SHERPAS

Em reunião do Brics, Vieira diz que países em desenvolvimento não devem ser 'meros espectadores'

Mauro Vieira defendeu o multilateralismo e criticou o protecionismo comercial

Em reunião do Brics, Vieira diz que países em desenvolvimento não devem ser 'meros espectadores'
Em reunião do Brics, Vieira diz que países em desenvolvimento não devem ser 'meros espectadores' - Pedro França/Agência Senado/arquivo

Ao abrir, nesta terça-feira (25), a reunião de sherpas (enviados especiais de seus países) do Brics, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, fez um discurso em defesa do multilateralismo.

Segundo ele, a ordem internacional passa por mudanças significativas, com o aprofundamento das tensões geopolíticas, o aumento das desigualdades e as rápidas transformações tecnológicas e econômicas desafiam as estruturas tradicionais de governança.

— A resposta mais eficaz à crise do multilateralismo é mais multilateralismo — mais forte e mais inclusivo em todas as esferas — disse o chanceler do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos grandes desafios do Brics é ganhar uma importância maior nos grandes debates mundiais, afirmou Vieira. Ele acrescentou que, com base nesse princípio, é preciso fazer uma reforma da governança global, tanto das instituições financeiras multilaterais, como no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

— As instituições mundiais devem evoluir para acomodar perspectivas diversas, garantindo que as nações em desenvolvimento não sejam meros espectadores, mas sim arquitetos ativos do futuro. O Brics representa uma nova visão de governança global, que prioriza inclusão, equidade e cooperação em detrimento da hegemonia, injustiça, desigualdade e unilateralismo — afirmou.

O Brics tem 11 países membros (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã) e nove nações parceiras (Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão). A segunda categoria participa das reuniões, mas não tem direito a voto.

— Instituições de longa data enfrentam dificuldades para se adaptar, enquanto economias emergentes reivindicam, com razão, um papel mais equitativo na definição de decisões que nos afetam a todos. Nesse cenário em evolução, o Brics desempenha um papel fundamental na promoção de uma ordem mundial mais justa, inclusiva e sustentável — completou.

Vieira enfatizou que, hoje, há um aumento alarmante das crises humanitárias, conflitos armados, deslocamentos forçados, insegurança alimentar e instabilidade política. Para enfrentar esses desafios, o ministro defendeu uma reforma abrangente da arquitetura global de segurança e afirmou que o Brics deve adotar uma abordagem multilateral na resolução de conflitos.

— Devemos também promover um sistema humanitário que seja isento de pressões políticas, neutro e verdadeiramente universal — garantindo que a ajuda chegue a quem dela necessita sem condicionalidades ou motivações políticas.

Sem citar nomes, mas em uma referência velada ao presidente Donald Trump, Mauro Vieira disse que o mundo testemunha, hoje, um processo de "desglobalização", com políticas protecionistas, fragmentação comercial, barreiras não econômicas e a reconfiguração das cadeias de suprimentos. Segundo ele, o Brics deve resistir a essa realidade e advogar por um sistema de comércio multilateral aberto, justo e equilibrado.

Além da reforma da governança global, Vieira ressaltou que a presidência brasileira do Brics — que terá como ponto forte uma reunião de líderes do bloco, em julho deste ano — se concentrará em duas áreas centrais: cooperação do Sul Global e uma parceria para o Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental, visando trazer soluções para onde o mundo mais necessita.

Mauro Vieira ressaltou que o Brasil tem seis prioridades na presidência do Brics: cooperação em saúde global; comércio, investimento e finanças; combate à mudança do clima; governança da inteligência artificial; reforma do sistema multilateral de paz e segurança; e desenvolvimento institucional do Brics.

O chanceler reiterou a posição do Brasil em busca de soluções para melhorar o comércio entre os países do bloco. Uma delas, que levou o presidente dos EUA a ameaçar o bloco, por temer a redução do dólar nas transações, é a criação de um sistema de pagamentos em moedas locais.

— Nossa presidência se concentrará em maneiras de aumentar os fluxos comerciais, tanto explorando medidas de facilitação de comércio quanto estimulando instrumentos de pagamento em moedas locais — disse.

Vieira afirmou que a crise climática é o maior desafio da atualidade. Disse que, embora as nações dos Brics tenham assumido compromissos importantes em prol da sustentabilidade, há um grande déficit de financiamento que prejudica os esforços de adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global em países em desenvolvimento.

— Apesar de contribuir pouco para as emissões históricas de gases de efeito estufa, o Sul Global é o que mais sofre com as consequências das mudança do clima — de eventos climáticos extremos à elevação do nível do mar e perda de biodiversidade. Enfrentar essa crise exige não apenas ambição, mas também justiça. A justiça climática deve estar no centro das discussões internacionais, garantindo que as nações em desenvolvimento tenham tanto a autonomia quanto os recursos necessários para realizar a transição rumo a economias de baixo carbono, sem abrir mão de seus objetivos de desenvolvimento.

A reunião de sherpas termina nesta quarta-feira. É esperada a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no encerramento do evento.