Governo Biden adota regras para restringir a disseminação global da IA
Medida visa assegurar soberania de padrões de computação americanos e evitar que China e Rússia desenvolvam essas tecnologias. Foram criados três grupos de países com diferentes níveis de limitações para compra de chips
O governo Biden anunciou nesta segunda-feira regras abrangentes sobre como chips e modelos de inteligência artificial podem ser compartilhados com outros países, em uma tentativa de estabelecer uma estrutura global que orientará a disseminação da IA no mundo nos próximos anos.
Com o rápido crescimento do poder da IA, o governo Biden afirmou que as regras são necessárias para manter essa tecnologia transformadora sob o controle dos Estados Unidos e de seus aliados, e fora das mãos de adversários que poderiam utilizá-la para reforçar seus exércitos, realizar ataques cibernéticos e ameaçar os Estados Unidos de outras formas.
Empresas de tecnologia protestaram contra as novas regras, argumentando que elas ameaçam suas vendas e as perspectivas futuras da indústria tecnológica dos EUA.
As regras impõem várias limitações à quantidade de chips de IA que as empresas podem enviar a diferentes países, essencialmente dividindo o mundo em três categorias. Os Estados Unidos e 18 de seus parceiros mais próximos — incluindo Reino Unido, Canadá, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Taiwan — estão isentos de quaisquer restrições e podem comprar chips de IA livremente.
Países que já estão sujeitos a embargos de armas dos EUA, como China e Rússia, continuarão enfrentando a proibição já existente de compra de chips de IA.
Todos os outros países — a maior parte do mundo — estarão sujeitos a limites que restringem o número de chips de IA que podem ser importados, embora países e empresas possam aumentar esse número ao firmar acordos especiais com o governo dos EUA.
As regras podem gerar atritos com alguns governos estrangeiros: mesmo países que são próximos parceiros comerciais ou aliados militares dos EUA, como México, Suíça, Polônia ou Israel, enfrentarão restrições na compra de grandes quantidades de produtos de IA americanos.
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As regras têm como objetivo impedir que a China obtenha de outros países a tecnologia necessária para produzir IA, após os Estados Unidos terem proibido tais vendas à China nos últimos anos.
Contudo, as regulamentações também têm objetivos mais amplos: fazer com que países aliados sejam os locais preferenciais para a construção dos maiores centros de dados do mundo, em um esforço para manter os modelos de IA mais avançados dentro das fronteiras dos EUA e de seus parceiros.
Governos ao redor do mundo, particularmente no Oriente Médio, têm investido recursos significativos para atrair e construir enormes centros de dados, com o objetivo de se tornarem o próximo polo de desenvolvimento de IA.
Jake Sullivan, assessor de segurança nacional do presidente Joe Biden, disse a jornalistas no domingo que as regras garantiriam que a infraestrutura para treinar os sistemas de IA mais avançados permaneceria nos Estados Unidos ou na jurisdição de aliados próximos e que "essa capacidade não seja transferida para fora, como aconteceu com chips, baterias e outras indústrias nas quais tivemos que investir centenas de bilhões de dólares para trazer de volta ao nosso território".
Sullivan afirmou que as regras proporcionariam "maior clareza para nossos parceiros internacionais e para a indústria", enquanto enfrentariam ameaças à segurança nacional de atores maliciosos que poderiam usar "tecnologias americanas contra nós".
Será responsabilidade da administração Trump decidir se manterá as novas regras ou como as implementará. Em uma ligação com jornalistas no domingo, autoridades do governo Biden disseram que as regras tinham apoio bipartidário e que haviam realizado consultas com a administração entrante sobre elas.
Embora empresas na China já estejam desenvolvendo seus próprios chips de IA, o mercado global para esses semicondutores é dominado por empresas americanas, especialmente a Nvidia. Esse domínio permitiu ao governo dos EUA regular o fluxo de tecnologia de IA globalmente, restringindo as exportações de empresas americanas.
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Empresas protestaram contra essas limitações, afirmando que as restrições poderiam prejudicar usos inofensivos ou até benéficos da computação, irritar aliados dos EUA e, eventualmente, empurrar compradores globais para produtos não americanos, como os fabricados pela China.
Reações
Em nota, Ned Finkle, vice-presidente de relações governamentais da Nvidia, classificou a regra como “sem precedentes e equivocada” e afirmou que ela “ameaça descarrilar a inovação e o crescimento econômico mundial”.
“Em vez de mitigar qualquer ameaça, as novas regras de Biden apenas enfraqueceriam a competitividade global dos EUA, minando a inovação que manteve os Estados Unidos na liderança”, disse ele. As ações da Nvidia caíram cerca de 3% no pré-mercado nesta segunda-feira.
Brad Smith, presidente da Microsoft, disse em um comunicado que a empresa estava confiante de que poderia “cumprir totalmente os altos padrões de segurança desta regra e atender às necessidades tecnológicas de países e clientes ao redor do mundo que confiam em nós”.
Em uma carta aos líderes do Congresso no domingo, ao qual o The New York Times teve acesso, Jason Oxman, presidente do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação, um grupo que representa empresas de tecnologia, pediu ao Congresso que interviesse e utilizasse sua autoridade para reverter a ação caso a administração Trump não o fizesse.
John Neuffer, presidente da Associação da Indústria de Semicondutores, afirmou que seu grupo estava “profundamente desapontado que uma mudança de política dessa magnitude e impacto esteja sendo apressada nos últimos dias antes de uma transição presidencial, sem qualquer consulta significativa com a indústria”:
—As apostas são altas e o momento é crítico.
As regras, que somam mais de 200 páginas, também estabelecem um sistema no qual empresas que operam centros de dados, como Microsoft e Google, podem solicitar credenciamentos especiais do governo.
Em troca de seguirem determinados padrões de segurança, essas empresas podem então comercializar chips de IA mais livremente ao redor do mundo. No entanto, elas ainda precisarão concordar em manter 75% de sua capacidade total de computação de IA nos Estados Unidos ou em países aliados e limitar a apenas 7% sua capacidade de computação em qualquer outro país individual.
As regras também introduzem os primeiros controles sobre os pesos dos modelos de IA, os parâmetros exclusivos de cada modelo que determinam como a IA faz suas previsões. Empresas que estabelecerem centros de dados no exterior deverão adotar padrões de segurança para proteger essa propriedade intelectual e evitar que adversários tenham acesso a ela.
Governos sujeitos a restrições poderão aumentar o número de chips de IA que podem importar livremente ao firmarem acordos com o governo americano, nos quais concordariam em alinhar-se aos objetivos dos EUA para proteger a IA.
Sob a orientação do governo dos EUA, a Microsoft firmou um acordo para parceria com uma empresa dos Emirados Árabes, a G42, no ano passado, em troca da G42 eliminar equipamentos da Huawei de seus sistemas e tomar outras medidas.
A administração Biden pode emitir mais regras relacionadas a chips e IA nos próximos dias, incluindo uma ordem executiva para incentivar a geração doméstica de energia para centros de dados e novas regras que visam manter os chips mais avançados fora da China, disseram pessoas familiarizadas com as deliberações.
A última regra surge em resposta a um incidente no ano passado, no qual autoridades americanas descobriram que a Huawei, a empresa chinesa de telecomunicações sancionada, havia obtido componentes para seus chips de IA fabricados por uma importante empresa taiwanesa de semicondutores, em violação aos controles de exportação dos EUA.
Os anúncios estão entre uma enxurrada de novas regulamentações que a administração Biden está correndo para emitir antes do retorno de Donald Trump à Casa Branca, que acontece na próxima segunda-feria, dia 20, enquanto tenta fechar brechas e consolidar seu legado no combate ao desenvolvimento tecnológico da China.
A administração emitiu novos limites às exportações de equipamentos de fabricação de chips para a China e outros países, propôs novas restrições a drones chineses, adicionou novas empresas chinesas a uma lista negra militar e se apressou para finalizar novos subsídios para a fabricação de chips nos EUA.
No entanto, as regulamentações de IA emitidas nesta segunda-feira parecem estar entre as mais amplas e consequentes dessas ações. A IA está rapidamente transformando como os cientistas conduzem pesquisas, como as empresas alocam tarefas entre seus funcionários e como os militares operam. Embora a IA tenha muitos usos benéficos, autoridades americanas estão cada vez mais preocupadas de que ela possa permitir o desenvolvimento de novas armas, ajudar países a monitorar dissidentes e, de outras formas, alterar o equilíbrio global de poder.
Jimmy Goodrich, consultor sênior de análise tecnológica na RAND Corp., disse que as regras criariam uma estrutura para proteger os interesses de segurança dos EUA enquanto ainda permitiriam que as empresas competissem no exterior.
— Elas também são voltadas para o futuro, tentando preservar cadeias de suprimento lideradas pelos EUA e aliados antes que sejam transferidas para quem oferecer os maiores subsídios — afirmou.