OPINIÃO

Redes sociais que buscaram se fintechzar, como o WhatsApp, deram errado?

Nos últimos anos, algumas das plataformas de redes sociais mais populares do mundo tentaram transformar-se em soluções financeiras, apostando no mercado de fintechs para expandir seus negócios e ampliar sua relevância. As redes sociais não apenas criam soluções de meio de pagamento para reduzir o custo da transação, como também para tentar ganhar o mercado, o que por sua vez é mais desafiador, já que as empresas precisam agregar valor ao produto, um trabalho este a ser construído no longo prazo.

Embora a ideia tenha potencial, sua implementação exige uma abordagem mais profunda, estratégica e adaptada às realidades do mercado. Neste artigo, vamos nos debruçar em dois cases com gigantes do mercado: o WeChat, que teve êxito ao adotar a fintechzação, e o WhatsApp que, mesmo com uma base gigante de usuários, segue tentando acertar o tom da entrega de serviços financeiros.

Em 2018, o WhatsApp, um dos aplicativos de mensagens mais populares do mundo, iniciou sua jornada no setor financeiro ao lançar um serviço de pagamentos no Brasil. A promessa era simples: permitir que os usuários transferissem dinheiro entre si diretamente pelo aplicativo, de forma prática e sem burocracia.

Entretanto, a realidade logo se mostrou mais complicada. O aplicativo enfrentou a resistência de muitos usuários em adotar uma nova ferramenta financeira. A confiança no aplicativo de troca de mensagens não necessariamente se traduzia em confiança para realizar pagamentos ou transferências de grandes valores, o que gerou um gap de aceitação entre o público-alvo.

Enquanto isso, o WeChat, um dos aplicativos de mensagens mais usados na China, se consolidou como um case de sucesso ao integrar soluções financeiras dentro de sua plataforma. Lançado em 2011 pela Tencent, o aplicativo inicialmente focava em oferecer um serviço de mensagens, mas com o tempo foi expandindo suas funcionalidades para incluir pagamentos móveis, compras, investimentos, serviços de transporte e até agendamentos de consultas médicas, tornando-se o que hoje entendemos como superapp.

O grande sucesso do aplicativo no mercado financeiro se deve à sua abordagem única. Em vez de tentar se posicionar como uma simples plataforma de pagamentos, o WeChat foi capaz de criar um ecossistema completo de serviços financeiros que se integravam de maneira natural ao dia a dia dos usuários. Nele, a integração entre pagamentos, compras e socialização foi fluida, o que permitiu que a plataforma se tornasse essencial para milhões de usuários.

O principal fator que explica essa diferença entre os dois aplicativos na área financeira é, sem dúvida, o foco e a confiança do usuário. O WeChat foi capaz de construir um ecossistema robusto e focado na integração de serviços financeiros com a vida cotidiana de seus usuários.
Já o WhatsApp, como o Facebook Pay (atualmente Meta Pay), tentou trazer uma solução financeira para um aplicativo que foi desenvolvido para comunicação. Mesmo com a enorme base de usuários, o aplicativo não conseguiu convencer seus consumidores a usá-lo para transações financeiras de forma consistente.

Uma possível solução para aumentar a confiabilidade dos usuários além de agregar valor ao produto e levar mais funcionalidades e se inserir na rotina do seu público, é também diminuir a fricção entre o aplicativo e instituições financeiras, por exemplo, quando mandamos uma chave pix dentro do Whatsapp e ele chega de forma que com um click seja possível fazer o pagamento pelo banco. Essas questões de usabilidade podem ajudar muito o aplicativo a entrar com mais força no meio de pagamento, isso seria quase como um inicializador.

O começo não é o fim e as empresas precisam se adaptar e levantar estratégias para garantir a experiência do usuário. E é o que estamos vendo por agora. A partir do dia 19 de dezembro, o Whatsapp irá retirar a opção de pagamentos utilizando cartão de débito. Segundo a Meta, a mudança tem como objetivo priorizar transações por meio do Pix. Sendo assim, agora a plataforma terá apenas três maneiras de enviar e receber dinheiro: Pix, cartão de crédito e cartão pré-pago.

Em meio a todas essas movimentações, acredito que seja uma questão de tempo para que empresas como o Whatsapp consigam ajustar a frente de meios de pagamentos, e o Open Finance chega como um grande facilitador neste cenário, possibilitando que redes sociais fintechzadas, bancos digitais, bem como os tradicionais fiquem em pé de igualdade, em especial no que diz respeito a ter acesso a dados e ao perfil de comportamento de seus usuários – o que por sua vez abre um mar de possibilidades.

Em suma, vejo que as ferramentas de mídias sociais vão continuar indo atrás de se “fintechzar” cada vez mais. Apesar de já possuírem o público que é o mais difícil, agora falta agregar valor na funcionalidade e fazer com que se diferencie do mercado. A tese é forte e tem grande potencial mesmo que ainda não tenha avançado.


* Co-fundador e diretor de negócios da MB Labs.

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