Capoeira é pra mulher: leia sobre a luta das mulheres em Pernambuco

Capoeiristas abrem espaço dentro de um universo onde os homens predominam e enfrentam preconceito e violência

Gaby Conde comemora o fato de ter acesso a instrumentos antes "proibidos" às mulheres, como o berimbau - Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

Shirley, Di, Iza, Carlinha, Dani, Nazaré, Mônica, Selva, Bel, Ana Paula, Gaby... Quem é da capoeira em Pernambuco conhece estas e outras mulheres, que há muito se dedicam a essa expressão cultural.

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Gente que por muito tempo foi a única entre vários homens, como a mestra Dani Gouveia, de 46 anos - e na luta há 34.

Ou que precisou romper com o próprio mestre - caso de Adriana, a mestra Di (que vinha dedicando sua vida à capoeira angola mas acabou sendo "formada" por um mestre de capoeira regional, uma linguagem diferente da sua de origem, levando a polêmicas e questionamentos acerca da legitimidade de seu título).

"Fazer capoeira dentro de uma sociedade machista acaba sendo um enfrentamento constante. A gente passa o tempo todo se afirmando", aponta a trenel e professora Gaby Conde, que tem 37 anos e joga há 26. "Muitos homens começaram na mesma época que eu e hoje são mestres e contramestres, mas é difícil crescer em função desse referencial masculino, dessa disputa de egos pelo protagonismo dentro da capoeira", lamenta.

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As dificuldades a vencer são muitas. "Para começo de conversa, a mulher tem que jogar bem, tocar, cantar, mas tem a continuidade da atividade prejudicada porque às vezes se relaciona com alguém que não aprova a capoeira, ou engravida e precisa se dedicar a outros afazeres. Problemas sociais, que não são da capoeira em si", relata mestra Dani.

"A capoeira não é um espaço que acolhe as mulheres, em muitos sentidos. Há um processo enorme de violência, que passa pelas vias de fato, já que é uma arte marcial, mas por outros pontos subjetivos. Os homens não consideram as peculiaridades do corpo feminino. Querem sempre provar superioridade, ou se colocando em posição de disputa, cobrando que a gente seja igual a um homem, ou subestimando nossa capacidade, tratando a mulher como se fosse criança", critica Gaby.

Entre os vários silenciamentos, um historicamente bastante conhecido é o impedimento de ter acesso aos instrumentos musicais. "Hoje está melhor. Em vários grupos a gente pode ter destaque, segurar o gunga (berimbau), tocar, comandar a roda", reconhece a contramestra Nazaré Siqueira, 51 anos - dos quais, 25 dedicados à capoeira.

"Tanto dentro como fora da capoeira, as mulheres enfrentam dificuldades mas estão lutando por seus espaços. É um reflexo da sociedade, para o bem e para o mal. A gente tem tentado mudar isso na marra, reafirmando nossa necessidade de protagonizar nossas histórias. Não deixa de ser uma posição política. É da vida das mulheres que estamos falando, de realizar processos pedagógicos tanto em nível de corpo, como sob outros aspectos", diz Gaby. "A capoeira é um espaço onde a gente se relaciona com a ancestralidade e se reconhece, mas para que isso aconteça é preciso que haja respeito e que os homens entrem nessa luta, também".

Expectativa de Gaby Conde é se tornar contramestra ainda este ano - Crédito: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco



Buscando o próprio espaço

A organização, como em outros contextos sociais, tem sido um caminho sem volta para o sucesso das capoeiristas. "A gente tem um grupo de whatsapp com nove mestras, e faz sempre encontros presenciais", ri mestra Dani.

Em 2014, Gaby fundou o Fórum Estadual de Políticas Públicas para a Capoeira, que trouxe importantes conquistas para o segmento. Mas ela confessa que só aguentou ficar dois anos presidindo a entidade. "Não tenho paciência com 'machaiada uó'", alfineta.

Agora em março, entre os dias 29 e 31, o Centro de Capoeira São Salomão, no bairro da Várzea, vai sediar seu décimo encontro feminino. "Vem mulheres de outros estados, e contando com professoras, mestras e alunas teremos pelo menos uma centena de capoeiristas circulando pelo espaço", adianta Dani.

Atualmente, Gaby Conde comanda um grupo voltado só para mulheres. "Foi uma escolha política, que reflete uma necessidade de desenvolver um trabalho específico com esse público, de ter uma atenção especial no treinamento e nas diferenças. Porque durante muito tempo a referência de corpo que havia era ser tratada igual a um homem. Eu sinto que muitas mulheres se sentem mais à vontade para vir treinar e participar desses novos significados, dessa reconstrução de caminhos", resume.