A importância do som no cinema

Elementos significativo da narrativa cinematográfica, o som pode acrescentar sentido ou afetar o entendimento dos filmes. Curso sobre o tema está com inscrições abertas

Professor Rodrigo Carreiro, do departamento de comunicação da UFPE - Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

O cinema é imagem em movimento, mas também é som: diálogos, trilha sonora e ruídos diversos formam uma parte significativa da narrativa cinematográfica. É dessa união que o cinema atinge um ponto de impacto e fascinação. "Desde o 'Cantor de jazz' [1927, considerado o primeiro filme sonoro] que o cinema é som e imagem. É som e imagem mesmo se a tela estiver escura, mesmo se houver silêncio", destaca o diretor Marcelo Gomes.

Através do som, o filme ganha complexidade e emoção. "A importância do som é também dar uma sensação de verossimilhança", diz Rodrigo Carreiro, professor de cinema da UFPE. "Se o som não é realista, se não é meticuloso na reprodução dos detalhes acústicos de uma época ou de um espaço, ele pode tirar o espectador da sensação de estar imerso", comenta. "O som é capaz de provocar um segundo fluxo de informações, complementando, contradizendo ou complexificando o primeiro fluxo, o imagético", expõe.

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"Não se faz um grande filme sem um bom trabalho de som", concorda Moabe Filho, que estudou som na Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV), em Cuba. "Desde indicações sonoras no roteiro, passando por um bom registro de som direto, um processo criativo de edição de som e gravações adicionais (efeitos, dublagens, trilha sonora) até a mixagem final", ressalta Moabe, que trabalhou em filmes como "Tatuagem", "Ventos de agosto" e "Até que a sorte nos separe 2".

Autoria e estilo

O som oferece possibilidades criativas para os cineastas. "Gosto de trabalhar o som além dos diálogos, da trilha sonora, da ambiência. Gosto de trabalhar o som do extracampo, o que está fora da imagem. Algo que você pode ouvir e contribui para a atmosfera da imagem", diz Marcelo, diretor de "Cinema, aspirinas e urubus" (2005), "Viajo porque preciso, volto porque te amo" (2009) e "Joaquim" (2017).

Matheus Nachtergaele e Cláudio Assis no set de "Piedade" - Crédito: Ed Machado


"Em 'Cinema, aspirinas e urubus', um dos personagens dá ré no carro e bate num galinheiro, cheio de galinhas, que saem voando. Mas o espectador não vê nada disso: vê apenas o personagem dando ré e o barulho, o som do ambiente. O que aconteceu ficou no extracampo. Ou seja, o som mexe com a imaginação do espectador, com aquilo que ele não vê, apenas ouve. Você imagina o galinheiro, as galinhas. O que gosto no cinema é que instiga a imaginação e a memória do espectador", ressalta.

No cinema, o som também é silêncio, expectativa e sentimento. "O som é importante porque passa uma sensação ao espectador, prepara ele para a cena. Você escuta o cinema, a sonoridade, o silêncio", diz Cláudio Assis, diretor de "Amarelo manga" (2002) e "Febre do rato" (2007) . "Trabalho com pessoas que têm coisas em comum comigo, como DJ Dolores, Lúcio Maia, Jorge du Peixe", aponta.

Cláudio está em processo de terminar seu novo filme, a ficção "Piedade", previsto para estrear em junho, com Cauã Reymond, Fernanda Montenegro e Matheus Nachtergaele no elenco. "Agora mesmo estamos finalizando a trilha sonora de 'Piedade' com Jorge du Peixe. Está seguindo bem o caminho", avisa.

Marcelo Gomes e Hermila Guedes no set de "Era uma vez eu, Verônica" - Crédito: Mauro Pinheiro Jr./Divulgação


Sinalizador afetivo

A trilha sonora pode estar dentro do filme - um personagem que ouve música no rádio, por exemplo - ou pode ser canções que não pertencem ao ambiente da história, mas estão inseridas na faixa sonora. "Meu cinema é um cinema de personagem. São os personagens que me dizem como vai ser a música e a sonoridade do filme", elucida Marcelo.

"Não gosto muito dessa música que 'vem de Deus'. Gosto mais de uma trilha sonora que está inserida no contexto dramatúrgico do filme e foi algo que meu personagem preferiu", explica. "Em 'Viajo porque preciso', o personagem está viajando solitariamente, e o que acontece quando viajamos solitariamente? Ligamos o rádio, ouvimos música. Uma música que lembra alguma coisa e nos emociona. É isso que acontece no filme", detalha.

A música também tem o potencial de informar, emocionar e afetar o espectador. "A música é uma espécie de sinalizador afetivo de uma cena", explica Rodrigo. "A música dá ao espectador a dica de como ele deve interpretar a cena. Então se uma cena é de suspense, cômica ou dramática, a música, a modulação da intensidade e a escolha de instrumentos indicam a maneira como a cena foi construída", esmiúça.

"Por exemplo a cena do chuveiro de 'Psicose' [1960, de Alfred Hitchcock]. A música evoca a qualidade agressiva e rítmica das facadas, do ataque. O barulho agudo e frenético dos violinos evoca também a tonalidade do grito humano. Então, a música aumenta a carga de agressividade da cena, nos impressiona com a violência e com a representação da morte", compara.

A trilha pode ainda informar o movimento interior de um personagem. "Imagine um personagem que caminha no meio da multidão em uma cidade. Não sabemos quem é nem o que está sentindo, mas com uma boa escolha de trilha podemos dar pistas", diz o técnico de som Pedrinho Moreira, que trabalhou em "Entre Irmãs", de Breno Silveira. "A trilha sonora talvez seja o artifício de maior poder de indução dentro das diversas camadas de composição do desenho de som de um filme", pondera.

Professor Rodrigo Carreiro, do curso de Cinema da UFPE - Crédito: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco


 O que está ao redor

Trabalhar com som envolve pensar em estética, sentido e emoção, mas também variáveis práticas, durante as filmagens. "São muitos os desafios de quem trabalha com o som no cinema", diz Rodrigo Carreiro. "O som é considerado, dentro de um organograma de produção, uma espécie de patinho feito em relação à imagem. Uma locação costuma ser escolhida por sua qualidade visual. Dificilmente, na indústria cinematográfica, aqui em Pernambuco, ou em Hollywood, uma locação é escolhida por causa do potencial acústico", sugere.

"Uma locação que é escolhida sem levar em consideração esse critério pode tornar o filme mais caro. Por exemplo, se escolhem um prédio para gravar uma cena e chegando lá descobrem que tem uma escola ao lado, isso provavelmente vai significar que o barulho tornará intratável qualquer som que seja gravado. Ou seja, esse filme vai ter que ir para a pós-produção e ter os diálogos regravados", explica.

A captação de som direto pode contribuir de maneira fundamental para o perfil e o estilo do filme. "A locação promove uma dificuldade natural para o técnico que está fazendo o som", opina Marcelo Gomes. "Em 'Joaquim', filmamos uma cena em uma casinha do século 18 de dois metros quadrados. A sonoridade era completamente diferente do som de estúdio. O som direto tem suas falhas, afinal a vida não é perfeita. O som direto traz uma verdade", acredita.

É através do som direto que um ambiente pode ganhar complexidade, identidade e emoção. "Eu e Pedrinho fizemos o som direto de um de um road movie de Camilo Cavalcante (com nome provisório de 'King Kong em Asunción')", diz Moabe. "Esse filme foi rodado numa viagem entre Bolívia e Paraguai. Passamos por desertos de sal com fortes ventanias, pequenos mercados públicos e até um cemitério de trens. Tínhamos um universo sonoro diferente a cada dia. Um dos desafios era colocar toda essa diversidade sonora dentro do filme", destaca.

O trabalho criativo com o som também é uma forma de superar um dos limites do cinema nacional: o orçamento. "Nossos orçamentos não são hollywoodianos. A gente tem que utilizar a potencialidade do som porque é o elemento mais barato", diz Marcelo. "Construir uma explosão no som é mais barato do que construir uma explosão na imagem", compara.

Em Hollywood

O Oscar tem duas categorias que costumam confundir o público: edição de som e mixagem de som. Entre as estatuetas de melhor filme, diretor e roteiro, esses dois prêmios são geralmente ignorados ou interpretados de forma equivocada. O vencedor nas duas categorias deste ano foi "Dunkirk", filme de guerra de Christopher Nolan. "Edição e mixagem de som são fases da pós-produção", pontua Rodrigo.

"Depois da montagem, o filme vai para a edição de som. Depois, passa pela mixagem de som. A edição é o momento em que a equipe de pós-produção grava e edita os efeitos sonoros. Todos os ruídos que você ouve são produzidos na fase de edição: motor de carro, batidas de porta e até mesmo os barulhos mais sutis, como passos e respiração", detalha.

"A mixagem ocorre quando os sons já estão sincronizados com a imagem. O mixador vai fazer três coisas: equalizar os sons, ou seja, vai decidir se precisa ficar mais agudo, mais grave. Depois, vai tratar as relações de volume e intensidade entre os sons: vai decidir em cada plano do filme se a voz vai ficar mais alta, se é a música. Por último, ele faz a parte de espacialização: vai decidir o que vai estar em cada canal", finaliza.

Inscrições

Produzido pela Phono Audio Port e Alumia, o curso gratuito "O som do filme", que ocorre em abril e maio no Recife, está com inscrições abertas até a próxima segunda-feira (19), no site www.phonoaudiopost.com.br/osomdofilme. O objetivo é apresentar a técnica e discutir aspectos do som, em masterclasses e oficinas. O curso tem participação dos pernambucanos Moabe Filho e Pedrinho Moreira, que falam sobre a captação de som direto (23 de abril).

Participam ainda o músico Beto Villares, que compôs para "Cidade Baixa" e "Xingu" e fala sobre trilha sonora (24 de abril); o francês Julien Naudin (que trabalhou nos filmes de Lars von Trier), falará sobre Foley e Efeitos Sonoros (25 de abril). Ricardo Cutz (21 de maio), mixador de "Aquarius" e "Tatuagem", e o sound designer dinamarquês Kristian Andersen (22 de maio), que trabalhou com Lars von Trier, também participam.

Para se inscrever, o interessado deve preencher a ficha de inscrição indicada no site. Para disputar uma vaga, é preciso apresentar um currículo, uma ficha de inscrição assinada e uma carta de intenção. São 100 vagas para as masterclasses e 30 para acompanhar as aulas e os cursos. O resultado será divulgado na página www.facebook.com/phonoaudiopost. O site ressalta que será permitida apenas 25% de faltas na carga horária - caso não cumpra, o aluno deverá pagar uma multa no valor de R$ 625, equivalente ao valor do evento por participante.