Oscar

Como os brasileiros estão ajudando a fazer de "Ainda Estou Aqui" e Fernanda Torres fortes no Oscar

Redes de veículos de imprensa de Hollywood viraram outdoor gratuito para longa nacional

Selton Mello e Fernanda Torres em cena de 'Ainda Estou Aqui"
Selton Mello e Fernanda Torres em cena de 'Ainda Estou Aqui" - Divulgação / Alile Dara Onawale

Muita coisa explica o fenômeno por trás de " Ainda estou aqui" nos cinemas mundiais e na temporada de premiações: a qualidade da história, os envolvidos na produção, o prestígio internacional de Walter Salles, o investimento da Sony Pictures em uma campanha global de promoção e por aí vai.

Mas um elemento surpresa tomou Hollywood de espanto: a presença brasileira nas redes sociais.

É bem verdade que a força dos brasileiros nas redes não é novidade. Muitos dos votantes do Oscar já devem ter recebido em seus comentários aquelas palavrinhas mágicas: "Please come to Brasil".

E também é certo que a votação do Oscar, e da maioria das premiações cinematográficas, é feita entre os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Não existe voto popular. Mas no estado atual da sociedade e com a força das redes sociais, também não é possível desconsiderar seu impacto.

O burburinho internacional acerca de "Ainda estou aqui" teve início após sua estreia no Festival de Veneza. Ali, o filme já foi citado como forte concorrente ao Oscar, o que foi reafirmado após passagens pelos festivais de cinema de Toronto, Londres e Nova York. Mas o jogo mudou mesmo no dia 17 de novembro.

Nesta data, a Academia postou em seu perfil no Instagram uma foto de Fernanda Torres em participação no Governors Awards, evento em que a organização distribui Oscars honorários para os homenageados do ano.

Desde então, a foto teve 2,9 milhões de likes e 845 mil comentários, números muito acima da média do perfil.

De novembro até hoje, nenhuma publicação na página teve engajamento semelhante.

"Engajamento", por sinal, é a palavra chave. Nos últimos quatro meses, nenhum filme rendeu tantos likes e comentários nas redes quanto a produção brasileira.

E os veículos de imprensa americana, especializados na temporada de premiações, perceberam isso rapidamente.

Fotos do filme, quase sempre com Fernanda Torres em destaque, passaram a ilustrar posts quase diários em sites como IndieWire, Deadline e The Playlist, e outras publicações de prestígio como Variety, Hollywood Reporter, LA Times, dentre muitas outras, seguiram o mesmo caminho.

A Vanity Fair, por exemplo, publicou um perfil de Fernanda em novembro com a chamada "Ícone brasileiro se torna global".

Desde então, o veículo compartilhou a matéria inúmeras vezes em suas redes sociais.

O IndieWire, bem antes do anúncio dos indicados ao Oscar, chegou a compartilhar um post com previsões para a categoria de melhor atriz que trazia uma foto de Fernanda, mas não citava a atriz dentre as principais apostas.

Na semana passada, o mesmo IndieWire compartilhou entrevistas em vídeo com Fernanda Torres e Ariana Grande no Festival de Cinema de Santa Bárbara. A publicação com a brasileira teve mais likes (9,4 mil x 2,2 mil) e comentários (926 x 27), mesmo com a cantora americana tendo muito mais seguidores nas redes sociais (376 milhões x 4,2 milhões).

Por sinal, o post de Ariana, compartilhado no feed de seu Instagram, em que mostra o momento em que conhece a brasileira, já recebeu mais de 3 milhões de likes.

A verdade é que "Ainda estou aqui" ganhou uma visibilidade on-line na temporada de premiação que é difícil de mensurar.

Se o filme teria dificuldade de rivalizar no investimento em marketing e propaganda com gigantes como Netflix ("Emilia Pérez"), Universal ("Wicked" e "O brutalista") e Disney/Fox ("Um completo desconhecido"), a exposição gratuita em busca do engajamento brasileiro acaba compensando.

É claro que outros fatores ajudaram. O carisma de Fernanda Torres, em suas aparições públicas em eventos e entrevistas internacionais, também foi fundamental para alimentar a "febre brasileira" e passar a sensação de que "Ainda Estou Aqui" é um fenômeno da temporada.

E é mesmo. Até o momento, o filme já faturou mais de R$ 100 milhões nas bilheterias mundiais, sendo US$ 2,2 milhões apenas nos cinemas dos Estados Unidos, onde está em cartaz em 700 salas, um recorde para produções brasileiras.

"Defender 'Ainda estou aqui' e sua protagonista, Fernanda Torres, tornou-se praticamente um passatempo nacional", definiu matéria recente do New York Times.

A Variety, que nas redes vem sendo apelidada de "Variety da Silva" de tantas matérias sobre o filme brasileiro que tem publicando, ouviu Fernanda sobre o fenômeno.

— O Brasil é uma máquina de poder na internet. Somos usuários pesados. Dez anos atrás, eu não queria estar online. Eu não queria vender minha vida privada. Mas meu agente disse que era importante para meu trabalho teatral, então construímos minha presença na internet em torno disso. Agora, depois do Globo de Ouro, disparou. É surreal — afirmou a atriz à publicação.

Em entrevista ao Globo, em novembro, Valentina Herszage, que interpreta Vera Paiva em "Ainda Estou Aqui", definiu sua "mãe das telas" como "viciante".

E é interessante notar como este vício tomou o mundo graças ao impulso de brasileiros nas redes, seja compartilhando memes antigos da estrela de "Os normais" e "Tapas & beijos" (que agora virou "Slaps and kisses"), seja divulgando e celebrando cada passo dado por Fernanda ao redor do mundo.

Em alguns momentos, a presença on-line de brasileiros correu o risco de "passar do ponto".

O jornal francês Le Monde, após publicar uma crítica negativa de "Ainda Estou Aqui", lamentou ter tido que apagar 21 mil comentários raivosos de brasileiros em suas redes.

A atriz Karla Sofía Gascón também chegou a reclamar de ataques de fãs de Fernanda Torres, antes de cair em desgraça após a revelação de posts antigos no X em que atacava minorias, artistas e até mesmo a diversidade no Oscar, dentre muitos outros temas.

Se o Oscar vai vir só saberemos no dia 2 de março, um domingo de carnaval.

No momento, "Ainda Estou Aqui" é tido como favorito na corrida de melhor filme internacional, enquanto que Fernanda parece estar um pouco atrás de Demi Moore ("A substância"). Mas se depender da força nas redes sociais, a brasileira já é campeã. E não tem pra mais ninguém.