Aposentadoria custa mais para o Governo
O gasto do poder público com o servidor inativo é triplo do valor pago pelo INSS ao aposentado
As regras da Previdência vão ficar ainda mais duras - Leo Motta
Um funcionário público da União que se aposentar neste ano, aos 60 anos de idade e com expectativa de viver até os 80, custará R$ 3,34 milhões para os cofres do Governo. Esse é o valor médio, por servidor, que será desembolsado pela União para garantir o pagamento das aposentadorias ao funcionalismo, segundo cálculo da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados. Se esse servidor for um militar, o montante é ainda maior: R$ 4,92 milhões.
No caso dos empregados da iniciativa privada, que contribuem com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o valor por pessoa apresenta um desequilíbrio menor, mas ainda assim tem impacto considerável para os cofres públicos. Um trabalhador da área privada que se aposentar neste ano, com expectativa de mais 20 anos de vida, custará, em média, R$ 1,1 milhão aos cofres públicos.
Esse custo existe devido a desequilíbrios históricos dos regimes de Previdência no Brasil, que têm distorções e beneficiaram grupos específicos. O valor extra não deveria existir em nenhum caso, porque representa um desembolso além daquilo que o Governo já paga à Previdência na condição de empregador.
“A sociedade já está pagando, por meio do empregador, a contribuição patronal. Então não era para ter de pagar mais nada depois”, afirma o consultor de Orçamento da Câmara Leonardo Rolim. Esse desequilíbrio é chamado tecnicamente de déficit atuarial dos regimes de Previdência e significa que, se fosse necessário pagar hoje todos os benefícios - atuais e futuros -, não haveria recursos suficientes, e o Tesouro seria obrigado a desembolsar esse montante.
O cálculo relativo ao regime geral foi feito pela Consultoria de Orçamento da Câmara a pedido da reportagem. Rolim esclarece que, como o regime geral prevê entrada de novas pessoas e tem avaliação atuarial só até 2060, o cálculo é aproximado e considera um déficit estável a partir de 2061.
Estados
Para Estados e municípios, o déficit atuarial per capita também é menor que o da União. Nos Estados e no Distrito Federal, é de R$ 1,03 milhão. Nas capitais, é de R$ 161 mil, e, nos demais municípios, de R$ 97 mil. Com a reforma da Previdência que o Governo Michel Temer vai enviar ao Congresso, a ideia é criar uma regra única de aposentadoria - com idade mínima de 65 anos e tempo mínimo de contribuição de 25 anos - para funcionários públicos e privados.
Embora afirme que os militares têm de ter regras diferentes, Rolim defende a necessidade de equiparar a contribuição deles, hoje em 7,5%, à dos civis, que é de 11%. Além disso, sugere a criação de idade mínima - atualmente, só é exigido tempo de contribuição, de 30 anos.
“Primeiro, a contribuição dos militares é menor. Segundo, o gasto com pensão é muito maior. Terceiro, eles se aposentam muito mais jovens. Juntando essas três coisas, dá essa bomba”.
No caso dos civis, segundo Rolim, o problema são os privilégios concedidos no passado. “A Constituição criou um trem da alegria gigantesco. Ela trouxe para o Regime Jurídico Único [que abrange o funcionalismo] os funcionários das fundações federais, principalmente os das universidades”, afirma.
Para a Consultoria de Orçamento da Câmara, a União tem o regime de Previdência “mais desestruturado”, que não tem uma unidade gestora e tampouco um conselho gestor. Além disso, cada Poder tem o seu próprio sistema de pessoal e apenas envia informações uma vez por ano ao Ministério da Fazenda para elaboração da avaliação atuarial.
Trabalhador teme prejuízo com reforma
A informação de que o Governo vai endurecer as regras da Previdência preocupa funcionários públicos e trabalhadores da iniciativa privada. O designer gráfico Leonel Laterza, 51, servidor do Judiciário há 30 anos, tem, na ponta da língua, a estimativa do tempo extra que pode ter de trabalhar.
“Quando eu entrei no Judiciário, poderia me aposentar aos 54. Depois, teve mudança e a idade foi a 57. Agora, vou me aposentar só aos 60”.
O cálculo de Laterza foi feito com base na ideia do Governo de aplicar uma transição para homens a partir de 50 anos e mulheres a partir de 45. Em vez de entrarem totalmente nas novas regras, pagariam um pedágio de 50% do tempo que falta para aposentadoria. No caso dele, em vez de trabalhar mais seis anos, faltariam nove anos.
“Isso é mudar a regra no meio do jogo. Concordo que tem que ter reforma, mas antes da contratação”, afirmou. “Se me aposentar aos 60, tudo bem. Mas e se, no meio do caminho, ampliarem o prazo? Eu não quero me aposentar e ir para o hospital. Estou achando que vou me aposentar aos 90. Não confio mais”.
Dona de um estúdio de pilates, Eliana Uno, 46, procura um plano de previdência complementar. Pelo INSS, ela diz que terá de contribuir por muito tempo para receber um benefício bem menor que o rendimento atual.
“Eu deveria ter buscado essa opção antes. Agora, já penso em fazer plano de previdência complementar para os meus filhos, de 19 e 21 anos”. A iminência da reforma da Previdência preocupa até quem já possui os requisitos atuais para se aposentar. Nesses casos, o Governo garante que não terá alteração.
Com condição de se aposentar desde 2009, a servidora Rosângela da Silveira, 57, teme uma mudança de regras antes do início de 2017, quando pretende se aposentar. “A população que tem que pagar tudo, com imposto e outras contribuições. Nós, aposentáveis, trabalhamos pelo menos 35 anos de nossas vidas e, quando deveríamos desfrutar da nossa merecida aposentadoria, somos engolidos por políticas que não nos respeitam”.
A defensora pública federal Diana Andrade notou apreensão dos trabalhadores. “As preocupações são as mais diversas. As pessoas já começam a pensar no que vai acontecer com a vida delas, ainda que a proposta não tenha sido enviada”. A Justiça pode ser acionada se a reforma for aprovada, segundo ela.”Podemos recorrer ao Judiciário, individualmente, para questionar a constitucionalidade de eventuais retrocessos”.