Rivalidades muito além das quatro linhas

Assim como Boca Juniors x River Plate, que disputam a final da Libertadores, o planeta futebol tem rivalidades repletas de história

Real Madrid x Barcelona - Gabriel Bouys/AFP

O início da noite deste sábado (10) reserva um duelo que já nasce célebre. Boca Juniors e River Plate medirão forças pelo título mais cobiçado das Américas: a Taça Libertadores. A alta expectativa se justifica. Afinal, o troféu será decidido em um clássico. Ou seja, um confronto que coloca dois rivais históricos em lados opostos. Para que um embate atinja esse grau de magnitude é preciso que resista ao teste do tempo.

Geralmente, as disputas mais ferrenhas não se resumem às quatro linhas. Em vários casos, representam uma luta de classes, divergências religiosas ou discordâncias políticas. Não à toa, a violência, dentro e fora de campo, costuma dar as caras. São partidas assim que corroboram a premissa de que o futebol é muito mais do que um jogo. Conheça 11 clássicos em que a hostilidade e ódio pelo adversário se sobrepõem até às mínimas noções de civilidade:

Boca Juniors x River Plate (Argentina)
A rivalidade dos dois gigantes começou nos primeiros anos do século passado, quando o River Plate adotou o seu antigo estádio, que ficava no humilde bairro La Boca, sustentado pelo trabalho braçal e berço do rival. Na década de 1920, o River se mudou para regiões mais abastadas - primeiro, Palermo, depois, Belgrano, onde fica o Monumental de Núñez, casa do clube - e virou o predileto da elite de Buenos Aires. Foi aí que a disputa ganhou vida, dividindo o Superclásico em povo (Boca Juniors) x elite (River Plate), embora ambos hoje tenham fanáticos em todos os segmentos sociais.

Barcelona x Real Madrid (Espanha)
O duelo entre as duas milionárias equipes vai muito além de contar com inúmeros astros em campo. O confronto carrega uma forte conotação política. O Real Madrid, da capital, seria o representante da realeza, enquanto o Barcelona, da Catalunha, é tido como o maior representante do orgulho catalão. Após a Guerra Civil espanhola (1936-1939), a ditadura de Francisco Franco impôs repressão à Catalunha e proibiu o uso da língua nativa. O único lugar onde eles poderiam se manifestar seria em jogos de futebol, onde a rixa cresce até os dias de hoje.
Celtic x Rangers (Escócia)
Os dois vizinhos de Glasgow, capital escocesa, protagonizam um dos mais antigos clássicos do mundo. E o embate é célebre - e acirradíssimo - por reunir divergências políticas e religiosas. Os torcedores do Celtic, clube fundado por irlandeses, via de regra, são católicos, separatistas em relação ao Reino Unido e costumam votar no Labour Party (o Partido Trabalhista). Já os do Rangers são majoritariamente protestantes, defendem a estrutura do Reino Unido e apoiam o Conservative Unionist Party (o Partido Conservador). As rusgas vão de brigas nas arquibancadas à violência no campo. 

Lazio x Roma (Itália)
O Derby della Capitale tem uma origem inusitada. A Lazio foi fundada em 1900 e a Roma nasceu 27 anos depois - através da fusão de clubes locais - como pedido do ditador Benito Mussolini, que queria um time da capital tão forte quanto os do Norte - Juventus, Internazionale e Milan. A Lazio ficou de fora da união por imposição do general fascista Giorgio Vaccaro, fanático pela equipe. A rivalidade cresceu: os laziali eram identificados como os mais ricos e os romanistas eram apoiados pelo proletariado. O aparecimento dos ultras levou a acusações racistas, fascistas e nazistas de ambos os lados.

Peñarol x Nacional (Uruguai)

Clássico mais antigo das Américas, o confronto que reúne os grandes de Montevidéu aconteceu pela primeira vez em 15 de julho de 1900. O Peñarol foi fundado sob o nome CURCC, com a participação de imigrantes ingleses - que trabalhavam na empresa ferroviária The Central Uruguay Railway ltd. O Nacional, de caráter mais nacionalista, formou-se com uma equipe composta quase toda por mestiços e negros, em resposta aos clubes de futebol da época, formados quase sempre por estrangeiros. Como não poderia ser diferente, o dérbi conta, geralmente, com fervor nas arquibancadas e brigas dentro e fora de campo.

Schalke 04 x Borussia Dortmund (Alemanha)

O Bayern de Munique pode até ser o maior time da Alemanha, mas o principal clássico do país acontece no Vale do Ruhr, no Oeste alemão. Fundado em 1904, o Schalke 04 é de Gelsenkirchen, que tinha forte presença de operários protestantes. Em 1909, na cidade vizinha, Dortmund, jovens cristãos fundaram o Borussia. Adolf Hitler "adotou" o Schalke, por sua ligação com o proletariado, e associou o time ao partido nazista, enquanto o Dortmund opunha-se ao nacionalismo e teve dirigentes fuzilados, fortalecendo a rivalidade que mexe com duas das maiores torcidas da Europa.


Galatasaray x Fenerbahçe (Turquia)
As duas agremiações ficam em Istambul, cidade mais importante do país. Porém, os rivais se encontram em lados opostos do Estreito de Bósforo, que corta a região. O Galatasaray fica na parte europeia e foi fundado em uma escola de elite, onde reside a classe alta da população turca. Já o Fenerbahçe surgiu na ala asiática, com origens em um bairro mais pobre. A animosidade é tanta que são comuns os casos de brigas entre torcedores e jogadores. Algumas, até, com destino fatal. O que explica porque esse duelo é considerado um dos mais violentos e perigosos do mundo.

Al Ahly x Zamalek (Egito)

O maior clássico da África reúne também os dois times de maior torcida do continente. O Al Ahly é mais conhecido no Egito como o "time do povo". Já o Zamalek é o preferido da burguesia egípcia. O "Dérbi do Cairo" tem transmissão para outros países da África e do Oriente Médio, fato que impulsiona o crescimento das já grandes torcidas. O confronto, que coloca em jogo a hegemonia da capital do Egito, também costuma ser classificado entre os mais arriscados do mundo. Afinal, os torcedores extremistas brigam com frequência, obrigando as autoridades a montar fortes esquemas de segurança.

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Partizan x Estrela Vermelha (Sérvia)
Ambos surgiram em 1945. Ou seja, a disputa existe desde os tempos da extinta Iugoslávia. O "Dérbi Eterno" é lembrado como um dos mais agressivos do mundo até hoje. O derramamento de sangue é uma constante quando ambos entram em campo. O Estrela Vermelha foi originado da Aliança Unida da Juventude Antifascista e é mais identificado com a polícia. O Partizan, por sua vez, foi formado por membros do Exército Vermelho. Os dois foram patrocinados pelo Estado e já tiveram forças paramilitares em suas torcidas organizadas, amplificando as tensões já existentes no famoso confronto.

Olympiakos x Panathinaikos (Grécia)
Os gigantes da Grécia, a exemplo dos rivais da Sérvia e Turquia, estrelam confrontos disputadíssimos tanto no futebol quanto no basquete, vôlei e outras modalidades. E também há brigas de torcedores nos jogos dos outros esportes. Para se ter uma ideia, o embate é apelidado de "Dérbi dos Eternos Inimigos". Ou também a "Mãe de Todas as Batalhas". Assim como acontece em outros confrontos de calibre semelhante, as desavenças têm origens históricas e sociais. Em sua fundação, o Panathinaikos teve como base a camada social mais alta da cidade histórica. E o Olympiakos era representado pela classe trabalhadora.

Grêmio x Internacional (Brasil)

A maior rivalidade do futebol brasileiro não se encontra no Rio de Janeiro ou São Paulo. É em Porto Alegre que Grêmio e Internacional obrigam a cidade a se dividir em azul e vermelho. O Colorado ficou conhecido como o "clube do povo", pois seus fundadores vieram de São Paulo, mas foram barrados no Grêmio por não serem conhecidos, nem membros da comunidade italiana e montaram seu próprio clube, com ideais menos restritos, enquanto o Tricolor se identificava mais com a classe conservadora. Com o passar dos anos, a diferença entre as classes dos torcedores se diluiu, ao passo que a rixa só aumentou.