Você conhece as iguarias gastronômicas?
Alimento de fetiche de muitos comensais, a iguaria é pedida cuja crise não bate a porta. Entre caviar, trufa e enguia, há uma relação extensa de comidas com apreciadores dispostos a botar, sem medo, a mão no bolso
Segundo o dicionário, iguaria é toda comida refinada que não foge à ideia de boa preparação, delicadeza e sabor. Adjetivos imponentes para um alimento que, muitas vezes, nunca se viu, comeu, mas se ouve falar. É desejo de consumo no prato de muita gente, misturado com o velho fetiche de comer “do bom e do melhor”, sem se preocupar com qualquer tipo de julgamento.
Não à toa, uma boa representante dessa categoria vem enchendo os olhos dos comensais pernambucanos. A trufa, produzida por uma espécie de fungo, é ingrediente que já ganhou duas edições de festivais gastronômicos na Capital. O item, de sabor terroso e pouco amigável no primeiro contato, representa bem a boutique gourmet da Eslovênia, no Leste europeu. “A trufa negra ou branca se encaixa muito bem dentro desse conceito, que é apresentar o país de forma diferenciada. É algo novo e exótico para muita gente”, comenta o cônsul da Eslovênia no Estado, Rainier Michael.
Mas antes de seguir com outros ingredientes que encabeçam uma lista nem sempre acessível, é bom lembrar que iguaria, ou qualquer outro alimento raro, ganha essa definição dentro do repertório gastronômico e financeiro de cada pessoa. Você, leitor, pode até considerar as ovas de peixe selvagem, vulgo caviar, como algo banal. Mas, ainda assim, essas pequenas bolinhas pretas preenchem a lista dos alimentos mais caros do mercado e estão fora da rotina gastronômica de muita gente. Para ter uma ideia, a média de preço de um potinho com 100g de ovas de carpa, que lembra uma espécie de geleia salgada, sai a R$ 45,90 nos principais empórios do Recife.
“O mercado de frios especiais e carnes nobres vem crescendo em media 20% ao ano. É que os clientes também estão buscando novidades e associando esses produtos à qualidade”, defende o empresário Dylcio Magalhães, que há quase 20 anos fornece para hotéis, bares, restaurantes e delicatessens do Estado, através da Manihot Iguarias. A relação de pedidos inclui, por exemplo, o presunto cru mais caro entre os embutidos. O clássico espanhol pata negra, que vem do pernil traseiro do porco e passa por um processo de salga e cura de até 30 meses após o abate, não sai por menos de R$ 260/kg.
Só não é mais cobiçado mundo afora do que o chamado jamon ibérico de bellota. Esse vem do pernil ou da paleta do porco da raça ibérica que, enquanto vivo, passa longe de ração tradicional e se alimenta basicamente de um fruto produzido por carvalhos, chamado em português de bolota. Existem apenas quatro regiões naquele país classificadas com Denominação de Origem para produção desse tipo de presunto. Por isso, não se assuste em saber que os cozinheiros locais desembolsam por esse item cerca de R$ 400 o quilo. Magalhães também lembra que as carnes de avestruz, Javali, cordeiro e foie gras de pato também entram nas compras mais comuns dos chefs pernambucanos.
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Na mesa, quem experimenta a carne bovina chamada wagyu diz que não há outra igual. Esse é o nome de uma raça produtora de um dos cortes mais apreciados mundo afora. Quem já fez churrasco com ela, assina embaixo. O animal é genuinamente japonês. Os machos não pastam e são tratados com toda pompa, à base de massagem, cerveja e até música clássica. Não à toa, resulta numa carne suculenta que, no Recife, o corte prime wagyu, de 900g, sai em média de R$ 415 na vitrine refrigerada do The Black Angus do Shopping Recife.
Ingrediente de luxo
Segundo o chef Fábio Okamoto, a melhor definição para o termo iguaria está no fato de o produto apresentar sabores e texturas peculiares, que aguçam a imaginação das pessoas. Motivo para itens raros e delicados circularem com frequência pelo salão do restaurante onde ele atua no Recife, o Kisu. Por lá, o cardápio não abre mão dessas experiências em torno do inusitado.
“A enguia, ou unagui, é classificada como um peixe serpentiforme, que possui 15 variedades. É servida no Japão defumada e com molho teriyaki, sendo o seu preparo conhecido como 'kabayaki', que, basicamente, se refere ao modo em que é cortado e fatiado”, explica Okamoto, apresentando a versão na forma de niguirizushi. Duas peças sai a R$ 32. Outro com saída frequente é o caviar de capelin, chamado massago. “Tem sabor suave que remete ao mar e sua textura ‘explode’ na boca”, adianta o chef. No restaurante ele sai como uramaki de camarão com maionese trufada e pepino, deixando as ovas em evidência. O prato sai a R$ 38.
Ele também explica que as vieiras entram nessa categoria por serem consideradas um dos moluscos mais refinados na gastronomia. “Utilizada tanto em preparações quentes, como frias. Nossa sugestão é uma salada de vieiras grelhadas com mesclum de folhas e molho de limão siciliano, azeite e flor de sal”, completa.
A psicologia explica...
Nem só de paladar, história e procedência certificada vive o mundo das iguarias. Quem paga cada centavo de olhos fechados também dá indícios de que quer se diferenciar pela escolha à mesa. É como vestir uma roupa de grife. Ela, certamente, colocará alguém num patamar de destaque. “A diferenciação social garante uma das maiores gratificações psicológicas do ser humano, que é o reconhecimento. E isso faz você se sentir sempre acolhido pelo grupo”, adianta o professor de psicologia e analista comportamental, Spencer Junior.
Mas, calma, não quer dizer que escolher este cardápio é um ato equivocado. Trata-se de mais um reflexo de certa parcela da sociedade atual. “É buscar objetos caros e procurar sempre o melhor nas coisas inalcançáveis. Isso dará a ideia de se diferenciar, assim você garante mais a sua sobrevivência, te permite entrar num nível mais alto até entrar em outras perspectivas, como na psicanálise, que é seu ego estar contemplado pelo ego daqueles que fazem essa corte”, aponta o especialista. Uma espécie de zona de conforto que muitos, nem de longe, querer abrir mão.
Raridade na taça
Um prato de luxo merece uma bebida de luxo. Confira uma seleção com as garrafas que são à altura de qualquer banquete
Champagne Lanson Extra Brut: é um blend de safras e de variedades selecionadas de vinhedos Grands Crus e Premiers Crus franceses. Repousa, pelo menos, cinco anos nas caves (preço médio R$: 583) - Dica da sommelière Lolo Rîccobene.
Coral Wine: passa de um a três anos em barricas e depois as garrafas são submersas no Mar Adriático, a uma profundidade de 29 metros. (Preço médio pela internet: 100 €). Dica da reportagem.
Catena Zapata Estiba Reservada 2013: produzido apenas em anos excepcionais, na Argentina, tem uma seleção rigorosa de uvas Cabernet Sauvignon, Malbec e Merlot. (Preço médio: R$ 1.248.62). Dica da reportagem.