Música

Atacado em campanha de Trump, Porto Rico é celebrado em novo álbum de Bad Bunny

Em entrevista, cantor fala sobre carreira, 'volta' para casa e até Brasil

O cantor Bad Bunny - VALERIE MACON / AFP

Nos últimos anos, Bad Bunny — astro global do reggaeton e do latin trap, ou trap latino, cujo sucesso impressionante transformou o cenário da música pop em língua espanhola — conquistou o mundo: três álbuns no topo das paradas da "Billboard"; um dos artistas principais do Festival de Coachella; o título de artista mais ouvido no streaming; uma carreira em ascensão como ator (e lutador); e um interesse crescente dos paparazzi por suas aventuras românticas.

Mas todo esse reconhecimento o distanciou do lugar que é a raiz de tudo: Porto Rico, onde nasceu, cresceu e viveu até 2023, quando saiu para uma estada longa em Los Angeles e Nova York.

Agora, está de volta ao seu país, e, em seu sexto álbum solo, "Debí tirar más fotos" (Eu deveria ter tirado mais fotos), o músico, cujo nome de nascimento é Benito Martínez Ocasio, reafirma sua ligação com a ilha com uma guinada musical marcante.

O álbum de 17 faixas, repleto de instrumentos ao vivo, foi inteiramente gravado em Porto Rico e conta com diversos colaboradores jovens que representam uma variedade de estilos locais que remontam a gerações passadas – o urbano, com a cantora RaiNao ("Perfumito Nuevo"); o reggaeton e o trap latino, com Omar Courtz e DeiV ("Veldá"); e ritmos tradicionais, como a plena e a bomba, com os Pleneros de la Cresta ("Café Con Ron") e o grupo jovem Chuwi ("Weltita").

"Todos são porto-riquenhos e estão ali por um motivo" disse Bad Bunny, de 30 anos, em entrevista no fim de dezembro, antes do lançamento do álbum, no dia 5 de janeiro.

E acrescentou que, durante suas viagens pelo mundo, "quando os ouvia, eu me sentia como se estivesse lá, em Santurce, curtindo".

Em uma participação no "Popcast", podcast de música do New York Times, Bad Bunny falou sobre sua trajetória até "Debí tirar más fotos", incluindo como a vida sob os holofotes em Los Angeles o levou de volta para casa.

Também explora como seus riscos criativos têm inspirado músicos de língua espanhola ao redor do mundo; e se é importante para ele que as pessoas consigam entender todas as palavras de suas músicas.

Estes são trechos editados da conversa.

Jon Caramanica: Você acabou de nos mostrar seu álbum novo, que chamou de "o mais porto-riquenho de todos". O que pretende alcançar com esse trabalho?

Bad Bunny: O título do álbum significa "Eu deveria ter tirado mais fotos". Eu me lembro de que, antigamente, as fotos eram uma coisa muito especial.

Hoje, você pode fotografar qualquer coisa. Às vezes, não quero tirar uma foto com alguém por vários motivos: porque não estou de bom humor, porque sinto que a pessoa não é mesmo fã ou porque me acostumei e isso deixou de ser uma coisa especial para mim.

Mas talvez seja para eles, e querem guardar aquela lembrança. Esse é o significado do título — valorizar mais os momentos e as pessoas. Não é um pedido de desculpas, é mais um lembrete para mim mesmo.

Caramanica: Esse álbum fala de Porto Rico hoje em dia, mas também dos sons locais de 20, 40, 60 anos atrás. Você passou os últimos seis anos em outros lugares do mundo — Los Angeles, Nova York, no ringue de luta, sob a ótica dos paparazzi. Em que momento percebeu: "Preciso me reconectar"?

Bad Bunny: Quando você está longe, às vezes consegue enxergar melhor, valorizar mais. Todas as colaborações no álbum são de artistas que eu ouvia quando estava em Los Angeles ou viajando em turnê.

E foi especial, porque a música faz com que você se sinta perto de casa. O que é um dos objetivos desse projeto.

Caramanica: Nos primeiros anos de sua carreira, você pensou: "Quanto mais longe de Porto Rico eu estiver, melhor para mim"?

Bad Bunny: Acho que é uma coisa que a indústria tenta colocar na sua cabeça, como se fosse preciso estar no mundo inteiro. E entendo, porque Porto Rico é uma ilha muito pequena. Talvez um artista mexicano só faça sucesso no México.

O mesmo com o Brasil. Mas eu sempre soube que poderia ser grande e bem-sucedido sendo porto-riquenho, com minha música, minha gíria e minha cultura – com tudo que tenho.

Por isso, trabalhei para alcançar o maior número de lugares, mas, ao mesmo tempo, mantive minha essência e minhas raízes. Todos os ritmos são porto-riquenhos, como a plena, um dos mais antigos da ilha.

"Debí Tirar Más Fotos", a faixa-título, é como uma plena nova. É um ritmo muito rico para criar e explorar, até mesmo na música pop convencional.

Joe Coscarelli: É uma coisa que temos visto repetidamente nos últimos anos, seja com Rosalía e o flamenco, seja com os artistas mexicanos jovens e os corridos tumbados, seja até mesmo com o merengue e a bachata. Você sentiu que existiam sons porto-riquenhos prontos para a modernização, como a salsa e plena?

Bad Bunny: Sim. Esse é um ritmo muito antigo. Só parece novo e diferente porque quem está fazendo sou eu – criando esse som com minha voz, meu estilo, meu "flow".

Às vezes, os jovens podem pensar — e eu fazia isso quando era criança — que esse tipo de música é para os mais velhos, que é a música da minha avó ou do meu avô.

Mas, quando você cresce, começa a apreciá-la mais e a entendê-la melhor. E, ao mesmo tempo, quero mostrar que é possível fazer isso de uma maneira muito legal.

Com estilo próprio. Não precisa ser como os artistas de antigamente faziam. Pode trazer um sentimento novo, uma gíria nova, tudo novo. Não há regras.

Caramanica: Pelo que sei, você foi o primeiro grande artista a colaborar com alguém dos corridos tumbados, com seu remix de "Soy El Diablo", de Natanael Cano. Conte sobre como você acompanha esse movimento.

Bad Bunny: Sempre acreditei na música latina, não só no meu gênero, mas em todos eles. Fiquei impressionado ao ver que essa música, da qual eu gostava muito, que parecia tão fresca e nova, era um ritmo tradicional feito por esse jovem.

Pensei: "Isso pode ser real; pode se tornar uma coisa maior." Estou muito orgulhoso de todo esse movimento dos corridos tumbados.

Não sou mexicano, mas consigo sentir o orgulho que eles devem ter. Acho que todos os países da América Latina podem fazer o mesmo com seus ritmos, como a Colômbia com a cúmbia.

Coscarelli: A instrumentação ao vivo desse álbum de fato se destaca. Onde essa música foi gravada?

Bad Bunny: Tudo em Porto Rico. Todas as músicas de salsa foram feitas por jovens da Escola Livre de Música.

Todos eles têm entre 18 e 21 anos — cheios de paixão e energia. As pessoas pensam: "Ah, agora todos os jovens só fazem reggaeton.

"Não, há muitos, muitos músicos incríveis — jovens — que só estão esperando uma oportunidade.

Coscarelli: Você sentiu que agora, na etapa atual da sua carreira, tinha influência para levá-los com você? Talvez se tivesse feito esse projeto há cinco anos...

Bad Bunny: Não teria sido o mesmo. Tenho pensado: "Qual é o propósito de eu estar aqui, nesta posição? Qual é o próximo passo?"

Você morre e acabou. Não tem essa de: "Ah, você foi o artista mais ouvido no streaming." E daí? Eu estava refletindo sobre isso e pensei: "Eu deveria fazer alguma coisa que deixasse uma semente plantada".

Cara, esse é o objetivo – dar aos jovens a oportunidade de mostrar os ritmos de Porto Rico." E foi uma experiência muito boa criar essa música com essas pessoas, porque trabalhamos todos juntos no estúdio.

A melhor parte foi que todos eles eram muito humildes, talentosos e apaixonados. Não havia egos. Foi bom me relacionar com eles, mais do que com qualquer outra superestrela que já conheci.

Caramanica: Na edição de 2023 do Festival de Coachella, você levou José Feliciano ao palco. Quando pensa na música porto-riquenha dos anos 1970 e 1980, o que percebe em comum com o que você faz?

Bad Bunny: Quando você ouve de verdade a música daquela época, é a mesma coisa. Sei que as pessoas dizem: "Não, a música de antigamente era diferente."

E, em alguns aspectos, é fato. Mas, quando você escuta as letras, as histórias, é a mesma coisa. Tenho ouvido muito Chuito el de Bayamón, artista de Porto Rico dos anos 1940 e 1950 – música jíbara, típica –, e todas as canções falam sobre coisas com as quais posso me identificar.

Tipo: "Espera, ele está cantando sobre isso? Vivi essa situação há duas semanas."

Coscarelli: Vamos voltar para um pouco antes da eleição nos Estados Unidos. Há um comício de Trump no Madison Square Garden, e um comediante, Tony Hinchcliffe, faz comentários desrespeitosos sobre Porto Rico. Você decide que é hora de dizer alguma coisa. O que lhe passou pela cabeça?

Bad Bunny: Não senti nenhuma pressão para dizer algo. Fiz porque tive vontade. Fiquei irritado na hora, porque estava aqui em Nova York e pensei: "Bom, esse cara está bem aqui – deveríamos ir…" Foi um momento de muita frustração.

Sim, eu sei, ele é comediante, blá, blá, blá. Mas aquilo não era um show de stand-up. Era para ser um comício político. Eu nem sabia que ele era comediante – estava de terno.

Pensei: "Ah, ele é político." Depois me disseram: "Não, é um comediante." Não foi engraçado. Por várias razões. Tenho um senso de humor ótimo. E gosto de humor provocativo. Mas tem hora e lugar para isso.

Coscarelli: Poucas semanas depois, uma grande notícia das eleições foi o aumento de eleitores latinos votando na direita. Como você conciliou tudo isso?

Bad Bunny: Não sei o que dizer, no que acreditar. Não sei de nada. Só sei que sempre vai haver quem defenda e proteja nosso país e nossa cultura.

E são essas as pessoas que quero ter ao meu redor e nas quais acredito. Isso é algo que também quero inspirar e promover com esse projeto.

Caramanica: No passado, você participou de protestos, incluiu jornalismo investigativo nos videoclipes sobre coisas que estão ocorrendo na ilha. Você disse que, depois do comício, não sentiu que precisava se pronunciar. Mas você é o astro porto-riquenho de mais destaque. Isso é pesado para você – ter o poder de influenciar as perspectivas e as opiniões das pessoas?

Bad Bunny: Toda vez que me expresso a respeito de alguma coisa, faço porque sinto vontade. Não porque sou Bad Bunny, tenho 40 milhões de seguidores e quero isso – não.

Sou um ser humano normal e tenho sentimentos, fico bravo e feliz, e é assim que faço minha música. Algumas vezes você quer chorar; outras, dançar; ou se apaixonar; ou falar de política.

É assim que funciona: tudo que digo e faço é porque sinto vontade, e não porque me sinto pressionado por ser uma figura pública.

Coscarelli: Há músicas ou versos políticos nesse projeto?

Bad Bunny: Há muitas linhas políticas que podem passar despercebidas. A canção "Bokete" é uma história de amor, mas toda a analogia é que, em Porto Rico, há muitos buracos nas ruas.

Não é uma música sobre buracos, mas... Existem muitas coisas assim.

Coscarelli: Uma das coisas que diferenciam sua geração de artistas latinos dos cruzamentos de mercados e gêneros que houve nos anos 1990 e no início dos anos 2000 é a escolha de continuar cantando em espanhol. Agora que sua música alcança milhões de pessoas no mundo inteiro, você sente que talvez os ouvintes percam alguma coisa porque não entendem a letra?

Bad Bunny: Definitivamente. As pessoas perdem muita coisa. Na verdade, até muitos latinos que falam espanhol, porque canto em gírias porto-riquenhas.

Depois de "Un verano sin ti", que foi o maior marco da minha carreira, lancei "Nadie sabe lo que va a pasar mañana", álbum totalmente diferente – com muitas rimas e analogias porto-riquenhas, e tenho certeza de que as pessoas perderam as melhores partes dele. Sem dúvida.

Caramanica: Como isso faz com que você se sinta? Quer explicar melhor ou só…

Bad Bunny: [cantando] Eu nãããooo me importooooo.