Apesar da pressão global, Israel e Hezbollah têm seus próprios motivos para rejeitar um cessar-fogo
EUA e França costuram um acordo que prevê uma janela de 21 dias de trégua para tentar uma saída negociada do conflito; premier israelense rejeitou qualquer fim das hostilidades
A proposta de um cessar-fogo de três semanas entre Israel e o movimento xiita libanês Hezbollah, que está sendo costurada pelos EUA e a França, seria difícil de ser aceita por qualquer um dos lados, pois fica aquém de suas respectivas condições para uma trégua, apontam os analistas.
Os líderes do Hezbollah têm dito repetidamente que continuarão lutando até que haja um cessar-fogo em Gaza entre Israel e o Hamas, um aliado do movimento que também é apoiado pelo Irã. Pausar sua própria guerra com Israel enquanto o Hamas segue lutando iria expor o Hezbollah às críticas de seus apoiadores mais fervorosos de que estaria abandonando seus princípios e um aliado.
Os líderes israelenses também querem mais do que um curto período de trégua ao longo de sua fronteira norte. Eles falam com frequência sobre a busca por uma mudança fundamental na dinâmica de segurança nas áreas fronteiriças, onde o Hezbollah e Israel têm trocado disparos de mísseis desde outubro, quando o movimento xiita libanês começou a disparar contra posições israelenses em solidariedade ao Hamas.
Mais de 60 mil israelenses fugiram de suas casas no norte de Israel no ano passado, enquanto centenas de milhares de civis libaneses foram deslocados do sul do Líbano. Para dar aos israelenses deslocados a confiança necessária para voltar para casa, Israel quer que os combatentes do Hezbollah se retirem permanentemente da fronteira e parem de disparar foguetes contra as comunidades israelenses.
Leia também
• Israel afirma que matou o chefe da unidade de drones do Hezbollah em bombardeio de Beirute
• Israel rejeita trégua com Hezbollah e promete lutar 'até a vitória'
• Hezbollah afirma que lançou foguetes contra complexos militares israelenses perto de Haifa
"Israel não quer uma solução temporária de cessar-fogo que não atenda às suas necessidades e signifique que, daqui a dois anos, eles terão que fazer tudo de novo", explicou Michael Stephens, especialista em Oriente Médio do Royal United Services Institute, um grupo de pesquisa com sede em Londres.
"O pensamento deles é: Por que negociar um cessar-fogo de 21 dias para obter boas relações públicas se isso não resolve nenhuma das preocupações de segurança que nos levaram a esse ponto?"
Nesta quinta-feira, um dia após seus aliados ocidentais pressionarem pela trégua, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, recomendou que o Exército continue combatendo com "força total" no Líbano. "Esta é uma proposta [de cessar-fogo] franco-americana, para a qual o primeiro-ministro sequer respondeu. A notícia sobre uma suposta diretiva para moderar a luta no norte é também o oposto da verdade. O premier instruiu que [as Forças Armadas de Israel] continuem a lutar com força total, e em acordo com os planos apresentados a ele", afirmou seu Gabinete nesta quinta.
O Hezbollah não deu nenhuma indicação de que os recentes ataques de Israel, que incluíram assassinatos seletivos de membros do alto escalão do movimento e ataques aéreos generalizados que mataram centenas de pessoas no Líbano esta semana, tenham mudado sua posição.
Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, reiterou a posição do grupo em um discurso televisionado na última quinta-feira, pouco tempo depois de milhares de pagers e walkie-talkies de integrantes do movimento terem explodido quase simultaneamente em um ato de sabotagem atribuído a Israel, que negou. Nasrallah disse que o Hezbollah considera um dever religioso, moral e humanitário impedir o que ele chamou de "matança em massa" em Gaza.
De acordo com analistas, para se comprometer à extensão do que Israel busca, o Hezbollah pode precisar da aprovação de seu benfeitor, o Irã.
Um discurso ambíguo feito esta semana pelo presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, pode ser interpretado como um sinal de uma possível mudança na abordagem do Irã, disse Paul Salem, analista sênior do Middle East Institute, um grupo de pesquisa com sede em Washington.
Nesse discurso, realizado durante a Assembleia Geral da ONU, Pezeshkian condenou a "barbárie desesperada" de Israel no Líbano e advertiu que a campanha de Israel deve ser interrompida "antes que engula a região e o mundo".
"Você pode interpretar tanto interpretar isso como 'Vamos ajudá-los', o que eles realmente não parecem estar fazendo, ou como se estivesse dando a eles uma saída", disse Salem, acrescentando: "Posso imaginá-los dizendo: 'Veja, você sabe, você se saiu bem. Você fez isso por um ano. Retire-se.''
Salem disse que não é do interesse do Irã ver o Hezbollah ainda mais enfraquecido, e é por isso que, apesar da promessa pública feita pelo movimento ir na contramão, Teerã poderia permitir que seu representante se retirasse sem uma trégua em Gaza.