduro, questionando a ausência de transparência nas eleições presidenciais de julho e vetando a entrada da Venezuela no bloco do Brics, durante a Cúpula de Kazan(Rússia), realizada em outubro deste ano. Para além desses episódios, de algumas tensões com o governo argentino de Javier Milei e das divergências em relação a alguns temas, é evidente que o Brasil ganha com a cooperação, o comércio e com a promoção da estabilidade regional" diz ela.
Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o Brasil fez várias apostas que não foram bem sucedidas. Uma delas foi apoiar Sergio Massa, candidato do peronista e ex-presidente argentino, Alberto Fernández. Lula chegou a patrocinar o ingresso da Argentina no Brics, mas o vencedor da eleição no país vizinho, Javier Milei, declinou do convite.
— A política externa é feita de apostas. A posição do Brasil em relação à Venezuela é correta. O que não é consistente com a tradição brasileira é o intervencionismo.
Efeito Trump
A seu ver, a vitória de Donald Trump para mais um mandato na presidência dos Estados Unidos trará “implicações óbvias” para a região. A julgar pelo que aconteceu no primeiro mandato de Trump, diz Lopes, é possível esperar, sim, gestos da Casa Branca no sentido de bloquear a maior integração entre os países da América Latina.
Na primeira passagem de Trump pela Casa Branca, por exemplo, houve a quebra de uma tradição em que o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) era de origem latino-americana. Foi colocado um americano — Mauricio Claver-Carone — à frente da instituição e o Brasil, que tinha um candidato, foi atropelado pela Casa Branca, que ironicamente mantinha “boas relações” com o governo Bolsonaro.
— A integração regional é um valor apreciado pelo Brasil. Lula aposta muito nisso, como aposta no multilateralismo. Isso vai na direção oposta do que se espera com Trump na presidência dos EUA — observa o professor da UFMG.
Lopes cita a nomeação do senador republicano, conservador e filho de imigrantes cubanos, Marco Rubio, como secretário de Estado dos EUA. Como será a primeira vez em que um latino irá para o cargo, ele acredita que a região, historicamente esquecida, terá alguma evidência, mas com foco na imigração.