polêmica

STF determina recolhimento de livro de Ricardo Lísias sobre Eduardo Cunha; autor vai recorrer

Alexandre de Moraes acolhe argumentos da defesa de ex-deputado e ressalta que"Diário da cadeia" induz público ao erro; escritor classifica ato como censura

O autor Ricardo Lísias e o ministro Alexandre de Moraes - Redes sociais/Reprodução/Bruno Peres/Agência Brasil

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na manhã desta quinta-feira (16), a retirada de circulação do livro "Diário da cadeia", escrito pelo autor Ricardo Lísias com o pseudônimo de Eduardo Cunha.

A decisão monocrática acolhe uma ação movida pelo ex-deputado Eduardo Cunha (sem partido-RJ), figura central no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e que presidiu a Câmara dos Deputados entre 2015 e 2016, ano em que foi preso no âmbito da Operação Lava-Jato. O escritor afirma que irá recorrer.

Na decisão, Moraes afirma que a obra não pode usar a assinatura "Eduardo Cunha — pseudônimo", e que tanto o autor quanto a editora estão impedidos de vincular o nome do ex-deputado à publicação, inclusive em propagandas.

O prazo para que os livros — lançados em 2017 e atualmente com edições esgotadas, comercializadas apenas por sebos — sejam retirados dos "pontos de venda", como estabelecido pelo magistrado, é de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

A corte também impõe que o escritor e a editora paguem uma indenização no valor de R$ 30 mil ao ex-deputado Eduardo Cunha por danos morais.

O ex-parlamentar deve igualmente ganhar direito de resposta no site da editora, em "espaço de ampla visibilidade", para esclarecer a verdadeira autoria de "Diário da cadeia".

Ricardo Lísias reforça, ao Globo, que buscará recurso, junto a advogados, contra o que ele classifica como um "ato de censura".

O escritor lamenta que a sentença de Alexandre de Moraes pareça desconsiderar a série de vitórias que ele e a editora obtiveram na Justiça nos últimos quatro anos, período em que a Justiça do Rio de Janeiro tentou barrar a circulação do livro.

"É difícil de entender a sentença atual. É uma decisão sumária, que desconsidera anos e anos de nossos argumentos, que sempre foram absorvidos com sucesso pelo poder judiciário" diz Ricardo Lísias.

"Fico perplexo com esta situação. Uma coisa, para mim, é muito clara e firme: este é um ato de censura, e que responde a algo que não acontece. Nunca, em nenhum momento, a gente disse que se tratava do ex-deputado escrevendo. A capa do livro é muito clara. E a decisão sequer argumenta sobre o que seria o uso de um pseudônimo. Ela simplesmente passa uma régua ali, de forma totalmente sumária. Está interferindo, então, num momento de criação artística. Isso é censura"

No texto que justifica a decisão, Alexandre de Moraes acolhe os argumentos da defesa de Eduardo Cunha e alega que "Diário da cadeia" induz o público ao erro ao criar a falsa impressão de que o ex-parlamentar seria o verdadeiro autor da obra.

Nesse caso, de acordo com o magistrado, não é legítimo o uso irrestrito da liberdade de expressão.

"O fato de o autor ser pessoa pública e possuir o ônus de ser alvo de notícias da imprensa e opiniões alheias não autoriza o exercício abusivo do referido direito à liberdade de expressão", frisa o magistrado.

Ricardo Lísias é um autor conhecido por narrativas que embaralham esteticamente os limites entre realidade e ficção.

Em "Divórcio", de 2013, provocou polêmica ao usar trechos de um suposto diário de sua ex-mulher na trama, revelando detalhes constrangedores do casamento.

Em 2016, o autor também precisou prestar esclarecimentos à Justiça por causa do folhetim on-line "Delegado Tobias", no qual criava despachos fictícios para satirizar o turbulento momento político então vivido no país.

À época, ele teve que explicar que se tratava de ficção após denúncias de que falsificava decisões judiciais.

"Parto de episódios ou personagens reais para construir minha ficção. Mas as pessoas insistem, diante de uma obra de ficção, em buscar a realidade. A crítica se torna fiscal de verossimilhança, o que acho uma pena. É tudo ficção" afirmou ele, numa entrevista ao Globo publicada em 2015.