BRASIL

Governo Lula se preocupa com o tom usado por Trump, mas adota cautela e aguarda ações práticas

Medidas como saída dos EUA do Acordo de Paris e declaração sobre o Brasil estão entre as preocupações

Presidente Lula - Ricardo Stuckert/PR

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê com preocupação os atos e declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre pontos prioritários para o Brasil, como o clima, a adoção de sobretaxas e as próprias relações entre Brasília e Washington. Mas, por ora, a estratégia é ter cautela e esperar o que acontece na prática, o que inclui a montagem da equipe do novo chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, aprovado na segunda-feira como secretário de Estado dos EUA.

De acordo com um interlocutor do Palácio do Planalto, o governo brasileiro quer evitar qualquer reação que possa ser vista vista como animosidade logo no começo do segundo mandato de Trump. Um exemplo foi quando o presidente dos EUA disse que o país não precisa do Brasil e da América Latina. Em vez de retrucar, a diplomacia entrará em campo para manter uma relação "mais produtiva possível".

 

Busca por "convergências"
Nesta terça-feira, a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura Carvalho, que está substituindo o chanceler Mauro Vieira — que está em viagem ao exterior — afirmou que Trump pode falar "o que quiser" e que a diplomacia trabalhará para encontrar convergências, e não divergências, na relação com o americano. A resposta foi dada pela diplomata, ao ser perguntada sobre a declaração em que Trump afirmou que o Brasil precisa mais dos Estados Unidos do que "nós precisamos deles".

Também nesta terça-feira, após ser anunciado como presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago admitiu que a saída dos EUA do Acordo de Paris terá um "impacto significativo". Uma das tarefas do Brasil, que vai sediar a COP30 em Belém (PA), em novembro deste ano, é buscar o compromisso dos países desenvolvidos no sentido de liberar mais recursos para financiar medidas para combater o aquecimento global pelas nações pobres e em desenvolvimento.

No governo Lula, técnicos destacam que existe a possibilidade de o Brasil contar com governadores americanos dispostos a manter medidas para a redução do aquecimento global. Porém, existe o temor de que essa ação seja limitada, diante dos sinais de apoio do empresariado americano a Trump.

Diplomatas ouvidos pelo Globo avaliam que as mensagens de Trump correspondem completamente à visão do mundo que ele tem, mas é preciso esperar para saber o que vai além da retórica política. Ressaltam que o Brasil é um país importante, tanto economicamente como em termos geopolíticos. E torcem pelo pragmatismo nas relações entre Washington e o governo Lula.

Brics
Integrantes do governo brasileiro lembram que, ao mesmo tempo, é preciso deixar claro que Trump não manda na política externa brasileira: o Brasil manterá sua agenda na presidência do Brics, que tem, entre seus eixos, a criação de um sistema de moedas locais que deverá reduzir a dependência do dólar, apesar das ameaças do presidente dos EUA.

Existe uma avaliação de que o agronegócio será o menos prejudicado pelas sobretaxas às importações anunciadas por Trump. Uma das razões é que o forte das exportações brasileiras para os EUA são produtos manufaturados, e não itens agrícolas. Além disso, com a esperada guerra comercial com a China, o país asiático comprará mais alimentos do Brasil, que concorre com os EUA no mercado mundial.

Há, ainda, a expectativa, no governo Lula, que empresários americanos com negócios no Brasil trabalhem para evitar o enfraquecimento das relações, com a imposição de barreiras ao comércio. Outro ponto é que os EUA estão entre os maiores investidores no Brasil.

Big techs
Trump também retirou os EUA do pacto tributário global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), do qual o Brasil é signatário. O temor é que o acordo, que trata da tributação de multinacionais, vire "letra morta" com a saída da maior economia do mundo. Fontes do governo a par do assunto, contudo, minimizam a decisão de Trump, dizendo que os EUA nunca entraram firmemente no pacto.

Esse acordo tem dois pilares. O primeiro mira as big techs e empresas de serviços digitais com faturamento consolidado de 20 bilhões de euros e lucratividade superior a 10%. A ideia de que parte do lucro dessas gigantes seja tributada nos países em que atuam, onde estão os consumidores dos serviços prestados.

O Congresso americano já vinha travando a participação efetiva dos EUA. Nesse caso, os países, individualmente têm criado "impostos digitais" específicos.

Já em relação ao pilar 2, que trata da tributação mínima de 15% para multinacionais, o governo americano já tem um sistema próprio, diferente do acordado na OCDE.

A ameaça de retaliações a países que tributam multinacionais americanas também não representa uma virada de chave, uma que o sistema de tributação mínima dos EUA já faz esse papel.

O Brasil ajustou a legislação local para se adaptar à tributação mínima de multinacionais no fim do ano passado e a avaliação é que a postura de Trump não afeta essa agenda. Inclusive, a adesão ao pilar 2 é considerada pelo governo uma forma de se proteger das medidas de tributação mínima que vêm sendo adotadas ao redor do mundo, seja de forma multilateral ou unilateral, como nos EUA.

As ordens executivas assinadas por Trump estão sendo analisadas. Os temas tratados por Trump em seu discurso já eram esperados, mas esses interlocutores ficaram bem preocupados com o tom messiânico de Trump.  A citação ao Manifest Destiny (destino manifesto, crença dos americanos de que deveriam expandir o território das Treze Colônias para o oeste) foi "bem pesada", na avaliação de um embaixador.