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Privatização

Eletrobras: Alta de juros nos EUA e tombo nos mercados reduzem janela para privatização

Adiamento do TCU joga operação para o segundo semestre, período mais turbulento e com mais aversão aos riscos

EletrobrasEletrobras - Foto: Divulgação

Integrantes do governo, especialmente do BNDES, e gestores do mercado financeiro ouvidos pelo Globo nos últimos dias alertam que a “janela” para a privatização da Eletrobras está se fechando. Entre as razões está a perspectiva de tempos mais turbulentos no mercado de ações nos próximos meses e a alta de juros promovida pelo FED, o banco central dos Estados Unidos.

A privatização da Eletrobras não seguirá um modelo tradicional de venda de ativos, como um leilão. Será por meio de uma capitalização bilionária nas bolsas de valores de São Paulo e de Nova York. Isso obriga o governo a seguir uma série de regras impostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de ações brasileiro, e a SEC, a entidade equivalente dos Estados Unidos. A operação está sendo estruturada pelo BNDES.

Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) adiou por pelo menos 20 dias a conclusão do processo que analisa as regras para a venda da empresa. Embora pareça pouco, esse tempo afasta a chance da privatização ocorrer até o dia 13 de maio deste ano, arrastando a operação para o segundo semestre, devido a estas regras acionárias.

É isso que preocupa não apenas ao governo, mas também aos agentes do mercado que vem acompanhando o processo. Passando do dia 13 de maio, a Eletrobras precisará usar o balanço do primeiro trimestre de 2022 como referência para o prospecto. Isso obriga refazer as contas e arrastar a privatização para julho, pelo menos.

Para gestores, isso vai fechando a janela da privatização por alguns fatores. O primeiro e mais importante deles é a sinalização do FED — feita na reunião anual de primavera (no Hemisfério Norte) do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial — de que pode subir os juros nos EUA em 0,50 ponto percentual diante de uma inflação de 8,5% nos 12 meses encerrados em março, a maior desde 1981.

No mês passado, o Fed subiu os juros do país em 0,25 ponto percentual pela primeira vez desde 2018, levando o intervalo da taxa básica de para 0,25% a 0,50% ao ano. A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, também afirmou haver "chance forte" de alta de juros ainda neste ano na zona do euro.

Em meio ao temor que os EUA elevem a taxa de juros rapidamente para estancar uma alta na inflação, os investidores realocam seus ativos em busca de segurança. Nessa realocação, os mercados emergentes, de maior risco, saem perdendo e as consequências desse reordenamento dos investimentos devem ser vistas também na bolsa brasileira.

A alta dos juros americanos pode fazer com que os fluxos financeiros voltem em parte aos Estados Unidos, como os investimentos estrangeiros que estão alocados no Brasil. E a busca por segurança num momento de turbulência é o que não combina com uma capitalização bilionária, caso da Eletrobras.

Para privatizar a empresa, o governo estima uma capitalização de R$ 30 bilhões. É um valor elevado, que dificilmente será coberto apenas com investidores domésticos, sendo necessário o aporte de grandes fundos internacionais. Esses fundos, por sua vez, além de fugir do risco elevado, não costumam fazer aportes significativos no segundo semestre (férias no Hemisfério Norte).

O país tem ainda riscos domésticos que afastam a dificultam capitalizações, como as eleições presidenciais, sempre um foco de turbulência nos mercados. Esse cenário já fez mais de 20 empresas cancelarem ofertas iniciais de ações (IPOs na sigla em inglês) por falta de demanda, segundo diretores de bancos de investimentos.

Esses fatores apontam para o fechamento da janela para captação dos recursos necessários à privatização da Eletrobras neste ano. Na última quarta-feira, o TCU adiou a decisão final sobre a privatização após um pedido de vista do ministro Vital do Rêgo. O governo queria limitar esse prazo a uma semana, mas acabou não conseguindo. O ministro chegou a pedir 60 dias de vista, mas a presidente do TCU, ministra Ana Arras, estabeleceu um prazo de 20 dias, fazendo com que o assunto só volte para a pauta no dia 11 de maio.

Por outro lado, durante o julgamento, o ministro Bruno Dantas rechaçou que o atraso na decisão do TCU inviabilize a privatização neste ano.

"Nem de longe uma concessão de prazo de 20 ou 30 dias a um ministro da Corte poderá inviabilizar essa capitalização. Eu tenho absoluta certeza que, se não for aproveitada essa janela de oportunidade de 13 de maio, essa janela de oportunidade vai para meados de julho. Esse parece um argumento traçado para jogar sobre o tribunal o peso do mercado no sentido de mostrar que ou é agora ou nunca e nos constrange a tomar uma decisão", afirmou Dantas.

Embora a capitalização seja de R$ 30 bilhões, há muitos mais recursos envolvidos na privatização da Eletrobras. No total, a operação chega a R$ 67 bilhões. Desse valor, R$ 25,3 bilhões serão pagos pela Eletrobras privada ao Tesouro neste ano pelas outorgas das usinas hidrelétricas que terão os seus contratos alterados.

Serão ainda destinados ainda R$ 32 bilhões para aliviar as contas de luz a partir deste ano por meio do fundo do setor elétrico, a Conta de Desenvolvimento Energética (CDE). É um dinheiro que será usado inclusive neste ano, podendo afetar as contas de luz no curto prazo.

O restante vai para a revitalização de bacias hidrográficas do Rio São Francisco, de rios de Minas Gerais e de Goiás, e para a geração de energia na Amazônia.

O governo também argumenta que a capitalização da Eletrobras é importante para manter a capacidade de investimentos da empresa e no próprio setor elétrico. Apenas para manter seu mercado atual, a Eletrobras estima ser necessário investimentos anuais da ordem de R$ 15 bilhões, enquanto a empresa hoje aporta cerca de R$ 5 bilhões.

O modelo de privatização prevê transformar a Eletrobras numa corporação sem controlador definido, mesmo que o governo mantenha posição relevante na empresa.

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