Justiça

Ex-presidente filipino Rodrigo Duterte assume responsabilidade por acusações no TPI

Ainda um dos políticos mais populares do país, Duterte foi preso na terça-feira por acusações de crimes contra a humanidade quando estava no poder

Aeronave levando o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte chega a Roterdã, na Holanda
Aeronave levando o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte chega a Roterdã, na Holanda - John Thys / AFP

No dia em que foi entregue ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte assumiu sua “responsabilidade” diante de acusações por crime contra a humanidade, ligada à sua política de repressão às drogas que deixou dezenas de milhares de mortos.

Ele foi preso na terça-feira em Manila, logo após a emissão de uma ordem internacional de detenção.

— Fui eu que comandei as forças de segurança e o exército. Disse que os protegeria e assumo minha responsabilidade — declarou Duterte ao chegar à sede do TPI, em Haia, em vídeo divulgado em suas redes sociais.

Antes de embarcar para a Holanda, disse, também em suas redes sociais, para seus apoiadores “não se preocuparem”.

— Acho que isso tem algo a ver com a lei e a ordem então. E eu digo à polícia, aos militares, vocês fizeram seu trabalho e eu serei responsável — disse Duterte. — Este será um longo processo legal, mas eu lhes digo, continuarei a servir meu país e que assim seja se esse for meu destino.

Em comunicado, o procurador do TPI, Karim Khan, disse que a prisão de Duterte “a prisão do Sr. Duterte é um acontecimento importante” para apontar responsabilidades por “alegados crimes cometidos no contexto da chamada campanha de ‘guerra às drogas’”.

Ele foi detido na terça-feira (madrugada de segunda-feira o Brasil) ao chegar em Manila vindo de Hong Kong, onde participou de um evento político.

Imediatamente foi levado a uma base da Força Aérea antes de embarcar no jato que o levou à Holanda. Ao todo, 370 agentes foram mobilizados para cumprir a ordem do tribunal.

Rodrigo Duterte, de 79 anos, comandou as Filipinas entre 2016 e 2022, e teve como bandeira central do governo uma política de tolerância zero ao tráfico de drogas, aliada ao uso indiscriminado de violência, inclusive contra inocentes.

Antes de chegar à Presidência, quando era prefeito da cidade de Davao, no sul do país, foi acusado de criar um “esquadrão da morte”, modelo que, segundo os investigadores, foi replicado em escala nacional após ser eleito presidente.

A investigação do TPI é relativa aos atos ocorridos entre 2011 e 2019, quando o país deixou o tribunal.

Em comunicado, a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, afirmou que a prisão foi “um passo monumental e aguardado há muito tempo por justiça para as milhares de vítimas e sobreviventes da ‘guerra às drogas’ de sua administração, que transformou grande parte das Filipinas em uma nação de luto”.

— O homem que disse, “meu trabalho é matar” supervisionou os tiroteios até a morte de vítimas, incluindo crianças, como parte de uma campanha deliberada, generalizada e bem organizada de assassinatos sancionados pelo Estado — disse Callamard, em declarações distribuídas pela Anistia.

Gilbert Andres, advogado das vítimas da guerra contra o tráfico de drogas, disse à AFP do lado de fora do TPI que seus clientes estão "muito gratos a Deus porque suas orações foram ouvidas".

— A prisão de Rodrigo Duterte é um sinal forte para a justiça penal internacional. Significa que ninguém está acima da lei — acrescentou Andres.

Apesar das denúncias e da prisão, Duterte é um dos políticos mais populares das Filipinas, e era candidato a mais um mandato como prefeito de Davao.

Sua filha, Sara, foi a vice na chapa vitoriosa de Ferdinando Marcos Jr., filho do ditador Ferdinando Marcos, à Presidência, em 2022.

Mas a aliança entre os dois clãs políticos mais poderosos das Filipinas começou a perder liga, e a relutância inicial de Marcos a investigar as denúnicas contra Duterte deu lugar ao cumprimento da ordem de prisão sem rodeios: ao falar sobre o caso, disse apenas que estava cumprindo uma convenção internacional.

Já Sara Duterte disse que seu pai foi "levado à força para Haia" e chamou a transferência de "opressão e perseguição".

Rodrigo Duterte, o primeiro ex-chefe de Estado da Ásia a se sentar no banco dos réus em Haia, deve comparecer para sua primeira audiência nos próximos dias.

Nas Filipinas, seus advogados entraram com um recurso contra a extradição na Suprema Corte, acusando Manila de “sequestrá-lo”.

O argumento central é que o país não integra mais o TPI desde 2019, e que, por isso, não estaria mais sujeito à sua jurisdição, mas o tribunal manteve a competência em relação a possíveis crimes cometidos antes dessa data, incluindo os assassinatos em Davao quando ele era o prefeito.

— O TPI só pode exercer sua jurisdição se o sistema legal de um país não estiver funcionando — disse o advogado Salvador Paolo Panelo Jr. aos repórteres, citado pela AFP.

Uma porta-voz da Presidência rejeitou as alegações de sequestro.

— Não se trata apenas de entregar um cidadão filipino; trata-se de entregar um cidadão filipino que é acusado de crimes contra a humanidade, especificamente assassinato — declarou.