Antepassado dos dinossauros é descoberto no Brasil

Fósseis vêm da pequena São João do Polêsine, cidade com menos de três mil habitantes

Raul Henry e Fernando Bezerra Coelho - Folha de Pernambuco

Dois fósseis brasileiros de 230 milhões de anos que acabam de ser apresentados oficialmente à comunidade científica ajudam a entender como os dinossauros surgiram e se diversificaram. Numa palavra: devagarzinho.

É o que se depreende da convivência entre um dos mais antigos dinos conhecidos, o predador Buriolestes schultzi, de apenas 1,5 m de comprimento, e um carnívoro ainda menor, o Ixalerpeton polesinensis (que media 0,5 m). À primeira vista, eles são muito parecidos -um tem cara de ser a miniatura do outro, praticamente-, mas o bicho menor não era bem um dinossauro. Pertencia, na verdade, a um outro grupo de répteis bípedes, os lagerpetídeos, derivado do mesmo tronco que também deu origem aos dinos.

"Você vê um momento de experimentação com muitas formas diferentes de animais, muitas das quais acabam se extinguindo. É um 'miolo' muito complicado", diz o paleontólogo Max Cardoso Langer, da USP de Ribeirão Preto. Ele coordena o estudo que está saindo na revista especializada "Current Biology". Também assinam a pesquisa Sergio Cabreira, da Universidade Luterana do Brasil, e Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ, entre outros cientistas.

Os fósseis vêm da pequena São João do Polêsine, cidade com menos de três mil habitantes fundada por imigrantes italianos no interior gaúcho, e datam do período Triássico. Os esqueletos estão bastante completos -até hoje, dinos primitivos só tinham sido encontrados ao lado de seus primos próximos em estado bastante fragmentado.

Além disso, se a análise proposta pelos cientistas brasileiros estiver correta, o B. schultzi é o mais primitivo dos sauropodomorfos -o grupo que, mais tarde, dará origem aos imensos quadrúpedes pescoçudos e herbívoros conhecidos popularmente como brontossauros. A ironia é que o grupo parece ter começado com uma criatura que se alimentava de carne, e não de plantas.

Alguns detalhes cruciais denunciam a diferença entre o dinossauro propriamente dito, batizado de, e o lagerpetídeo. Um deles é o chamado osso pós-frontal, que fica na órbita ocular do crânio do I. polesinensis. "Foi algo difícil de identificar no começo, a gente ficou pensando 'pô, mas que porcaria é essa?'. Trata-se de um osso que nunca está presente em dinossauros", conta Langer.

Além disso, embora ambos os bichos fossem bípedes, os ossos da pelve do lagerpetídeo sugerem que ela não tinha uma postura tão ereta quanto a do dino seu contemporâneo, com patas mais "espalhadas" na lateral ao se movimentar.

MIOLO EMBOLADO

Segundo Langer, a complicada situação evolutiva dos primeiros dinossauros e de seus primos "não dinossaurianos" fica menos esquisita se for comparada com a dos primórdios da evolução humana, que é igualmente complexa.

"No caso do homem, a gente tende a olhar as coisas pelo prisma de quem já sabe o suposto final da história, que é o aparecimento do Homo sapiens. O equivalente no caso dos dinossauros é ver os bichos mais conhecidos do Jurássico e do Cretáceo e achar que a evolução estava conduzindo os animais mais primitivos para atingir uma meta específica, o que não é verdade, lógico", explica ele.

Quando se esquece por um momento o destino de ambos os grupos, fica claro que nunca houve uma sequência do tipo "escadinha evolutiva" levando aos tiranossauros ou ao homem moderno, mas sim algo como arbustos genealógicos, ou seja, inúmeros grupos evoluindo mais ou menos ao mesmo tempo e experimentando estratégias ligeiramente diferentes de sobrevivência.

Essa situação embolada só muda com o fim do período Triássico, há 200 milhões de anos, quando os dinos propriamente ditos deslancham de vez como o mais importante grupo de vertebrados terrestres, enquanto muitos de seus parentes somem durante um evento de extinção em massa (talvez ligado a grandes erupções vulcânicas).

Não está claro o porquê de os dinos terem escapado dessa hecatombe para reinar no Jurássico. Langer cita algumas possibilidades: a sua postura bípede e ereta, que lhes conferia especial agilidade; a presença de estruturas semelhantes a penas rudimentares, ajudando-os a conservar melhor o calor do corpo; e a eficiência respiratória, teoricamente similar à das aves modernas, ideal para extrair o máximo possível de oxigênio de uma atmosfera que tinha pouco desse gás no fim do Triássico.