INVESTIGAÇÃO

Embaixada de Israel retira do Brasil soldado investigado por possíveis crimes de guerra em Gaza

Organização pró-Palestina baseada na Bélgica pediu ação contra militar, e autoridades israelenses advertem militares a não postarem imagens de ações em redes sociais para não servir de munição a ações legais

Imagem divulgada pelo Exército de Israel em 1º de janeiro de 2024 mostra soldados israelenses operando na Faixa de Gaza - Foto: Exército de Israel / AFP

O reservista israelense que estava viajando pelo Brasil, suspeito de cometer crimes de guerra na Faixa de Gaza, deixou o país neste domingo com a ajuda da Embaixada de Israel, segundo a agência Associated Press. O militar, identificado como Yuval Vagdani, de 21 anos, virou alvo da Justiça brasileira após pedido foi feito pela organização internacional pró-palestina Fundação Hind Rajab (HRF, na sigla em inglês), que vem rastreando as atividades de centenas de militares israelenses servindo no enclave, palco de uma sangrenta guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas há mais de 15 meses que já deixou mais de 45 mil palestinos mortos.

O pai do soldado disse ao jornal israelense Haaretz que o filho foi alertado após um amigo ter recebido uma mensagem da representação de Israel no Brasil sobre a investigação.

— Eu disse a eles para escaparem imediatamente e não ficarem lá nem por mais um minuto. Eles rapidamente fizeram as malas e cruzaram a fronteira em poucas horas — disse ao jornal. — Num piscar de olhos, eles passaram de turistas a fugitivos.

Questionada sobre a saída do militar, a representação israelense em Brasília afirmou em nota ao portal Metrópoles neste domingo que Israel "está exercendo seu direito à autodefesa após o massacre brutal cometido pelo Hamas em 7 de outubro de 2023" e que "todas as operações militares em Gaza são conduzidas em total conformidade com o direito internacional".
 

Ainda segundo a nota da embaixada, a HRF "representa uma organização estrangeira e está explorando de forma cínica os sistemas legais para fomentar narrativa anti-Israel tanto globalmente quanto no Brasil, apesar de saber plenamente que as alegações carecem de qualquer fundamento legal".

Segundo a AP, o Ministério das Relações Exteriores de Israel disse que ajudou Vagdani a deixar o Brasil em segurança em um voo comercial depois que o que descreveu como "elementos anti-Israel" pediram uma investigação na semana passada. O Ministério também alertou os israelenses contra postagens nas mídias sociais sobre seu serviço militar. A denúncia da HRF, à qual se uniram famílias cujas casas foram destruídas, baseia-se em supostas evidências, como vídeos, dados de geolocalização e fotografias postadas nas redes sociais.

De acordo com HRF, o soldado teria participado de demolições massivas de residências civis em Gaza, em meio a uma campanha sistemática "de destruição". "Esses atos fazem parte de um esforço mais amplo para impor condições de vida insuportáveis aos civis palestinos, o que constitui genocídio e crimes contra a Humanidade segundo o direito internacional", afirmou a organização.

O soldado foi identificado após publicar vídeo no Instagram com imagens do corredor Netzarim, antes das demolições. Na legenda da postagem, escreveu: "Que possamos continuar destruindo e esmagando este lugar imundo, sem pausa, até os seus alicerces", citou o Metrópoles. Em um vídeo diferente, dessa vez citado pelo Haaretz, uma explosão controlada é filmada com o som de soldados rindo ao fundo. Um deles pode ser ouvido cantarolando a música "The final countdown".

Segundo o Haaretz, o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Parlamento de Israel, Yuli Edelstein, anunciou que, devido ao incidente, uma reunião será realizada na segunda-feira sobre a proteção dos soldados contra processos no exterior.

O pedido da organização de investigação contra Vagdani foi acolhido em 30 de dezembro. Segundo o Metrópoles, a HRF também solicitou a prisão provisória do soldado, temendo que ele deixasse o país antes que fosse alvo de diligências da Polícia Federal, mas ainda não havia nenhuma ordem de prisão emitida. Quando o pedido de investigação foi acolhido, o presidente da HRF, Dyab Abou Jahjah, comemorou a decisão e destacou que este havia sido o primeiro caso em que um Estado signatário do Estatuto de Roma aplicaria diretamente suas disposições sem recorrer ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

A Fundação Hind Rajab, sediada em Bruxelas, foi criada para documentar crimes de guerra contra os palestinos após o início da campanha militar israelense em resposta ao letal ataque de comandos islamistas em Israel em 7 de outubro de 2023.

Em fevereiro deste ano, a menina palestina Hind Rajab, de 6 anos, sobreviveu a disparos de um tanque israelense em Gaza enquanto estava em um carro com familiares, mas desapareceu e foi encontrada morta quase duas semanas depois. Os Estados Unidos pediram ao governo do premier de Israel, Benjamin Netanyahu, que investigasse o caso.

Segundo o jornal israelense Ynet, o Exército já identificou cerca de 30 processos criminais contra seus membros. Pelo menos oito soldados, incluindo alguns que viajaram para Chipre, Eslovênia e Holanda, tiveram de deixar os países imediatamente devido às investigações.