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Quando 1+1 é maior do que 2

Cientistas propõem que Covid-19 seja tratada como sindemia; entenda o termo

Publicação na revista científica The Lancet sugere tratar os impactos da doença em todo o mundo com um novo rótulo

Vários impactos da Covid-19, como os fatores socioeconômicos atrelados à doença e até mesmo outras morbidades, acabam tornando o cenário piorVários impactos da Covid-19, como os fatores socioeconômicos atrelados à doença e até mesmo outras morbidades, acabam tornando o cenário pior - Foto: Noah Seelam/AFP

Cientistas publicaram, no final de setembro, na revista científica The Lancet um artigo que propõe definir a Covid-19 como uma sindemia. O texto é assinado pelo editor-chefe da revista, Richard Horton. Na publicação, o pesquisador diz que a doença alcançou um patamar diferente de qualquer outra pandemia já enfrentada pela humanidade na História. 

Tratada inicialmente como uma 'pneumonia desconhecida' quando os primeiros casos começaram a surgir em Wuhan, na China, a Covid-19 foi classificada como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março. O termo se refere a uma epidemia - quando surtos de uma doença ocorrem em várias regiões - que se estende a níveis mundiais. 

A palavra sindemia nada mais é do que a junção das palavras “sinergia” e “pandemia”. “Sinergia” significa algo que, quando somado, o todo é maior do que a soma das partes. Ou seja, diversos impactos da Covid-19, como os fatores socioeconômicos atrelados à doença e até mesmo outras morbidades, acabam tornando o cenário pior. Em resumo, é como se a soma de 1+1, nesse cenário sinérgico, desse mais do que 2.

Sistemas de saúde em todo o mundo são postos à prova durante a pandemiaSistemas de saúde de todo o planeta foram postos à prova durante a pandemia de Covid (Foto: Miguel Medina/AFP)

"A natureza sindêmica da ameaça que enfrentamos exige não apenas tratar cada aflição mas também abordar urgentemente as desigualdades sociais subjacentes que as afetam, ou seja, a pobreza, a moradia, a educação e a raça, que são fatores determinantes poderosos da saúde", diz Horton no artigo. O termo, portanto, pretende explicar de uma maneira mais aprofundada o comportamento e as consequências do vírus no mundo.

A definição de “sindemia” foi dada pelo antropólogo americano Merrill Singer, nos anos 1990. Segundo ele, a sindemia é definida como “quando duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas ou mais doenças”.  

Desde o surgimento da Covid-19, pessoas com doenças como obesidade, diabetes e hipertensão foram incluídas no grupo de risco, e se sabe que o impacto nelas é especialmente grave.  O vírus portanto, não age sozinho, e, quando combinado com outras doenças especialmente desencadeadas pela desigualdade social traz ainda mais complicações. 

Richard Horton afirma que a pandemia da Covid-19 não é apenas uma pandemia, mas várias juntas. Embora as doenças cardiovasculares e idade sejam os principais fatores de risco associados ao agravamento do quadro e morte por Covid-19, outros fatores, como socioeconômicos, afetam como as populações sobrevivem à crise sanitária do coronavírus.

O editor acrescenta ainda que a Covid-19 é uma "emergência de saúde crônica agravada" e seu impacto no futuro está sendo ignorado. 

"As doenças não transmissíveis têm desempenhado um papel crítico no mais de um milhão de mortes causadas pela Covid-19 até o momento, e continuarão a influenciar a saúde de todos os países depois que a pandemia for embora. À medida que retomarmos nossos sistemas de saúde à raiz de doenças como a Covid-19, este estudo sobre a carga mundial de morbidade e mortalidade oferece um meio de direcionar qual a maior emergência e como isso difere entre os países."

Estudo
No estudo publicado em The Lancet, desenvolvido pelo Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em inglês), da Universidade de Washington, os pesquisadores avaliaram 286 causas de morte, 369 doenças e lesões e 87 fatores de risco em 204 países e territórios em todo o mundo.

Os dados mostram como o mundo, em especial os sistemas de saúde pública, não estavam preparados para uma pandemia e, pior, como fatores de risco tratáveis e evitáveis, como obesidade e hiperglicemia, não têm recebido a devida atenção dos programas de saúde globais.

Apoiado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), o estudo que avalia a carga global das doenças é realizado anualmente como forma de analisar quais as principais causas de morte e de perda de qualidade de vida, bem como a mudança de expectativa de vida nos últimos 30 anos.

O impacto da Covid-19 na saúde das pessoas não será apenas sentido em 2020 e em 2021, afirmam os pesquisadores, mas nos anos seguintes também.

Entre os fatores que agravaram a crise está a ineficácia da saúde pública para impedir o aumento de fatores de risco, como programas nacionais de conscientização e prevenção para as chamadas doenças não transmissíveis (obesidade, hipertensão, diabetes, colesterol alto).

Para Christopher Murray, diretor do IHME e principal autor do estudo, o aumento da expectativa de vida no mundo é um indicativo positivo ao avaliar doenças infecciosas que assolavam países da África subsaariana até meados dos anos 2000, como Aids e tuberculose. No entanto, a maior perda de expectativa de vida global hoje está relacionada a fatores de risco como doenças cardiovasculares, dietas desequilibradas e poluição do ar.

Em parte, as melhoras em cuidado neonatal e de assistência materna elevaram a sobrevida e diminuíram o risco de morte prematura, principalmente em crianças menores de dez anos, mas a mesma atenção não foi dada às faixas etárias mais velhas.

"Não estamos conseguindo mudar comportamentos pouco saudáveis, em particular aqueles relacionados à qualidade da alimentação e atividade física, em parte devido à falta de atenção regulatória e de financiamento para pesquisas sobre comportamento e saúde pública", afirma Murray.

As principais diferenças observadas entre os países desenvolvidos e as nações de renda média ou baixa em relação aos fatores de risco estão no tratamento de água e esgoto e atenção neonatal e pós-parto.

Em grande parte da América Latina, na América do Norte, na Ásia e Europa, a hipertensão, o colesterol alto, o excesso de peso e o tabagismo são as principais causas de problemas de saúde. Na Oceania, a desnutrição e a poluição do ar estão entre os principais riscos. Já a África subsaariana lida com desnutrição, poluição da água e poluição do ar.

A doença metabólica, que alia obesidade, diabetes e colesterol alto, é apontada como um dos principais fatores de perda de vida saudável nos últimos 30 anos na Europa ocidental e América do Norte.

Para Emmanuela Gakidou, pesquisadora e coautora do estudo do IHME, apenas a informação dos fatores de risco não é suficiente, é preciso agir. "A incidêndia da doença metabólica passou de 10,4% em 1990 para 20%, em 2019. Com base nas lições aprendidas em décadas de controle do tabagismo, quando há um risco significativo para a saúde da população, como a obesidade, pode ser necessário que o governo aja por meio de regulamentação, impostos e subsídios."

No Brasil, cerca de 55,4% da população em 2019 apresenta sobrepeso, segundo dados do Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis), do Ministério da Saúde.

Embora a primeira e segunda principais causas de morte por doença no País sejam doenças vasculares (cardíacas e cerebrais, respectivamente), o aumento de peso ocupa o primeiro lugar nas doenças não transmissíveis associadas à perda de vida saudável.

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