Cármen discute com Kassio em julgamento sobre decreto de Bolsonaro: "Não foi isso que eu disse"
Debate entre ministros do STF ocorreu durante julgamento de ação sobre Fundo Nacional do Meio Ambiente
O voto do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), numa ação que questiona decreto do presidente Jair Bolsonaro sobre a participação da sociedade civil em um conselho ambiental causou descoforto na minsitra Cármen Lúcia, relatora do caso. Após ela votar contra o governo, nesta quinta-feira (7), o indicado do presidente sugeriu que a decisão da magistrada abria um "precedente perigoso".
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Os ministros analisavam uma ação proposta pelo partido Rede Sustentabilidade em 2020. Segundo a legenda, o decreto é inconstitucional pois retirou do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) representantes da sociedade civil e determinando que a composição fosse apenas de nomes escolhidos pelo próprio governo.
Em seu voto, Cármen Lúcia entendeu que o decreto deveria ser suspenso por ser inconstitucional. Segundo Cármen Lúcia, as normas que estavam sendo questionadas representam uma ofensa ao princípio da vedação do retrocesso, pois diminuíram o nível de proteção suficiente ao meio ambiente. Para ela, é dever do Estado garantir o direito fundamental ao meio ambiente.
"Tenho pra mim que a eliminação da sociedade civil nas entidades que compõem o fundo nacional do meio ambiente evidencia uma centralização que seria antidemocrática, afastando a participação da sociedade civil das políticas públicas ambientais, o que deslegitima as ações estatais em ofensa ao princípio da participação popular", disse a ministra.
Ao discordar do posicionamento da relatora, o ministro Nunes Marques, que foi indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, rejeitou a suspensão do decreto e disse que a decisão poderia abrir um precedente "perigoso", tornando o decreto "imutável".
"Repristinar um decreto que por opção política do passado previa a participação popular em um conselho é, na prática impor essa participação direta como instrumento mínimo de democracia direta sem que haja essa exigência constitucional", afirmou Nunes Marques, dizendo que estava se permitindo fazer uma "especulação".
Cármen Lúcia, então, interveio para esclarecer que essa hipótese apontada pelo ministro não estava prevista em seu voto, e disse que a afirmação de que esse seria um precedente no sentido de que o presidente da República estaria impedido em qualquer mudança de mudar especialmente para aumentar a democracia, porque amanhã ele pode mudar, não estava em seu voto.
"Apenas para isso é preciso que se cumpra os princípios constitucionais e a dinâmica impõe justamente esta observância. Afirmar que isso seria um precedente no sentido de que o presidente da República estaria impedido em qualquer mudança de mudar especialmente para aumentar a democracia, porque amanhã ele pode mudar, isso não existe no meu voto. E até onde eu pude compreender dos outros três votos já exarados, isso eu nenhum momento foi cuidado", afirmou a ministra.
Cármen Lúcia continuou:
"Estas situações são perigosas, porque quando se expõe isso, expõe quem votou até agora como se a gente tivesse falado alguma barbaridade. E seria mesmo. Se estivesse dizendo que o presidente da República que tem a competência regulamentar infralegal não pode exercer porque depois não pode mudar no sentido de modificar, alterar ou aperfeiçoar uma ou outra forma de participação popular, realmente estaria em contradição absoluta com a constituição. Não foi isso que eu disse", rebateu a relatora.
Após o debate, o julgamento da ação foi suspenso e será retomado no próximo dia 20. Até o momento, acompanharam integralmente Cármen Lúcia os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes, e André Mendonça seguiu a ministra parcialmente.
Segundo Cármen Lúcia, as normas que estavam sendo questionadas representam uma ofensa ao princípio da vedação do retrocesso, pois diminuíram o nível de proteção suficiente ao meio ambiente. Para ela, é dever do Estado garantir o direito fundamental ao meio ambiente.
"Tenho pra mim que a eliminação da sociedade civil nas entidades que compõem o fundo nacional do meio ambiente evidencia uma centralização que seria antidemocrática, afastando a participação da sociedade civil das políticas públicas ambientais, o que deslegitima as ações estatais em ofensa ao princípio da participação popular", disse a ministra.
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A relatora apontou em seu voto que a participação popular da sociedade civil em todas as instâncias sempre foi priorizada tanto pela Constituição, quanto pela legislação e por documentos internacionais.
"Afirma-se ainda contrariedade ao princípio da igualdade, porque a distribuição de forças entre a participação da sociedade civil e representantes do governo e das entidades estatais deve dar-se em equivalência de condições quantitativa e qualitativa para ser considerada efetiva. Esse afastamento gera uma desigualação total", afirmou.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, opinou contra os pedidos feitos na ação e fez críticas a organizações não governamentais que atuam na Amazônia.
"Há cinco anos, num levantamento feito pela imprensa e por órgãos oficiais, havia neste país 3.300 ONGs, 3.000 na Amazônia, 300 no resto do Brasil. Este fato nos impõe uma certa cautela para que os interesses nacionais, para que a soberania popular seja, numa democracia substantiva que tanto desejamos, preservada, garantida e defendida por toda a sociedade pelo estado através das suas instituições", disse.