EUROPA

Provável futuro chanceler da Alemanha promete 'independência' dos EUA e questiona futuro da Otan

Friedrich Merz também disse ser hora de explorar a cooperação nuclear entre França, Reino Unido, Alemanha e outros países para substituir o programa americano

Friedrich Merz
Friedrich Merz - Ina Fassbender/AFP

Antes mesmo de os resultados finais da eleição na Alemanha darem a vitória dos conservadores no domingo (23), Friedrich Merz, o provável novo chanceler do país, já indicou qual será a sua prioridade no governo. Prestes a liderar a maior economia e o país mais populoso da Europa, ele declarou que o bloco deve buscar “alcançar a independência” dos Estados Unidos, sugerindo que o continente pode até mesmo encontrar um substituto para a Otan, a aliança militar do Ocidente, nos próximos meses.

— Minha prioridade absoluta será fortalecer a Europa o mais rápido possível para que, passo a passo, possamos realmente alcançar a independência dos EUA — disse o alemão. — Pelo menos desde as declarações de Donald Trump na semana passada, está claro que os americanos, ou pelo menos parte dos americanos, neste governo, são amplamente indiferentes ao destino da Europa.

O discurso de Merz marca um momento histórico: ele revela o impacto de Trump sobre os alicerces políticos da Europa, que depende das garantias de segurança americanas desde 1945, publicou o Politico. Se levar adiante a retórica após formar um novo governo nas próximas semanas, o futuro chanceler alemão pode conduzir a Europa em uma direção radicalmente nova em um momento crítico para a segurança da Ucrânia, em guerra com a Rússia, e da região em geral.

— Estou muito curioso para ver como vamos nos encaminhar para a cúpula da Otan no final de junho — acrescentou Merz, que passou grande parte de sua carreira profissional como advogado trabalhando com e para empresas americanas. — Se ainda estaremos falando sobre a Otan em sua forma atual ou se teremos que estabelecer uma capacidade de defesa europeia independente muito mais rapidamente.

As declarações do provável próximo líder são as mais contundentes do que as de qualquer outro chefe de governo em resposta às falas de Trump contra a Europa e a Ucrânia – e não foram feitas de maneira isolada. Na sexta-feira, ele já havia sugerido que era hora de explorar a cooperação nuclear entre França, Reino Unido, Alemanha e outros países para substituir o programa americano, que tem garantido a segurança europeia contra possíveis ataques russos.

Com 28,6% dos votos, a coalizão entre a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU) – por anos dirigida pela ex-chanceler Angela Merkel, e agora liderada por Merz – foi a mais votada, mas precisará se aliar aos desgastados social-democratas de Olaf Scholz para alcançar a maioria no Bundestag, o Parlamento alemão.

Ainda assim, Merz já decidiu que precisa assumir o papel de liderança europeia, algo que a Alemanha não conseguiu fornecer nos últimos meses devido, em grande parte, à campanha eleitoral. A Europa também sofreu com uma liderança enfraquecida na França, onde o presidente Emmanuel Macron tem lutado para manter qualquer forma de governo após sua aposta de convocar eleições antecipadas ter fracassado.

Enquanto isso, nos EUA, o primeiro mês de Trump de volta à Casa Branca foi marcado por críticas ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a quem chamou de “ditador” – ao mesmo tempo em que pressionou por um acordo em troca do apoio militar de Washington – e pelo início das negociações unilaterais com o presidente russo, Vladimir Putin. A administração do republicano também deixou claro que as tropas americanas podem não permanecer na Europa por muito tempo.

— Não tenho nenhuma ilusão sobre o que está acontecendo nos EUA — disse Merz em debate televisionado no domingo à noite.

— Basta olhar para as recentes interferências na campanha eleitoral alemã por parte de Elon Musk. Isso é algo sem precedentes. As interferências vindas de Washington foram tão dramáticas, drásticas e ultrajantes quanto as que vimos vindas de Moscou. Estamos sob pressão massiva dos dois lados, e minha prioridade absoluta agora é realmente criar unidade na Europa.

Merz ainda disse ter uma esperança “residual” de que o Congresso americano e a Casa Branca não excluam completamente a Ucrânia de quaisquer negociações de paz, embora ele não parecesse otimista. No mesmo pronunciamento, o alemão disse não ter certeza de qual será a posição de Washington sobre a guerra nas próximas semanas e meses, embora sua impressão seja a de que a Rússia e os EUA “estão se aproximando, passando por cima da Ucrânia e, portanto, da Europa”.

Ao comentar sobre o pleito, Trump não mencionou nem Merz pelo nome, mas ofereceu felicitações aos vencedores na Alemanha, reivindicando o crédito para si mesmo. Nas redes sociais, ele escreveu que, assim como nos Estados Unidos, “o povo da Alemanha se cansou da agenda sem o mínimo de bom senso, especialmente em relação à energia e à imigração, que tem prevalecido por tantos anos”.

“Este é um grande dia para a Alemanha, e para os Estados Unidos da América, sob a liderança de um senhor chamado Donald J. Trump. Parabéns a todos – muitas outras vitórias virão”, escreveu o americano, sugerindo que a guinada do país para a direita fazia parte de uma mudança política que a Alemanha compartilhava com os EUA. Ele também não mencionou o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), apoiado por Musk, que despontou em segundo lugar ao alcançar 20,8% dos votos – o maior resultado em 90 anos.