Assembleia do MT aprova projeto que converte terras amazônicas em Cerrado e flexibiliza desmatamento
Pesquisadores apontam que, com a medida, quase 10% do estado pode perder proteção ou a obrigação de restauração com a medida
A Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) aprovou na quarta-feira um projeto de lei que altera os critérios de identificação de biomas para utilização rural. O texto, que permite que áreas antes classificadas como Amazônia passem a ser identificadas como Cerrado, foi aprovada com 15 votos favoráveis e 8 contrários. Segundo o Observatório Socioambiental do Mato Grosso (Observa-MT), mais de 9,6 milhões de hectares, quase 10% do estado, podem perder proteção ou a obrigação de restauração com a medida.
O projeto de lei opõe duas visões sobre como o Brasil deve cuidar dos seus biomas. De um lado, pesquisadores e ambientalistas defendem que o texto tem erros técnicos e visa aumentar o desmatamento em terras preservadas do estado. De outro, estão representantes do agronegócio que veem a possível mudança como forma de expansão do lucro.
— O Mato Grosso faz parte da Amazônia Legal, sendo assim as áreas identificadas como Floresta obrigam uma Reserva Legal de 80% dentro das propriedades rurais. No entanto, se essa mesma área for classificada como Cerrado, a obrigatoriedade da reserva cai para 35% — ressalta Edilene Amaral, consultora jurídica do Observa-MT.
O texto original partiu de uma proposta do governo estadual que tratava sobre o aprimoramento da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utilizada pelo estado para fins ambientais.
Entretanto, ao chegar na Comissão do Meio Ambiente da Assembleia Legislativa Estadual, o projeto de lei passou por mudanças a partir de um substitutivo apresentado pelo deputado estadual Nininho (PSD).
Segundo Amaral, os parlamentares “decidiram rediscutir toda a requalificação da vegetação nativa sem nenhuma base científica”. A reportagem solicitou um posicionamento do parlamentar, mas não obteve retorno.
Alterações durante tramitação
O texto original foi apresentado à Assembleia Legislativa do Mato Grosso no dia 22 de maio, e recebeu parecer favorável da comissão ambiental, assinado pelo deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), presidente do grupo.
A proposta somente mencionava a mudança na classificação da fisionomia vegetal para fins de definição de reserva legal em imóveis rurais. A medição passaria a ser do IBGE, que utiliza uma escala de 1:250.000. Atualmente, a escala do mapeamento adotado, do RADAM Brasil, é de 1:1.000.000, ou seja, menos precisa.
Pesquisadora do Observa-MT, Alice Thuaul classifica a aprovação do projeto como “lastimável”, já que a medida “vai contra todos os objetivos ambientais colocados pelo governo estadual”.
— Fica parecendo que esses objetivos são para inglês ver — diz a pesquisadora.
Procurado pelo Globo, Avallone afirmou que votou contra a medida. Segundo o parlamentar, o projeto “não foi estudado adequadamente” e teve posicionamento contrário da Secretária de Estado de Meio Ambiente (Sema), de ONGs e do IBGE.
— Acredito que o governo vai vetar integralmente o projeto — afirma Avallone.
Em nota, a Sema disse "esclarecimentos devem ser solicitados ao Legislativo Estadual, já que a proposta original não tem nada a ver com o texto aprovado". A secretaria ressaltou que, após o retorno do projeto ao governo, a medida será encaminhada para análise técnica e jurídica.
— Durante a tramitação na assembleia, a secretaria enviou à Comissão de Meio Ambiente uma nota técnica apontando possíveis irregularidades. Quando recebermos o projeto, a Sema vai reforçar o que já havia sido alertado, se posicionando a favor do veto da proposta — esclarece Mauren Lazzaretth, secretária de Meio Ambiente do Mato Grosso.
Vice-líder em desmatamento
Em 2024, a taxa anual de desmatamento no Mato Grosso alcançou seu menor valor desde 2013, segundo levantamento do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 1.271,03 km² desmatados no ano passado (21.85% do total na Amazônia Legal), valor inferior apenas ao registrado no Pará.
O estado também aparece na vice-liderança dos índices na Amazônia Legal na série histórica iniciada em 2008, com 25.778,30 km² desmatados (19,19% do total no período de 17 anos).
Dados do Inpe mostram que o Mato Grosso foi o segundo estado com mais focos de calor no país no ano passado. Foram 50.551 casos (18,2% do total), contra 56.070 registrados no Pará (20,1%).