O sexo está de volta ao cinema, mas o ato já não é sexy. Por quê? Entenda em 5 exemplos
Filmes que disputam temporada de premiações são repletos de cenas de intimidade, mas sem clareza emocional e com foco em dinâmicas de poder
De vez em quando, um debate tedioso surge nas mídias sociais: cenas de sexo são mesmo necessárias em filmes? A Geração Z, dizem, quer ver menos delas.
E ainda assim a resposta é clara se os concorrentes desta temporada de premiações têm algo a dizer: sim, sexo é crucial para o cinema.
Os filmes na disputa são cheios de sexo. "Anora" gira em torno de uma trabalhadora do sexo, e mostrá-la no trabalho é central para a narrativa. "Babygirl" é sobre uma mulher explorando os desejos que ela considera vergonhosos.
Até mesmo "Nosferatu" é em grande parte sobre sexo: a recontagem de Robert Eggers do conto clássico de vampiros centra-se nas luxúrias da presa do conde morto-vivo, Ellen.
Mas nenhuma das cenas de sexo nestes e em outros filmes recentes é emocionalmente clara.
Qualquer excitação que possam inspirar vem com um asterisco: os diretores estão usando os momentos para explorar dinâmicas de poder complexas entre as personagens.
Essas cenas são destinadas a gerar discussão, não excitação. Cinco em particular fazem isso especialmente bem:
Anora
A primeira metade de “Anora” de Sean Baker se desenrola, de muitas maneiras, como uma comédia romântica tradicional. Um casal incompatível — a trabalhadora do sexo Ani (Mikey Madison) e o herdeiro oligarca Ivan (Mark Eydelshteyn) — se conhece e se casa após um rápido namoro.
Mas suas cenas de sexo são tudo menos românticas. Em vez disso, elas são interpretadas quase inteiramente para comédia.
O sexo é transacional — afinal, ele está pagando por isso — mas também é extremamente rápido.
Madison desencadeou polêmica quando disse à Variety que se recusou a usar um coordenador de intimidade no set.
Para uma entrevista com o The New York Times, ela me descreveu o trabalho mais como “fotos de sexo” do que cenas de sexo.
Isso é verdade para o momento na tela: a relação sexual em si dura cerca de 10 segundos. Ivan tem um orgasmo muito rápido, e Ani reprime uma risada.
A próxima coisa que você sabe é que Baker corta para Ivan ligando a TV. Ele está satisfeito; para ela, é apenas mais um dia no escritório. A interação parece uma piada, e o público deve rir.
Aqui, Baker está estabelecendo a dinâmica desigual. Ani é muito mais experiente sexualmente, mas isso não compensa o fato de que a riqueza de Ivan significa que ela está totalmente em dívida com ele.
Ani não está ciente disso inicialmente, mas quando a realidade da situação se torna evidente na segunda metade do filme, e Ivan foge ao primeiro sinal de uma ameaça de seus pais, ela percebe o quão pouco controle tem sobre ele.
Nosferatu
O grande final de “Nosferatu” de Robert Eggers tem provocado debates desde que seu filme foi lançado no mês passado: é distorcidamente romântico? Ou brutalmente horrível? Ou algo entre os dois?
À medida que a peste se espalha em sua cidade, Ellen (Lily-Rose Depp) percebe que a única maneira de parar o reinado de terror desencadeado pelo Conde Orlok (Bill Skarsgard) é se sacrificar a ele.
Isso significa mantê-lo com ela até o amanhecer. Enquanto seu marido sai em uma caçada inútil pensando que está caçando o vampiro, ela veste um vestido de noiva e recebe Orlok em seu quarto.
Ela se despe e, quando ele crava os dentes em seu peito, ela aparece em um estado de êxtase. Quando ele começa a notar o sol, ela se levanta para embalar seu rosto mais uma vez.
Enquanto eles jazem mortos nos braços um do outro, com flores cercando seu cadáver ressecado sobre o dela ainda jovem, eles parecem menos vilões do que amantes trágicos.
É claro que o fato de Orlok ser um sugador de sangue centenário e Ellen ser uma jovem levanta questões de consentimento, especialmente considerando como ele possuiu sua mente e corpo.
Mas Eggers deixa claro que ela está agindo por vontade própria e que seu desejo não pode ser facilmente explicado ou definido.
Quando ela conheceu Orlok no passado, ela sentiu prazer com ele; o mesmo é verdade em seu abraço final.
Babygirl
Quando Romy (Nicole Kidman) e Samuel (Harris Dickinson) se encontram pela primeira vez em um quarto de hotel em “Babygirl”, de Halina Reijn, eles não têm ideia do que estão fazendo.
Romy, a executiva-chefe de uma empresa de robótica, parece não acreditar que ela tenha chegado a esse lugar, toda vestida com um top transparente.
Samuel, por sua vez, fica tão perplexo quanto tenta exercer a dominação que ele sentiu, corretamente, que Romy quer.
Ambos parecem achar a situação um pouco engraçada. Quase toda a cena é preliminar até que Reijn se concentra no rosto de Kidman enquanto ela está prostrada no tapete, e Samuel coloca a mão na saia dela.
O roteiro de Reijn é específico sobre a natureza confusa da interação deles. Romy está ciente de que pode ser vista como exploradora de Samuel.
Afinal, ela é mais velha e, literalmente, sua chefe. Ela tenta manter aquele ar de autoridade, repreendendo-o por sua ousadia.
A resposta de Samuel, no entanto, é uma provocação: se ele revelar o que está acontecendo, ela pode perder sua família e seu emprego.
Mas Reijn não deixa Romy sem agência. Aquela cena de seu rosto enquanto ela tem um orgasmo prova que, embora ela goste de ouvir o que fazer sexualmente, o próprio ato de receber prazer é fortalecedor para ela. Há vergonha, mas também triunfo.
Queer
O desespero jorra de cada quadro do primeiro encontro sexual entre Lee (Daniel Craig), um escritor alcoólatra, e Allerton (Drew Starkey), o jovem objeto de seu fascínio, em “Queer”, de Luca Guadagnino.
Em 1950, na Cidade do México, o indiferente Allerton, no apartamento de Lee pela primeira vez após uma noite de bebedeira, vomita em seu vaso sanitário e senta-se na cama.
Em sua embriaguez, ele convida a fome de Lee por ele. Lee aproveita a oportunidade para fazer sexo oral em Allerton.
Guadagnino filma isso como se Lee estivesse adorando no altar do personagem de Starkey. Lee é ganancioso em seu consumo físico, mas Allerton olha para ele com uma mistura de luxúria, pena e autoridade.
Quando Allerton retribui, ele se aproxima de Lee, deixando claro que o homem mais velho está totalmente sob seu controle.
É um olhar que fala do vínculo desconfortável entre esses dois. Allerton mantém Lee à distância, e Lee o persegue vorazmente.
Este momento inicial que testemunhamos é cheio de desejo e, embora não seja exatamente unilateral, é cheio de desequilíbrios que nos desviam.
E, simbolicamente, o que há com o vômito? Allerton precisava se purgar antes de deixar Lee atuar?
Rivais
Uma reclamação que ouvi sobre “Rivais” é que, embora o filme tenha sido aclamado como sexy, não há muitas cenas de sexo reais.
Na verdade, apenas uma vez fica claro que a relação sexual acontece: quando Tashi (Zendaya) fica com seu ex, Patrick (Josh O’Connor), em seu carro na noite anterior à partida com seu marido, Art, que por acaso é seu ex-melhor amigo (Mike Faist).
Mesmo nessa ficada, as batidas mais explícitas acontecem fora da tela. Eu diria que a falta de cenas de sexo completas é intencional — o diretor, Luca Guadagnino novamente, guardou a energia erótica mais intensa para a quadra de tênis.
Exceto, é claro, na cena muito comentada perto do início do filme quando Tashi, Patrick e Art, ainda adolescentes, se encontram em um quarto de hotel durante o US Open.
Ela convida os rapazes a se sentarem de cada lado dela e começa a beijar cada um. Ela então os convida a beijar seu pescoço ao mesmo tempo, antes de eventualmente juntarem seus rostos, com um sorriso malicioso se espalhando em seu rosto.
Eles se perdem até que ela quebra o feitiço. É isso que o sexo é para ela: um jogo, assim como o esporte em que ela se destaca.